Para especialistas, debate sobre estátuas é pensar que história do Brasil queremos contar

Thiago Amparo e Giselle Beiguelman discutiram questão em live da Folha

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São Paulo

Assim como fizeram Reino Unido, Bélgica e Estados Unidos, o Brasil também questiona as estátuas de figuras históricas, sobretudo em São Paulo. A cidade recheou sua memória com ideal bandeirante, herói questionado por movimentos negros e indígenas por ter promovido o morticínio dessas populações.

O tema foi debatido no Folha em Casa desta quinta-feira (18), pela historiadora, artista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) Giselle Beiguelman e o advogado, colunista da Folha e professor de políticas de diversidade na FGV Direito SP, Thiago Amparo. A mediação foi da jornalista Fernanda Mena.

“O caso da cidade de São Paulo é bem particular. Essas remoções [para depósito], assim como as implantações, até 2002, são bastante aleatórias”, diz Beiguelman. Para ela, as decisões sobre esse tema vêm sendo relegadas às dinâmicas e interesses do poder —algo que vem melhorando, segundo a historiadora, sobretudo após a gestão de Marta Suplicy na prefeitura.

“São casos raro, como o do Monumento às Bandeiras, que, com todas as suas polêmicas, foi um monumento ultradiscutido”, afirma.

Amparo concorda. Para ele, o contexto brasileiro compreende o debate sobre quem merece estar no espaço público e quem não deveria estar, e não sobre se algum tipo de opressão à liberdade de expressão.

“Uma coisa que a gente também não conseguiu lidar muito ao longo do tempo é com a nossa própria história. A gente tem, hoje ainda, presidente chamando torturadores de heróis nacionais e você tem o resgate de um passado autoritário como um passado que deveria ser glorificado ou ainda um resgate mais antigo de figuras coloniais.”

O atual debate vem na esteira das lutas por igualdade nos Estados Unidos, que tiveram como estopim a morte de George Floyd em uma operação policial. A primeira estátua que caiu foi em Bristol (Inglaterra), de Edward Colston, traficante de escravos e membro do Parlamento britânico que viveu no século 17.

Nos EUA, uma estátua de Cristóvão Colombo foi jogada num lago e outra foi decaptada.

O colunista da Folha diz ainda que, apesar de defender tais atitudes, há saídas institucionais para “descolonizar” a história e a memória no Brasil.

“As nossas políticas públicas de memória que consolidaram esses mitos são as políticas de esquecimento que se consolidaram ao longo da história do Brasil e foram atualizadas constantemente. Elas operam —e talvez este governo seja um caso didático— não necessariamente pela interdição; basta que eu minimize a relevância de determinados fatos históricos”, entende Beiguelman.

“Mesmo com toda a documentação do que aconteceu na ditadura, ainda se faz um pouco essa política de esquecimento, tentando falar ‘olha, não vou qualificar esse período, porque é controverso’, quando na verdade não é controverso, pessoas morreram documentadamente”, completa Amparo.

Ambos entendem que a história do país é criada em cima de um tripé de violências (escravidão, morticínio indígena e inquisição) que é, de certa forma, apagado da memória e da narrativa brasileira.

Amparo defende ainda a necessidade de se preservar a memória dos oprimidos no Brasil, justamente pelo receio de ataques institucionais e movimentos negacionistas que tentem relegar figuras como Zumbi dos Palmares ao esquecimento.

Beiguelman aponta, ainda, que eventuais soluções não serão estáticas ou definitivas. "O que nós não podemos perder de vista é que os monumentos precisam ser problematizados de alguma forma."

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