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Famílias improvisam enquanto não recebem merenda nem cesta básica no Rio

Após quase 4 meses sem aulas, gestões Witzel e Crivella ainda não entregaram alimentos a todos

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Rio de Janeiro

Branca Mendonça, 28, tem feito feijão um dia sim, um dia não, porque se fizer todo dia não vai dar para ela, o marido e os quatro filhos comerem até o final do mês. Foi o que ela conseguiu em uma cesta básica doada em uma ação social no Morro da Chacrinha, zona oeste do Rio.

Como ela foi demitida do trabalho de atendente em uma lanchonete no início da pandemia do coronavírus e o marido só tem arranjado alguns bicos, a merenda escolar tem feito falta na alimentação das crianças, que estão com as aulas suspensas na rede municipal desde meados de março.

Beneficiária do Bolsa Família, Branca teve prioridade ao receber cartões com créditos de R$ 100 da prefeitura em abril, mas só deixaram que ela levasse dois. Nesta semana também lhe deram apenas uma cesta básica, e não cinco como tinha direito, já que ela também é aluna do EJA.

Ela está entre os milhares de pais que reclamam de problemas na distribuição de alimentos aos estudantes das redes municipal e estadual do Rio de Janeiro desde que os colégios fecharam as portas, assim como vem ocorrendo com a entrega de materiais escolares.

Enquanto isso, muitos improvisam com cestas básicas doadas por projetos sociais, amigos ou até professores, e reduzem o que vai à mesa. “Agora só comemos frango”, diz Fernanda Frederico, 38, moradora da Cidade de Deus que teve que excluir a carne do cardápio dos dois filhos.

A demora para que a comida chegue na casa dessas famílias passa, na visão de pessoas ouvidas pela Folha, por ações judiciais, alterações na forma de ceder o benefício, confusões sobre os recursos públicos que poderiam ser usados, falta de planejamento e dificuldades na logística e comunicação.

“O estado está sendo ineficiente na distribuição de cestas básicas. Fizemos um questionário e só 30% dos alunos dizem ter recebido”, diz Jhonyson Magalhães, 23, diretor da Associação dos Estudantes Secundaristas do estado (Aerj).

O que aconteceu foi uma série de idas e vindas. Nos dois primeiros dias de fechamento, por exemplo, o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) decidiu manter as escolas municipais abertas apenas para o almoço, mas a medida foi logo barrada pela Justiça após um pedido do sindicato de professores.

Depois, tanto a sua gestão quanto a do governador Wilson Witzel (PSC) começaram a distribuir cartões ou cestas básicas apenas para alunos já cadastrados em programas sociais como o Bolsa Família. Para se ter uma ideia, na rede estadual isso abarcaria só 79 mil dos 700 mil alunos (11%).

A Defensoria Pública então entrou com uma ação na Justiça e, em 23 de maio, conseguiu uma decisão liminar obrigando ambos a estenderem o benefício a todos os alunos que quisessem. Um dos argumentos é que, em abril, uma lei federal permitiu que verbas do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) fossem usadas para isso durante a pandemia.

“Já havíamos encaminhado uma recomendação aos 92 municípios e ao estado pedindo providências para assegurar a universalidade na alimentação escolar, que está prevista na Constituição. O ato de aprender está conjugado com as condições de aprender”, diz Rodrigo Azambuja, coordenador de infância e juventude na Defensoria.

A decisão teria que ser cumprida até 4 de junho, mas não foi. Naquele dia o governo Witzel chegou a decretar que as escolas estaduais fossem abertas para servir as merendas, o que causou um rebuliço e foi novamente impedido pela Justiça, já que ia contra as regras de isolamento social.

Portanto foi só em junho, três meses após o início da pandemia e quando já se discutia a retomada das aulas presenciais, que estado e prefeitura delinearam medidas para ampliar a oferta às famílias que ainda não receberam qualquer alimento.

A Secretaria Municipal de Educação decidiu naquele momento que todos os estudantes receberiam uma cesta básica mensal. Até o fim de junho, foram entregues cerca de 260 mil benefícios, incluindo os cartões que eram dados inicialmente —a rede tem 641 mil alunos.

“Devido ao grande número de beneficiados e ao fato de a entrega ter de ser escalonada para não haver aglomeração, as cestas são distribuídas seguindo uma logística. As famílias devem aguardar as orientações da secretaria, que vai informar a data, o local e o horário para a retirada”, disse a pasta na ocasião para explicar a demora.

Nesta terça (7), porém, Crivella mudou de ideia de novo e resolveu que vai voltar a entregar cartões de alimentação com R$ 50 por aluno (metade do valor anterior, já que a oferta foi ampliada a todos). A alteração ocorreu, segundo a prefeitura, por uma decisão da Justiça que permitiu o uso de verbas federais para essa função.

Já o estado não informou quantas cestas básicas foram cedidas aos seus 700 mil alunos até agora. Isso porque a gestão da rede é descentralizada: a verba da merenda foi repassada para as escolas de acordo com o número de alunos, e cada uma está sendo responsável por comprar sua comida e montar seus kits.

Como não há dinheiro para todos, segundo o governo, os diretores foram orientados a fazer um levantamento de quantos gostariam de receber os alimentos. Por isso a robustez da cesta depende do número de alunos existentes e interessados em cada colégio.

“Temos escolas em que 100% quiseram receber, então deu R$ 19 para cada um, por exemplo. Mas temos escolas em que a maioria não quis, então quem quis recebeu cesta de R$ 150”, explica Sandra Pedroso, presidente do Conselho Estadual de Alimentação Escolar (Ceae-RJ), que defende a descentralização por causa da logística da distribuição.

Para Teresa Cristina Pimentel, presidente da associação dos diretores do estado (Aderj), no início a seleção de alunos que receberiam o kit angustiou os diretores. “Você escolher quem tem mais fome é muito difícil, mas depois fomos compartilhando a decisão e entrando nos eixos”, diz.

Ainda assim, um questionário virtual aplicado pelo Ceae-RJ a quase mil diretores no início de junho apontou que muitos relatam que há menos dinheiro e cestas do que necessitam, que não há critérios para a escolha das famílias e que falta planejamento para atender a todos.

Outro problema que leva à demora no benefício é a comunicação. Pais como Fernanda Frederico dizem não ter recebido nenhuma informação dos colégios ou secretarias. Até agora ela não foi contatada pela escola municipal da filha nem pela escola estadual do filho, por isso se juntou a um protesto de mães da zona oeste​ na última sexta (3).

A diretora Teresa Pimentel atribui isso ao fato de que muitas famílias trocam de telefone ou endereço e se esquecem de mudar o cadastro. A secretaria municipal também disse que há muitos comunicados falsos sobre o assunto, que confundem as famílias.

Em meio às reclamações ainda há suspeitas de corrupção. Neste mês, o Ministério Público prendeu um empresário e cumpriu 64 mandados de busca em uma investigação que aponta pagamento de propinas por empresários a diretores para direcionar compras de merendas e materiais na rede estadual, mesmo já durante a pandemia.

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