Pós-pandemia de igrejas evangélicas tem TikTok cristão e batismo coletivo com drone

Evangelicalismo digital e ascensão de novas vozes devem se fortalecer no segmento

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São Paulo

“Olha que coisa linda”, diz o apóstolo Estevam Hernandes diante das dezenas de pessoas com túnica branca que, sob seu comando, acabam de emergir das águas.

Após o líder contar até três e ordenar que mergulhem o corpo inteiro e levantem “em nome de Deus”, todos saem dali batizados. “Vamos dar uma salva de palmas para Jesus?”

Imagem aérea mostra dezenas de pessoas de túnica branca na praia da represa Billings, onde a Igreja Renascer em Cristo realizou batismo coletivo
Batismo coletivo da Igreja Renascer em Cristo realizado na represa Billings, em São Bernardo do Campo - Leonardo de Paula / Divulgação - 18.set.2021

Não é só Jesus que está de parabéns naquele sábado de muito calor e louvor na represa Billings, num trecho que margeia São Bernardo do Campo (SP). As pessoas que participam do batismo coletivo promovido pela Renascer em Cristo, igreja liderada por Estevam e sua esposa, a bispa Sonia Hernandes, também celebram um formato que veio para ficar.

Essas cerimônias, antes do vírus que num primeiro momento obrigou templos do mundo inteiro a fechar as portas, eram realizadas em tanques batismais (pequenas piscinas) na Renascer. Quando a primeira onda pandêmica deu sinais de definhamento, ainda em 2020, veio a ideia de batizar os calouros da fé em água corrente e ao ar livre, uma opção sanitária mais prudente do que o velho modelo.

Os fiéis gostaram tanto que a modalidade será mantida no pós-pandemia. “É tão impactante essa comunhão... As pessoas desejam muito que continuemos com essa atividade”, diz Daniel Tenuta, bispo da igreja.

Atacado e varejo. Pode soar paradoxal a princípio, mas grandes acontecimentos que renovam o pacto comunitário da fé —como um batismo em massa, uma Marcha para Jesus— e um evangelicalismo digital que customiza a experiência religiosa são duas correntes que devem sair fortalecidas da maior crise global em gerações.

A ascensão de novas vozes, não necessariamente ligadas a uma megaigreja consolidada, é outra marca que a pandemia imprimirá sobre as denominações evangélicas, segundo pastores com quem a Folha conversou. É a onda dos influencers desaguando no segmento cristão.

“Não precisa correr, minha filha, depois você cai, e eu tenho que orar para você ressuscitar”, brinca o apóstolo Estevam, protegido do sol com um boné onde se lê “reborn” (renascido), quando uma mulher dispara para tirar uma selfie com o parente recém-batizado.

Sobre o registro íntimo paira um drone pilotado pela equipe da Renascer. O equipamento captura de cima fileiras de gente vestida de branco na margem da Billings.

A imagem mostra como o fenômeno das redes sociais não só se incorporou não só à vida dos fiéis mas também forçou igrejas a modernizar sua comunicação para engajar o público. Quando cultos tiveram de migrar compulsoriamente para plataformas digitais, identificou-se uma necessidade de ir além da transmissão mais careta que por décadas marcou o televangelismo brasileiro.

É verdade que as igrejas já estavam correndo atrás de formatos mais interativos e dinâmicos, mais atentas às novas tecnologias. Ontem, o fiel precisava se deslocar ao templo físico se quisesse ouvir a pregação, e mesmo as grandes igrejas que compravam horários na grade televisiva se contentavam com enquadramentos simples, até amadores.

Para Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, o período serviu de despertador para quem ainda estava sonolento diante da revolução tecnológica.

“Muito pastor não dava atenção pra rede social, pra transmitir culto, pra sistemas eletrônicos de ofertas e dízimos. Depois da pandemia, vão ficar mais espertos”, diz. “Entraram numa pandemia sem estar preparados e sentiram o sarrafo, sentiram que deram muito mole de não usar redes sociais como eu aqui uso.”

O que a pane sanitária fez foi agilizar uma tendência já em marcha de consumir conteúdos religiosos em vários canais, do influencer cristão no TikTok ao aconselhamento pastoral no WhatsApp. Pastores passaram a perceber também que, se antes os cultos recebiam presencialmente dez, cem, mil pessoas, a depender do porte da igreja, o número de fiéis conectados quase sempre era bem maior.

Em junho, o pastor João Purin Jr. calculou que, em dia de casa cheia, sua Igreja Batista do Méier, no Rio, comportava 600 pessoas. “E estávamos, por culto [online], tendo mais de 1.200 visualizações. Você multiplica isso por duas ou três pessoas, já que uma visualização em geral dá mais de uma pessoa. Então imagina o alcance que a gente estava tendo. Inclusive gente de fora do Brasil.”

“Isso não tem volta”, diz o bispo Tenuta. “Já era previsto, mas a pandemia intensificou esse uso do ambiente online. As pessoas se acostumaram mesmo.”

