Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki
Descrição de chapéu Mobilidade

Adensamento é necessário, mas verticalização em São Paulo precisa ter limites

Desrespeito ao Plano Diretor ameaça proposta de uma cidade compacta

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O debate urbano em São Paulo está polarizado entre a gestão Ricardo Nunes (MDB), que pretende revisar o Plano Diretor Estratégico (PDE) em 2021, e a Frente São Paulo pela Vida que, reunindo 481 entidades, defende o adiamento desse debate, com o argumento de que a participação ficará prejudicada devido à pandemia.

Na coluna de 22 de março, defendi que o momento não é propício para se mexer no PDE de 2014, resultado de uma complexa pactuação entre diversos segmentos sociais e visões sobre a cidade, e que deveria ser priorizada sua implementação, que vem sendo negligenciada pela prefeitura.

Independentemente da polêmica sobre o período da revisão, o plano de fundo desse debate está centrado na reivindicação do setor imobiliário em flexibilizar as atuais regras de uso e ocupação do solo.

O mercado pretende, por um lado, uma maior verticalização no miolo dos bairros (onde hoje são permitidos prédios de, no máximo, oito pavimentos) e, por outro, a ampliação da área das unidades habitacionais e do número de garagens nos eixos de transporte coletivo, zona que o PDE estabeleceu para adensamento e verticalização, sem limite de gabarito mas com apartamentos de tamanho médio máximo de 80 m² e uma garagem por unidade.

Esse pleito empresarial foi contemplado pela prefeitura nas tentativas que a gestão Doria/Covas fez em 2017 e 2019 para alterar a legislação e que foram frustradas pela oposição da sociedade e por decisões judiciais. Mais cedo ou mais tarde, o tema voltará à tona e há sinais claros de que a atual gestão está comprometida com essa proposta.

Enquanto o mercado quer liberalizar a regulamentação e ampliar a verticalização na cidade, cresce um sentimento contrário a isso entre moradores, associações de bairros e coletivos situados nas áreas afetadas pelo atual boom imobiliário. Em 2020, o número de lançamentos em São Paulo bateu recorde histórico, mostrando que o PDE não obstrui a atuação do mercado.

Muitas entidades avaliam que a verticalização tem sido exagerada nos eixos de transporte coletivos, onde as diretrizes do PDE não têm sido respeitadas, em parte devido a uma disposição transitória criada no zoneamento de 2016 que, equivocadamente, flexibilizou por três anos (até 2019) as regras de ocupação do solo, permitindo apartamentos maiores e mais garagens.

Por outro lado, embora o PDE tenha determinado que as áreas de interesse cultural, paisagístico e ambiental fossem excluídas da verticalização, nem todas que mereciam essa proteção foram identificadas e demarcadas no zoneamento. Por isso, têm surgido movimentos contra a verticalização nessas áreas, gerando tensões com as incorporadoras.

Já em alguns miolos de bairros, grupos de moradores defendem um freio na verticalização que, mesmo limitada a oito pavimentos, vem gerando transformações indesejáveis.

O debate entre cidades compactas, mais verticais, e cidades dispersas, mais horizontais, é clássico no urbanismo. No entanto, esses conceitos têm sido debatidos de forma equivocada entre nós. Uma cidade mais compacta, menos dispersa e mais densa não significa necessariamente uma verticalização sem limite, em qualquer lugar.

Inúmeras cidades, como Paris e Barcelona, são densas e compactas sem serem verticais e, por outro lado, apesar do intenso processo de verticalização de São Paulo, a cidade ainda tem uma densidade relativamente baixa, em torno de 110 habitantes por hectare, lembrando que as favelas têm densidade superior aos bairros verticalizados de classe média alta.

Em termos teóricos, existe um certo consenso sobre as vantagens de cidades mais compactas e densas, em contraposição a cidades dispersas.

O economista urbano Edward Glaeser, professor de Harvard, defende em “O Triunfo das Cidades” que a cidade compacta é benéfica para o meio ambiente, a cultura e a educação, pois limita a expansão urbana, reduz a mobilidade motorizada e as emissões e permite maior mistura de ideias, valores e culturas, ampliando as fronteiras do conhecimento.

A cidade compacta e adensada é também um requisito indispensável para o conceito de “cidade de 15 minutos”, desenvolvida pelo urbanista colombiano Carlos Moreno, professor da Universidade Sorbonne. Ele propõe uma cidade em que o cidadão levaria apenas 15 minutos de bicicleta ou a pé para chegar ao seu trabalho, casa e equipamentos de lazer, ideia que está sendo implementada pela prefeita de Paris, Anne Hidalgo.

Um dos objetivos do Plano Diretor Estratégico é criar as condições para transformar São Paulo em uma cidade compacta e, sem ter a pretensão de viabilizar uma “cidade de 15 minutos”, busca reduzir as distâncias entre a moradia, o trabalho, o lazer e as áreas de comércio, serviço e equipamentos.

Ao limitar a expansão urbana, recriar a zona rural e propor um crescimento para dentro, criando instrumentos para garantir a função social da propriedade e forçar a ocupação de lotes e glebas vazias ou subutilizadas, o PDE busca criar uma cidade mais compacta e com maior adensamento populacional.

Mas, ao contrário do que os defensores da verticalização sem limites propagam, uma cidade compacta que mantém sua qualidade urbanística não permite edifícios sem limites em qualquer área da cidade, mas uma combinação de formas de ocupação do solo, com diversidade tipológica, que garanta um maior adensamento populacional.

Nem sempre verticalização gera adensamento. Os distritos que integram o vetor sudoeste de São Paulo, que se verticalizaram intensamente na década de 1990, perderam entre 2,5% e 4% de sua população ao ano nesse período.

Uma cidade compacta e densa, com qualidade de vida, requer um equilíbrio entre as diferentes volumetrias, que possam formar tecidos urbanos mais homogêneos. Algumas áreas com edifícios altos, sem limite de altura, e outras com edifícios de média altura, blocos de quatro pavimentos e bairros de casas e sobrados, além das áreas verdes e livres. Prédios altos isolados em meio a casas são indesejáveis, como o já famoso edifício Figueiras Altos do Tatuapé, na zona leste, aprovado com as regras anteriores ao PDE, que se tornou o mais alto da cidade.

O Plano Diretor de São Paulo busca esse equilíbrio. Os eixos de transporte coletivo são as áreas de adensamento, com verticalização e limite no tamanho dos apartamentos para garantir maior densidade populacional e contribuindo para gerar uma cidade compacta. Poucas garagens, para estimular o uso do transporte coletivo.

Não há razão para liberar edifícios sem limite no miolo dos bairros, o que geraria um impacto indesejável. Não é isso que vai garantir uma cidade mais compacta e densa, mas a ocupação planejada de terrenos e glebas vazias e subutilizadas.

Em uma cidade como São Paulo, a verticalização é necessária e bem-vinda, mas ela precisa ser regulamentada e limitada para não gerar efeitos indesejáveis.

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