Chácara das Jaboticabeiras é tombada em SP, mas proposta preserva lote de construtora

Para grupo que pedia proteção dessa área da Vila Mariana, regras não são suficientes para a preservar o todo

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São Paulo

Após mais de dois anos de processo e sucessivos adiamentos, o Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo) decidiu nesta segunda (22) tombar a porção da Vila Mariana (zona sul de São Paulo) chamada de Chácara das Jaboticabeiras.

O tombamento, no entanto, não foi celebrado como uma vitória pelo grupo de moradores que o pleiteou. Isso porque, segundo o coletivo Chácara das Jaboticabeiras, embora haja um ganho para uma porção importante do local, as regras votadas pelo conselho não preservam o todo.

O grupo pretende se reunir e organizar dados para buscar reverter o que consideram como uma perda para o patrimônio.

vemos várias casas e árvores do lado esquerdo da foto e, em torno de uma praça redonda, alguns prédios
Vista aérea de parte da Chácara das Jaboticabeiras, porção da Vila Mariana que moradores querem preservar - Bruno Santos - 13.set.21/Folhapress

A minuta aprovada na 744ª reunião do conselho preserva uma parte do território integralmente, impedindo construções em altura e remembramento de lotes para novas edificações.

Porém permite que em outra porção, a das quadras 35 e 36, sejam erguidos prédios com até 50 metros de altura (equivalentes a 16 andares).

A proposta defendida pelo grupo previa a limitação de gabarito de 10 metros para todo o território. Argumentos técnicos apresentados pelas relatores do processo no Conpresp e pelo DPH (Departamento do Patrimônio Histórico) validavam a restrição de gabarito como essencial à preservação.

Apresentada pela conselheira Marcela Evans, representante no conselho da área de urbanismo da Smul (Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento), a minuta aprovada beneficia um terreno de posse da construtora Constrac.

A proposta foi uma das várias apresentadas ao longo do processo de tombamento para a área, que sofre grande pressão do segmento imobiliário.

Pelo atual PDE (Plano Diretor Estratégico), zonas próximas de estações de metrô e corredores de ônibus devem ser adensadas, permitindo que mais pessoas morem em regiões bem servidas pela infraestrutura de transporte.

O território em questão é um polígono delimitado pelas ruas Domingos de Morais, Joaquim Távora, Humberto 1° e a avenida Conselheiro Rodrigues Alves, na proximidade do largo Ana Rosa, terminal de metrô e ônibus.

As regras para proteção do local estavam em análise desde setembro de 2019, quando o Conpresp, compreendendo que havia especificidades a preservar, decidiu pela abertura do processo de tombamento.

Parte dos conselheiros afirmava que o tombamento seria incompatível com o adensamento proposto pelo PDE. O argumento, levantado em reunião do último dia 23 de agosto, contrariava pareceres técnicos do processo e foi criticado mesmo pelo relator do PDE, Nabil Bonduki.

De acordo com diferentes estudos volumétricos apresentados pelo coletivo, pelo DPH (Departamento do Patrimônio Histórico) e pelo Caex (Centro de Apoio à Execução) do Ministério Público de São Paulo —que abriu inquérito sobre o tombamento—, a proposta aprovada nesta segunda prejudica a insolação da rua Fabrício Vampré durante todos os períodos do dia, impactando a vegetação.

A Fabrício Vampré é, ainda, um dos principais traços históricos a serem preservados na Chácara.

A ladeira calçada em paralelepípedos traça um "U" dentro do território tombado. Ela existe desde o loteamento original, de 1925, que se chamava Villa Jaboticabeiras, e foi desenhada pelo engenheiro Francisco Prestes Maia, antes de ele se tornar o autor do Plano de Avenidas, que mudou as feições de São Paulo e, mais tarde, prefeito da cidade.

Segundo a arquiteta Maria Albertina Jorge Carvalho, autora do relatório que reivindicou o tombamento em nome do coletivo Chácara das Jaboticabeiras, o resultado alcançado na reunião desta segunda era esperado, diante do desenrolar do processo nas últimas reuniões. "Os conselheiros demonstraram que há pouca preocupação com o patrimônio."

Houve ao longo do processo diferentes minutas que tentaram conciliar, no dizer dos próprios conselheiros, o pleito dos que pediam a preservação e os interesses das construtoras que têm lotes no local.

Na reunião desta segunda, foi apresentado um relatório técnico do DPH que cotejava as diferentes propostas e tentava unificar o que havia de consensual entre elas, no tangente ao gabarito e ao remembramento de lotes dentro da Chácara.

Esse relatório foi submetido à votação dos conselheiros em oposição à proposta da Smul, defendida por Evans, que saiu vencedora por seis votos a três.

Votaram contra a minuta vencedora apenas as representantes do DPH e do Instituto de Arquitetos do Brasil, Lícia de Oliveira e Eneida de Almeida respectivamente, e o representante da área de licenciamentos da Smul, Guilherme Fatorelli Del'Arco.

"Mesmo com o apoio de todos os pareceres técnicos, mesmo com o apoio dos especialistas na área de patrimônio e da comunidade da Vila Mariana, parte dos conselheiros preferiu a proposta que, na prática, exclui a área que já pertence às construtoras do perímetro de tombamento", lamentou a moradora Jurema de Oliveira.

"Parece que o prejuízo alegado pelas construtoras sensibilizou mais os conselheiros do que a destruição do bulevar projetado por Prestes Maia", concluiu ela, que também é arquiteta.

Para Maria Albertina Jorge Carvalho, o desprezo pela argumentação técnica abre um precedente "bastante preocupante" para outras áreas da cidade.

Ela ressaltou ainda que, ao contrário do posicionamento expresso por representantes de construtoras na reunião desta segunda, o coletivo Chácara das Jaboticabeiras não é "um grupo contrário às construtoras".

"Existem locais adequados e onde há muita necessidade de construção na cidade. Isso não quer dizer que possa acontecer de forma indiscriminada. Quando há patrimônio, o patrimônio precisa ser preservado", disse a arquiteta.

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