Descrição de chapéu
Mariana Agunzi

Solidariedade aflora no frio congelante, mas é preciso avançar

Voltei para casa com uma parte dos cobertores que iria doar no centro de São Paulo ainda intacta

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Dias de frio intenso castigam, e isso não é surpresa. Para quem trabalha com pessoas vulneráveis, o aviso de frente fria –ou melhor, de uma massa polar que pode levar o país a temperaturas negativas–, liga o alerta. É preciso agir.

Na noite em que cidade de São Paulo registrou 7,9°C e a sensação térmica foi de apenas 2ºC, muitos grupos que assistem a população de rua tentaram sanar, ainda que superficialmente, o frio. Tentaram enxugar o gelo que é a questão da população em situação de rua na cidade. Uma questão que envolve desigualdade social, planejamento urbano, saúde e administração pública.

Pessoa em situação de rua na Libero Badaró, região cenral de São Paulo, na madrugada desta quarta (18)
Pessoa em situação de rua na Libero Badaró, região cenral de São Paulo, na madrugada desta quarta (18) - Bruno Santos/Folhapress

Com o grupo de voluntários do qual faço parte há quatro anos, também saí de casa. Fui munida não somente das cem refeições e garrafas de água, mas também de um pequeno kit para atenuar a temperatura gelada de quem vive nas calçadas: cobertores e meias.

O mais interessante para quem olha de fora, e que de certa forma é uma boa notícia, é que voltei para casa com uma parte dos cobertores ainda intacta (e que será levada, novamente, na próxima semana).

Na noite mais fria do ano até agora, o paulistano encarou o vento congelante para fazer a roda do bem girar. Por muitas esquinas da região central da cidade, via-se voluntários e suas cobertas. Em frente ao Pateo do Collegio, ao menos três grupos doavam cobertores, roupas, marmitas.

No viaduto do Glicério, onde fazemos o trabalho social toda quarta-feira, tivemos companhia. Além de nós, o carro de outra associação estava estacionado entregando sopa quente e mantinhas. "Não preciso não, dona, já peguei!", me disse o rapaz em situação de rua, sorridente, carregando orgulhoso o pedaço de lã que o aqueceria.

De alguma forma, as pessoas estão mais solidárias, e ainda é possível ver os reflexos da pandemia. Mas fica agora o trabalho contínuo de fazer a engrenagem não enferrujar. Gatilhos como a Covid, o frio intenso e a fome que se alastrou com a crise impulsionam as pessoas a fazerem mais por quem não tem nada.

Mas o que fazemos no dia comum, quando a temperatura está agradável, não choveu a ponto de inundar e o jornal não noticiou gente revirando lixo para comer? O que fazemos quando saímos da estação de metrô e pulamos, uma a uma, as pessoas dormindo na calçada?

O sonho é que o gatilho para a mudança seja se doar por doar. Não porque o frio da noite poderá matar, mas simplesmente porque não podemos naturalizar um desvio de rota, um desvio de olhar.

Encarar todas pessoas em situação de rua como cidadãos, com suas histórias e individualidades, é o começo e o mínimo para fazer a engrenagem funcionar.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.