Acostumaram-se, inclusive, a variar o cardápio de pregadores. “Nas nossas próprias redes, vimos um crescimento muito agressivo”, afirma. Ele acredita que o formato virtual atrai “pessoas de outras denominações, mas que gostam da pregação do apóstolo e da bispa”.

O contrário acontece também, claro —quem frequenta a Renascer pode entrar em contato com outras linhas doutrinárias. Congregações sem tanto alcance, que não possuem meios de comunicação como rádio e TV, ganharam projeção. Mais ou menos como um self-service da fé.

Já era previsto, mas a pandemia intensificou esse uso do ambiente online. As pessoas se acostumaram mesmo

Daniel Tenuta

bispo da Igreja Renascer em Cristo

O hábito de passear por diferentes igrejas já foi criticado por grandes pastores. Em 2012, a Folha esteve num culto em que o bispo Edir Macedo condenou, com a metáfora de “misturar vinhos”, a pessoa que segue mais de uma denominação.

“Eu pergunto: quem fica curado assim?”, questionou o líder da Universal na época. “Andando feito piolho na cabeça dos outros. [...] Você se encaixou bem na igreja 'a', então fique nessa igreja. Não liguem a televisão tentando buscar outros canais que falem de Jesus. Todo mundo fala de Jesus, até o diabo fala de Jesus.”

Mas isso já faz quase uma década. As redes sociais mudaram formas de se relacionar em vários campos, e não seria diferente com a religião. O isolamento social, forte sobretudo em 2020, fortaleceu esse movimento de acessar mensagens variadas a partir de plataformas digitais, em vez de se fixar em apenas um discurso evangelizador, o que era mais comum quando a prática religiosa acontecia in loco.

Hoje, o maior influencer cristão do Brasil nem sequer está numa megaigreja. Só no Instagram, Deive Leonardo, de uma Assembleia de Deus catarinense, agrega 9,5 milhões de seguidores, o triplo de Silas Malafaia e oito vezes o que Edir Macedo tem.

A popularidade de Leonardo na rede responde a uma mescla de autoajuda evangelizadora e momentos família, como o chá revelação que contou com um monomotor para anunciar o sexo do terceiro filho. A fumaça liberada no voo seria azul ou rosa. Rosa foi, é menina.

Dono do canal De Cara Com Thiago, com material gospel, Thiago Medeiros tem seus 253 mil assinantes no YouTube. Ele entrevistou Elaine de Jesus, Mara Lima e várias outras cantoras cristãs do país e, no começo do mês, conversou com participantes do “Culto da Resistência”, reality que reuniu de Mara Maravilha a Mister M com patrocínio do estimulante sexual Levanta Varão.

Começou o empreendimento em março. “Estava sem nada pra fazer e precisava ocupar meu tempo”, conta o youtuber de 31 anos. A pandemia completou um ano quando lançou o primeiro vídeo. “Foi por isso que deu certo. Um canal de cultura gospel virou uma grande distração para quem tava em casa.”

O receio de contágio alterou protocolos em todos os cantos, e alguns ritos tiveram que se adaptar para sobreviver. O apóstolo Estevam lembra dos primeiros meses da Covid-19, de quarentena mais rígida e pouca informação sobre a doença.

“Precisávamos de uma alternativa, não poderíamos deixar de batizar as pessoas”, conta. “Fizemos um outro formato, que foi, assim, uma revolução aos olhos de muitos religiosos.”

O Fuxico Gospel, site com notícias e fofocas sobre a cena evangélica, resumiu a novidade assim, em manchete de agosto de 2020: “Você viu? O batismo no ‘balde’ da Renascer”. A publicação explica como os fiéis não eram submergidos por um pastor, e sim mergulhavam eles próprios a cabeça dentro do recipiente com água. Foi um bafafá dentro do segmento.

Muitas águas ainda vão rolar, mas pastores já antecipam que, passada a crise, alguns tapa-buracos cairão em desuso, como o batismo de balde. Outras soluções vão se integrar a práticas passadas: você vai poder se consultar com o pastor pessoalmente ou pelo WhatsApp, assistir à pregação ao vivo ou remotamente.

Há situações em que o online vai se sobrepor à forma tradicional. O programa de cursos da própria Renascer deve privilegiar o digital e abrir turmas presenciais só “se houver necessidade”, explica o bispo Tenuta.

A pandemia mostrou que esse modelo de negócios faz mais sentido, daí a predileção por workshops a distância de temas como “cura interior” (R$ 100 por dez aulas) e “coaching financeiro” (R$ 200 cada um dos dois módulos com sete aulas).

O zelo higiênico, segundo Tenuta, também deve permanecer mesmo quando a Covid-19 tiver virado um capítulo ruim na nossa geração.

Álcool em gel, por exemplo, daqui em diante será praxe. "E, na Santa Ceia, a gente cortava o pão e distribuía, colocava suquinho [de uva] no copinho plástico.” Agora, o kit que emula a última refeição de Cristo vem em embalagens individuais e descartáveis.

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