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Distribuição de alimento orgânico ganha força nas periferias de São Paulo

Rede de pequenos agricultores tenta resolver a falta desse tipo de produto na região

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Léu Britto
São Paulo | Agência Mural

Conseguir alimentos orgânicos durante a pandemia de Covid-19 foi difícil para a nutricionista Renata Barretos de Moraes, 47, moradora do Parque Esmeralda, no Campo Limpo, zona sul de São Paulo.

"Eu tentei buscar alimentos orgânicos por delivery nesse período, mas nunca encontrava quem atendesse o bairro onde eu moro", conta.

Apesar desse cenário, algumas iniciativas criadas por moradores das periferias têm buscado driblar a situação e defender a importância de alimentos sem agrotóxicos nas bordas da cidade.

As hortaliças compõem a maior parte dos produtos disponíveis para o comércio dentro do Armazém
As hortaliças compõem a maior parte dos produtos disponíveis para o comércio dentro do Armazém - Léu Britto/Agência Mural

Uma delas é o Armazém Organicamente. Criado em 2017, quando fazia delivery desses produtos, o projeto agora conta com dez colaboradores e um espaço aberto em agosto para armazenagem, montagem da cesta e cozinha para a produção das marmitas de orgânicos.

A iniciativa tem usado o apelido de "Ceasa da Favela", em referência ao maior entreposto da América Latina, o atual Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo).

A intenção é ser um ponto de referência não somente para a população, mas também para hortifrútis locais que procuram abastecer seus comércios com a opção de orgânicos, sem precisar fazer grandes deslocamentos até a região central.

O Armazém Organicamente fica no Jardim Eledy, no Capão Redondo, zona sul, e as plantações são feitas em São Lourenço da Serra, cidade da região metropolitana da capital.

"Só vamos superar a crise ambiental, econômica e social quando recuperarmos o encantamento com a água, a floresta, os animais e todo esse meio ambiente que passa pela terra e nos fornece alimentos naturais", afirma o responsável pelo local, Rafael Mesquita, 39, da distribuidora Da Roça – Abaetetuba.

"As pessoas das periferias têm os conhecimentos socioambientais na sua formação de base. A maioria veio de cidades onde a agricultura familiar era a essência da alimentação", diz. "Mas, quando chegam na cidade grande há um comodismo empurrado pelo capitalismo em incentivar uma chave do consumismo daquilo que é pronto e ultraprocessado."

A fala do agricultor vai ao encontro dos dados que reforçam que a população, principalmente a mais empobrecida, sofre com o consumo de alimentos ultraprocessados, geralmente mais acessível.

A pesquisa "Tem veneno nesse pacote", realizada este ano pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), revela que além de legumes, frutas e verduras, outros alimentos populares têm altas taxas de pesticidas em sua produção —como, por exemplo, bolacha recheada.

"Alimentos sem agrotóxicos carregam quatro vezes mais nutrientes do que aqueles manuseados com produtos químicos do agronegócio. Como eles são plantados em solo mais saudável, chega até nossa mesa um alimento mais rico em nutrientes", defende a nutricionista Renata.

Ela soube do Armazém ao conhecer o restaurante da Tia Nice, dentro do conglomerado da Agência Solano Trindade, também no Campo Limpo, que tem um cardápio focado em pratos orgânicos. A parceria com o espaço é uma das formas que Rafael tem buscado para ampliar a difusão dos produtos.

Ele também firmou uma parceria com a ONG Casa do Zezinho, no Parque Maria Helena, Capão Redondo, que oferece diariamente cinco refeições para 1.200 crianças e adolescentes.

"Com o fechamento temporário das nossas portas, sabíamos que tínhamos deixado crianças obesas e desnutridas, sem acesso a uma alimentação digna e saudável", afirma a diretora-executiva da instituição Cris Oestreicher, 56.

Nas atividades do projeto, a educação alimentar também está presente, segundo o coordenador de operações Michael Godoy, 37.

"Percebemos que o olhar das nossas crianças mudou com a chegada desses alimentos orgânicos. Eles apontam que as folhas estão mais verdes e as frutas estão mais saborosas", afirma.

O Armazém não está sozinho nesse trabalho em dar maior acesso e oferecer uma rede de produtos diversificados, tudo orgânico.

Na zona norte de São Paulo, Wagner Ramalho, 41, é o fundador e coordenador do Prato Verde Sustentável, que atua em comunidades do Jardim Filhos da Terra, Jova Rural, Jardim Fontalis e Jaçanã, na zona norte, com a missão de conscientizar a população de baixa renda para o consumo de alimentos nutritivos e saudáveis.

Em parceria com a Associação Mutirão dos Pobres, o projeto atende 800 famílias que recebem uma cesta de alimentos orgânicos.

"Vemos grandes desertos alimentares nas periferias, e na tentativa de diminuirmos essa segregação alimentar estamos aqui espalhando hortas agroecológicas", explica.

"Com esse instrumento chamado horta, trabalhamos uma consultoria ambiental, ensinando biofertilizantes com cursos e oficinas locais aos moradores."

Já em São Miguel Paulista, na zona leste, a iniciativa parte das mulheres. No bairro União de Vila Nova, sete delas, com idade média de 60 anos, produzem hortas na região.

"Estamos fortalecidas e contentes dos reconhecimentos adquiridos nos últimos anos via a agricultura de subsistência que praticamos. E agora mais satisfeitas de fazer parcerias para oferecer alimentos orgânicos para escolas públicas", conta Aldinéia Pereira da Silva, 41, coordenadora do GAU (Grupo de Agricultoras Urbanas) .

A lei municipal 16.140, de 17 de março de 2015, obriga a rede municipal de ensino a incorporar em seu cardápio alimentos orgânicos vindos de produtores agroecológicos.

Além disso, a distribuição de orgânicos também foi uma saída para garantir alimentos a famílias que perderam renda com a pandemia.

Em Osasco, na Grande São Paulo, o coletivo Ecoz faz ações de venda e doações de cestas orgânicas e reverte isso para mães solo e famílias com alto grau de vulnerabilidade na cidade. O grupo trabalha com Panc (plantas alimentícias não convencionais).

A meta dos próximos meses é intensificar as hortas urbanas para aumentar a abrangência do projeto. Os bairros periféricos atendidos no momento são o Jardim Conceição e Rochdale, ambos dentro de Osasco.

"Junto com o produto começamos a distribuir uns zines que contam o processo de preparo e consumo", afirma a educadora Thaiza Cristina, 34, que integra esse coletivo da Ecoz.

"Ensinamos como plantar mandioca, que é um baita alimento rico em possibilidades de preparo. Então, estamos incentivando a liberdade de cultivo livre de cada pessoa que acessa nossas cestas."

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