Na zona leste de São Paulo, espigão espalha sombra da discórdia

Com 170 metros de altura, edifício no Tatuapé seria barrado pelo atual Plano Diretor

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Edifício Figueira Altos do Tatuapé, de 170 metros, e sua sombra projetada sobre casas da vizinhança Eduardo Knapp/Folhapress

São Paulo

Impelidos por uma das principais regras do Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2014, arranha-céus sobem sem limites nas zonas próximas aos eixos de transporte coletivo —as ZEUs. Menos comentado, porém, é que o mesmo conjunto de regras colocou freios na verticalização nos miolos de bairro.

O PDE, cartilha que rege como deve acontecer o crescimento da cidade, estabeleceu que fora das ZEUs, nos miolos de bairro, o gabarito —a altura dos edifícios— deve ficar limitado a 28 metros, o equivalente a térreo mais oito andares.

Essa regra impede que surjam nessas áreas espigões que modifiquem as características locais, destoando do entorno ou sobrecarregando a infraestrutura.

Por isso chamou tanto a atenção, nas redes sociais, uma imagem de um edifício em finalização no Tatuapé, na zona leste de São Paulo, bairro que mais ganhou em área construída na cidade após o PDE —entre 2014 e 2018, houve acréscimo de 802.835 m², dentre os quais apenas 172.591 m² em ZEUs.

O Residencial Figueira Altos do Tatuapé tem 170 m de altura, térreo mais 49 andares. Ele só pôde ser construído graças ao “direito de protocolo” —como seu projeto foi aprovado em 2013, antes da sanção do PDE, valem para ele as regras de então, mesmo se ele só está ficando pronto agora.

Na foto que circulou, sua sombra engolfava as casinhas do entorno. Uns a viram como símbolo do progresso; outros, como marca da destruição de um tecido urbano.

Morador de uma casa da década de 1950 situada a duas quadras do prédio, o arquiteto Bruno Laginhas fez, a pedido da Folha, simulações do movimento da sombra ao longo do ano.

Muitos de seus vizinhos, ele conta, não se incomodam tanto de perder duas horas de sol no quintal, diz. “Existe aquela coisa de visualizar arquitetura americana, de arranha-céus, como desenvolvimento.”

Embora a altura faça do Figueira o ponteiro de um gigantesco relógio de sol, estendendo sua sombra por centenas de metros —serão 500 m nesta segunda (21), solstício de inverno—, o que ele de fato projeta é um antiexemplo do que defende o PDE de 2014.

“Eu não acho que deva continuar a ser tudo casa”, diz Laginhas. “Agora, ter esse adensamento construtivo sem adensamento populacional eu não acho benéfico para a cidade.”

A noção do que é adensamento ainda é pouco clara para a maioria das pessoas. Vários comentários celebravam o espigão. “Adensou foi pouco”, dizia um deles.

De fato, foi pouco, em termos populacionais. Com todo esse tamanho, são 47 unidades de 337 m² cada uma, com quatro suítes, cinco vagas de garagem e depósito; nos últimos dois andares, uma cobertura de 594 m², com direito a oito vagas. Lazer e elementos de automação completam o pacote de alto padrão.

Seria possível no mesmo terreno de cerca de 5.000 m² que ele ocupa erguer bem mais unidades em edifícios de oito andares.

Não muito longe dali, a mesma construtora, a Porte, está desenvolvendo o chamado Eixo Platina, que segue os preceitos do PDE, concentrando habitação, comércio e lazer, de maneira a estimular que os moradores não tenham de se deslocar da região.

“Criar uma centralidade que gera emprego no Tatuapé é muito positivo para a cidade”, diz o arquiteto e ex-vereador Nabil Bonduki (PT), que foi o relator do PDE na Câmara. Mas o Figueira, segue, “realmente gera um impacto no entorno absurdo, de paisagem, de sombra, de todos os tipos”.

Ele frisa outra sombra, metafórica, que se estende sobre o PDE prestes a ser revisado.

“Você ter apartamentos maiores com garagem no miolo dos bairros é coerente. O que não é coerente é que os empreendedores querem fazer prédios como esse [Figueira] no eixo, e aumentar o gabarito no miolo. Vai reduzir a densidade populacional, o número de pessoas morando.”

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