São Paulo tem 175,5 mil moradias em áreas de risco

Ministério Público deu prazo de 90 dias para a prefeitura apresentar plano para reduzir perigo de desabamento

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São Paulo

Há seis anos sem um Plano Municipal de Gerenciamento de Riscos, a cidade de São Paulo tem, atualmente, 175,5 mil moradias localizadas em áreas de perigo iminente de deslizamentos e solapamentos de margens de córregos.

O plano deveria ser parte integrante do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil, previsto pelo Plano Diretor aprovado em 2014, mas não saiu do papel até hoje.

Roupas no varal em favela construída na encosta de morro
Favela Capadócia, na Vila Brasilândia, zona norte, onde há maior concentração de moradias em alto risco em São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

Desde agosto de 2019, ainda na gestão Bruno Covas (PSDB), o mapeamento dos riscos geológicos vinha sendo atualizado após mais de dez anos defasado. Na ocasião, a Promotoria de Habitação e Urbanismo deu 30 dias para a prefeitura elaborar o plano, o que não ocorreu.

No fim de outubro deste ano, a administração do prefeito Ricardo Nunes (MDB) foi intimada pela mesma Promotoria a apresentar o plano em até 90 dias. Dias antes da formalização do ofício, houve o desabamento de moradias construídas à beira de um córrego na favela de Paraisópolis; uma pessoa morreu e quatro ficaram feridas.

O promotor Marcos Vinicius Monteiro dos Santos cita no documento enviado à prefeitura ao menos 30 inquéritos civis em tramitação que pedem intervenção imediata da gestão municipal em áreas de risco para evitar novas tragédias. Nenhum processo tem previsão de conclusão.

Um deles, uma ação civil pública iniciada no ano passado, exige da gestão municipal medidas para sanar o risco a que estão expostos os moradores de favelas nas áreas de risco, e está pendente de recurso. "[A decisão] certamente levará tempo, tempo esse que não se pode esperar para a adoção das medidas necessárias, principalmente em período de chuvas, como o que se inicia", escreveu o promotor na recomendação.

Procurada, a prefeitura informou que criou um grupo de trabalho para estabelecer os parâmetros do Plano Municipal de Redução de Risco, mas não informou quando irá concluir o documento e se será entregue dentro do prazo imposto pela Promotoria.

Em 2019 e 2020, a Secretaria Municipal de Segurança Urbana, responsável por fazer o mapeamento das áreas de risco, apontou 133,7 mil moradias em situação de perigo por estarem à beira de córregos e em barrancos. O número é quase quatro vezes maior do que o registrado entre 2015 e 2018, quando foram mapeadas 36,7 mil casas em risco.

Os dados constam em mapeamento de risco hidrológico feito pela Defesa Civil do município e apresentado à Promotoria em abril deste ano. "A partir do relatório da Defesa Civil, a prefeitura já deveria ter tomado as medidas de emergência. Há lei que a obriga a fazer isso, o Ministério Público não deveria ficar tutelando nesse sentido", diz o promotor Monteiro dos Santos.

As áreas de risco são mapeadas a partir do uso de drones, o que é insuficiente segundo o promotor, e classificadas em quatro níveis: baixo, médio, alto e muito alto. A atual gestão afirmou que o mapeamento das áreas inclui vistorias com equipe de geólogos e trabalhos de campo.

De acordo com o mapeamento da Defesa Civil, a cidade tem 40 mil moradias em áreas de risco alto e 10,6 mil em muito alto, o que representa 28% de todas as casas localizadas em terrenos instáveis.

A área de risco "muito alto" mais populosa da cidade fica na favela Capadócia, localizada no bairro de Brasilândia, na zona norte da capital. Lá, segundo o levantamento da Defesa Civil, se concentram 730 moradias construídas na encosta de um morro.

O terreno passou a ser ocupado por moradores há cerca de seis anos, quando a fábrica que funcionava no local faliu e se acumularam dívidas tributárias.

Um dos fundadores da favela, Diego de Melo Barros, 34, conta que os lotes foram divididos entre quem chegava em busca de moradia, e hoje há cerca de 1.500 casas no terreno. "As pessoas só querem ter a tranquilidade de um local para se proteger da chuva e do vento", diz Barros sobre o fato de relevarem as condições de risco.

A auxiliar de limpeza Gisele de Sousa Baia, 39, conta que ficou desempregada e não conseguiu mais pagar o aluguel em um bairro próximo quando decidiu se mudar com a família para um barraco de madeira no terreno ocupado. "Fico com medo quando chove muito forte, mas não saio daqui por nada", diz.

Seu vizinho, o pedreiro Carlos Alberto dos Anjos, 34, está há três anos construindo uma casa de alvenaria no trecho do morro que ele mesmo nivelou e fez um muro de contenção com cimento e vigas. Vindo de Ananindeua (PA), ele conta que não queria mais morar ao lado do amigo de infância que o estimulou a vir para São Paulo em busca de uma vida melhor. "Queria algo só meu."

A dona de casa Cinthya Conceição Venâncio, 43, mudou-se para a favela da Capadócia após sofrer uma enchente na favela do Sapo, na Água Branca, zona oeste, onde morava. Em 2018, 88 das 168 moradias instaladas nas margens do córrego Água Branca foram destruídas pela enxurrada. Na ocasião, três pessoas morreram, entre elas, uma criança de 1 ano e 8 meses. "Estava muito perigoso e decidimos nos mudar", diz Cinthya, com o filho Kenedy no colo.

No pé do morro fica a casa da auxiliar de limpeza Margarete Barreto, 48, que teme ter o barraco destruído pela obra de um condomínio que está sendo construído de forma irregular a poucos metros dali. "Ganho salário mínimo de R$ 1.200. Como faço para pagar aluguel de R$ 800 e sustentar meus filhos?"

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