Falhas no monotrilho põem modelo, expansão e concessão em xeque em SP

Linha ficará fechada pelo menos até segunda-feira (9); governo diz que vai cobrar construtoras

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Há mais de uma semana, uma linha inteira do metrô de SP está fechada e não há previsão de que volte.
A linha 15-prata teve sua circulação interrompida em 29 de fevereiro, depois que um pneu do monotrilho estourou.

Em média, 57 mil passageiros andam por dia útil na linha, que liga a Vila Prudente a São Mateus, na zona leste.

Os 60 ônibus que foram acionados de forma emergencial para transportar os usuários da linha devem operar  pelo menos até segunda-feira (9), indicando que a semana deve começar ainda com a operação desativada.

Esse é mais um de uma série de problemas que colocam em xeque o sistema do monotrilho, questionado por especialistas desde seu anúncio.

O monotrilho é uma espécie de trem com rodas que anda sobre uma estrutura elevada e é operado pelo Metrô, companhia estadual sob a gestão João Doria (PSDB).

A linha foi construída pelas empreiteiras Queiroz Galvão e OAS, além da empresa canadense Bombardier.
Anunciada em 2009 pelo então governador José Serra (PSDB) como uma forma mais rápida e barata de transporte que o metrô subterrâneo, a linha sofreu sucessivos atrasos e só começou a operar normalmente em janeiro do ano passado.

Ex-secretário de Transportes Metropolitanos de SP, Cláudio de Senna Frederico diz que foi uma má escolha.

“Um dos problemas é que foi comprado um produto que nunca tinha sido feito em lugar nenhum com a demanda que a região tinha. Acredito que o problema será resolvido, mas enquanto isso quem arca somos nós”, diz.

Rivaldo Gomes/Folhapress
Composições do monotrilho da linha 15-prata enfileiradas no pátio do Oratório, na zona leste de São Paulo; linha está parada há mais de uma semana após falhas  - Rivaldo Gomes/Folhapress

Técnico do Metrô por 35 anos, o engenheiro Peter Alouche afirma que um dos problemas é que, como a tecnologia é nova, acaba-se ficanddo refém da fabricante Bombardier. “No metrô, se você não gosta do veículo, bota o de outra empresa. Esse monotrilho só a Bombardier faz”, afirma.

Coordenador do Sindicato dos Metroviários de SP, Wagner Fajardo diz que o monotrilho “foi uma aventura do governo do estado muito mal planejada. Nós defendemos o que era previsto, uma linha de metrô convencional”.

O sindicato diz que um dos riscos é de que a linha 15-prata tenha que funcionar apenas com velocidade reduzida e com lotação restrita, para evitar novas falhas, o que acarretaria longas filas nas estações e um tempo de viagem maior. O governo de São Paulo não respondeu às críticas apontadas à reportagem.

Ainda não se sabe o que causou o estouro do pneu –os trens circulam em testes, sem passageiros, desde sexta (6).

O incidente na última semana fez cair na avenida Sapopemba um pedaço da roda, de metal, que poderia ter atingido um pedestre ou algum veículo abaixo, já que o trem funciona sobre um elevado de até 15 metros.

Já houve outras falhas graves. Há um ano, dois trens se chocaram. Um dia depois, um equipamento chamado terceiro trilho se soltou e ficou pendurado a 15 m do solo. Depois, o muro de uma das novas estações desabou sobre a escada que dá acesso à plataforma.

Na última quinta (5), deputados estaduais pediram uma CPI para apurar as irregularidades, argumentando que, em janeiro, a linha teve operação normal só em 76% do tempo.

O atual secretário de Transportes Metropolitanos, Alexandre Baldy, afirmou na sexta que vai cobrar o prejuízo das construtoras da linha, estimado em R$ 1 milhão por dia parado, além de um dano de imagem ainda a ser calculado.

Baldy também disse que o governo vai pedir que as empresas sejam consideradas inidôneas e assim impedidas de celebrar novos contratos com o poder público. Procuradas, as fabricantes não responderam à reportagem.

Por dois dias nesta semana, Heloysa Gabrielle, 22, pegou um Uber até Mauá, na Grande São Paulo, para tomar de lá um trem da CPTM. O gasto extra e inesperado a fez tentar depois o sistema de ônibus, que aumenta 40 minutos seu trajeto diário. “É um descaso total. A gente esperou tanto tempo para sair o monotrilho, e, quando sai, dura menos de três meses [referindo-se à abertura da estação São Mateus, em dezembro]. É um dinheiro público completamente desperdiçado”, diz.

A linha 15 foi concedida à iniciativa privada pelo governo do estado em março do ano passado, mas o certame foi anulado pela Justiça em novembro, a pedido do Sindicato dos Metroviários de SP.

A operação da linha havia sido cedida ao Consórcio ViaMobilidade, do grupo CCR, que já opera as linhas 5-lilás e 4-amarela, além de outro monotrilho emperrado, o da linha 17-ouro. Em janeiro, o secretário Alexandre Baldy afirmou que a Procuradoria Geral do Estado preparava um recurso à decisão. Se a segunda instância decidir pela concessão, a CCR pode herdar a linha 15 com operação incerta.

O governo de São Paulo constrói mais uma estação da linha 15, a Jardim Colonial, que ficará além de São Mateus. A previsão era de que o trajeto chegasse até a Cidade Tiradentes, mas essas obras de extensão estão paralisadas.

No outro sentido, há um projeto de que a linha seja estendida até a estação Ipiranga. Nesse caso, a depender do trajeto, a linha passaria por uma parte da favela Vila Prudente.

O líder comunitário André Silva, morador da região e do Movimento de Defesa dos Favelados, diz que cerca de 200 das 1.700 famílias que vivem na favela poderiam ser afetadas.

“O Metrô fez algumas desapropriações e apresentações em audiências públicas, mas há três anos não recebe mais nenhum morador, só dá respostas evasivas. Não sabemos se a linha será feita mesmo ou não. A vida fica parada. O pessoal pergunta: ‘E aí, a gente constrói ou não? Faz reforma ou não?’ E o governo, que recebia a gente, parou de receber.”

Questionado, o governo não respondeu à reportagem se a favela pode ou não ser afetada.
Segundo diretores do Metrô ouvidos pela reportagem, a tendência é que a expansão seja congelada em face do que chamam de desastres recentes do monotrilho.

Não é a primeira vez. O governo de São Paulo também projetava construir um monotrilho para ligar a estação Tamanduateí do Metrô (linha 2-verde) até a região do ABC, no que seria a linha 18-bronze.

O projeto, anunciado em 2009, foi descartado de vez no meio do ano passado pelo governo Doria, que o substituiu por um BRT (sigla em inglês para sistema de transporte com ônibus rápidos), argumentando que seria mais simples e mais barato –o BRT ainda também não saiu do papel.

57 mil
média de passageiros por dia útil em janeiro


número de dias que a linha 15-prata está paralisada

60 
número de ônibus colocados de forma emergencial para atender aos passageiros

R$ 1 milhão
estimativa de prejuízo diário que o Metrô afirmou que vai cobrar das construtoras

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.