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Pai de menino desaparecido em Belford Roxo é preso após entrar em facção para se vingar

Anderson de Jesus, 25, foi detido enquanto participava de uma troca de tiros

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Rio de Janeiro

O pai de um dos três meninos desaparecidos desde dezembro do ano passado em Belford Roxo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, foi preso após se associar a uma facção criminosa rival para se vingar de supostos assassinos do filho.

De acordo com a Polícia Civil fluminense, Anderson de Jesus, 25, foi detido em flagrante por policiais militares e autuado por associação ao tráfico de drogas e porte ilegal de arma de uso restrito. Com ele, foi apreendido um fuzil AR-15 calibre 556 com 24 munições.

Ele contou aos investigadores que já havia sido preso anteriormente por fazer parte de uma organização criminosa e que recentemente se associou ao grupo rival por causa da notícia da morte de Lucas Matheus da Silva, com 9 anos na época do desaparecimento.

Fotos de três meninos negros
Lucas Matheus, Alexandre e Fernando, os três meninos desaparecidos em Belford Roxo (RJ) em dezembro de 2020 - Reprodução

Segundo a Polícia Militar, ele foi pego enquanto participava de uma troca de tiros junto com outras seis pessoas na comunidade da Palmeira. O Terceiro Comando Puro (TCP) tentava retomar o controle da favela do Comando Vermelho (CV).

"Tinha esperança de encontrar o Lucas vivo. Mas soube por reportagens que ele foi morto por traficantes do CV. Moro em Irajá. Soube dessa reunião do TCP e resolvi me juntar, na emoção. Mas não sou bandido", disse Jesus ao jornal O Dia na delegacia. "Meu coração estava sangrando. Quis me vingar. Quem faz isso com uma criança?"

Lucas Matheus, seu primo Alexandre da Silva, 11, e o amigo deles Fernando Henrique Soares, 12, saíram de casa em 27 de dezembro do ano passado para brincar em um campo de futebol próximo, no morro do Castelar, e nunca mais voltaram.

Ele foram filmados pela última vez às 13h39 daquele dia, andando normalmente em direção à feira de Areia Branca, bairro vizinho a aproximadamente 2,7 quilômetros.

Dez meses depois, o inquérito ainda não foi concluído. Em setembro, o secretário de Polícia Civil, Allan Turnowski, afirmou em entrevistas que o tráfico de drogas da favela foi o responsável pelo assassinato dos meninos e que o motivo foi o roubo de passarinhos que pertenciam a traficantes.

Após o crime, de acordo com ele, o líder local foi chamado ao Complexo da Penha, onde foi assassinado como queima de arquivo com autorização da cúpula do Comando Vermelho, de dentro de um presídio. A punição teria sido liberada sem que as lideranças soubessem que os autores do furto eram crianças.

Segundo a TV Globo, o criminoso que matou os meninos e foi assassinado depois é Willer da Silva, o Estala, gerente do tráfico no Castelar. Sua morte teria sido ordenada por Wilton Quintanilha, o Abelha, solto no fim de julho em um esquema envolvendo o então secretário de Administração Penitenciária, Raphael Montenegro.

Turnowski também declarou na ocasião que a polícia concluiu que os corpos foram jogados em um rio: "Temos esperança de encontrar, mas não é tarefa fácil", disse. No fim de julho, fragmentos de ossos foram encontrados num rio que corta a região, mas uma perícia apontou que a ossada era de origem animal.

No dia seguinte às declarações do secretário, a Defensoria Pública do estado, que acompanha as mães das vítimas, afirmou que considerava que o caso ainda seguia em aberto, porque as provas apresentadas até o momento não eram suficientes para corroborar essa versão oficial.

"A Defensoria Pública recebe com cautela as informações veiculadas ontem sobre o inquérito", disse em vídeo a defensora Gislaine Kepe. "Enquanto não houver consistência nos indícios colhidos pela polícia, enquanto não houver a identificação de culpados, sejam eles por assassinato ou por desaparecimento, a Defensoria e as famílias não entendem que esse caso chegou ao fim."

Em entrevista ao site Ponte Jornalismo em agosto, as mães dos meninos mostraram descrédito em relação à hipótese de que traficantes teriam sido responsáveis pelo crime. Segundo o veículo, elas suspeitavam da milícia que atua na região e afirmaram que seus filhos não roubariam um passarinho.

Questionado pela TV Globo sobre as provas obtidas pela polícia, o secretário respondeu na época que no "crime de mando você busca provas que nunca vão ser um contrato".

Segundo ele, a conclusão se baseou em provas indiciárias (ou seja, indícios que apontam para determinada direção), em testemunhas importantes que deram detalhes sobre o que ocorreu no dia do crime e na notícia da morte do principal envolvido. Ele disse que o inquérito seria finalizado e o delegado responsável apresentaria detalhes técnicos, o que não ocorreu até o momento.

As famílias criticam a lentidão na resolução do caso e dizem que a polícia demorou a agir. As mães ouviram de policiais no dia do desaparecimento que só poderiam registrar o sumiço 24 horas depois, sendo que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê buscas imediatas.

"Naquele dia em que fomos na delegacia, se tivessem puxado as câmeras, ido atrás das crianças, tenho certeza de que teríamos tido uma resposta", disse à Folha, em abril, Tatiana Ribeiro, mãe de Fernando. Uma força-tarefa para apurar os fatos foi criada em abril de 2021, quatro meses após o sumiço.

A região da Baixada Fluminense tem um problema crônico de desaparecimentos, com cerca de 15 registros diários, segundo Bruno Dauaire, secretário estadual de Direitos Humanos. A taxa foi de 32 casos a cada 100 mil habitantes na região em 2020, contra 28 no estado todo.

Para se ter uma ideia, o Rio de Janeiro registrou quase tantos sumiços (3.350) quanto homicídios dolosos (3.544) no ano passado, de acordo com dados do ISP (Instituto de Segurança Pública).

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