Descrição de chapéu machismo aborto

O feminismo está indo na contramão da biologia da mulher, diz autora americana

Kimberly Johnson, feminista e terapeuta sexual, defende que o corpo feminino não deve ser lugar de disputas políticas

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São Paulo

Após a decisão que suspendeu o direito nacional ao aborto nos Estados Unidos, a ativista e terapeuta somática sexual americana Kimberly Johnson se sentiu à deriva. Nascida em 1974, um ano após Roe vs Wade (o caso que liberou o procedimento no país), ela nunca pensou que as mulheres teriam esse direito ameaçado.

"Eu simplesmente me sinto extremamente cansada de que o território do corpo da mulher tenha se tornado o terreno onde essas questões políticas são jogadas", disse, em entrevista à Folha em São Paulo.

Johnson viajou ao Brasil para que a filha pudesse passar uma temporada com o pai, que é brasileiro. Também veio para celebrar seu casamento na Bahia

A autora se define como uma ativista pelos direitos das mulheres, mas acredita que o feminismo moderno está indo contra questões biológicas do corpo feminino. O conceito de equidade, para ela, está fazendo mulheres buscarem algo inatingível.

A ativista Kimberly Johnson em temporada em São Paulo - Karime Xavier/Folhapress

"A mulher fica completamente abalada porque a gente fica se alimentando da história de equidade", diz, ao afirmar que mulheres são conectadas com seus filhos e, por isso, a carga materna se torna naturalmente maior que a paterna.

Autora dos livros "Call of The Wild" (chamado da natureza) e "The Fourth Trimester" (o quarto trimestre), o último sobre o pós-parto, ela diz que defender os direitos reprodutivos é se colocar tanto a favor do aborto quanto da maternidade.

Roe vs Wade legislava em favor do aborto há quase cinco décadas. Qual o significado, tanto para os Estados Unidos como para outros países, de tirar este direito neste momento? É como achar que você tinha uma âncora. Eu nasci em 1974, e Roe vs Wade era de 1973. Minha mãe fez um aborto antes da lei, ilegalmente. Ela teve que viajar de um estado para outro quando tinha 19 anos para fazer. Eu sempre cresci ouvindo a história dela e sabendo que feminismo tinha ganhado esse direito, que nós éramos protegidas. Eu nunca achei que falaria a frase pós-Roe.

Muitas das suas obras são para as mães. Por que o aborto e a maternidade não são temas que se opõem ou são contraditórios? Para mim ambos são continuidade da vida reprodutiva de uma pessoa. Então em um momento da sua vida essa vai ser a escolha que você vai fazer e em outro momento, não. Eu luto pela justiça reprodutiva, então eu quero que todos os direitos sejam garantidos.

Eu acho que é uma escolha individual, ética e moral. É muito diferente do que ter o direito, e é isso que as pessoas confundem. A partir da minha ética, eu posso decidir que nunca faria, mas isso não quer dizer que eu vá impor isso para você.

Você fala do aborto como um processo. O aborto, como a cesárea, é um processo fisiológico incompleto, e o trauma vem quando a gente não consegue completar um ciclo. Mas isso não quer dizer que você imediatamente ficará traumatizada se passar por isso.

Temos que separar bem as coisas. Tem um lado em que sim, a pessoa deve ter o direito de fazer. Tem outro lado de como isso é no corpo da pessoa e no ser completo da pessoa. É como qualquer cirurgia. É importante estar bem amparada, saber as condições do lugar onde você está fazendo, se você está sendo apoiada ou tem que fazer em segredo.

É preciso ter uma rede de apoio, preparo fisiológico e psicológico, então? Eu não quero falar apenas de experiências negativas porque temos muitas mulheres que têm experiências positivas com o aborto e elas se sentem muito bem com a escolha. Mas atendo mulheres em que o corpo está reagindo de uma maneira que ela não entende. Mas isso também pode acontecer por outras razões.

Como o aborto também afeta a vida dos homens? O aborto facilita muito a vida da maioria dos homens. Mas acho que essa é uma questão muito maior do que aquilo que consideramos maternidade e paternidade.

O que eu fico lendo é sobre como o pai vai se sentir ao ter que dar pensão por 18 anos, mas a vida não é sobre um pai que é o banco e a mãe é a pessoa que cuida. A gente cai nessa divisão em que o valor do pai é só o que ele contribui financeiramente.

Facilita no sentido de que ele não precisa dar suporte para a criança? Facilita porque os homens são sempre o último recurso a ser acessado, são a última opção. Eles não precisam ser os responsáveis pelo que a mulher está fazendo.

Tanto aqui como nos Estados Unidos existe uma crítica sobre a falta de apoio no pós-parto, que as mulheres não têm suporte médico, às vezes nem rede de apoio. O que falta? Como uma estrangeira aqui, uma brasileira tem muito apoio no pós-parto, muito mais do que qualquer americana. Por quê? Porque vocês moram entre gerações, têm muita família por perto muitas vezes. Sempre tem alguém, uma tia, alguém que não trabalha que pode ajudar. Tem muita ajuda em casa como empregados, faxineiras.

Já as pessoas que fazem parte da classe que faz esse trabalho, geralmente moram em muitos e todos se ajudam. Então esse comentário de puerpério que chegou aqui me deixou muito espantada. Já nos Estados Unidos é muito óbvio.

Sim, o Brasil tem uma característica de ter uma rede de apoio forte, mas não sempre. Também é sobre localização. Em São Paulo o acesso é maior ao SUS, mas dependendo do local não há rede de apoio, acesso ao pré ou pós-natal. Mas essas pessoas não são as pessoas que estão escrevendo comentários sobre puerpério não apoiado. Essas pessoas realmente não estão recebendo cuidado. Sinceramente, eu vejo isso como uma crise de modernidade. A mulher fica completamente abalada porque a gente fica se alimentando da história de equidade.

Por exemplo, uma cliente sempre sabia quando o filho ia ficar doente. Ela se queixou muito sobre isso. Por que eu tenho esse vínculo a mais? Porque é biológico, a criança ficou no seu corpo nove meses. Mas ela não queria, a ideologia dela queria ir contra isso.

É como se o ativismo estivesse lutando contra coisas que são biológicas? Sim, e depois voltam atrás. Porque são tendências.

Tivemos um caso recente no Brasil em que uma menina grávida de 11 anos foi pressionada a não fazer o aborto pela juíza. De que forma você observa que as mulheres são pressionadas a desistir do aborto mesmo quando têm o direito? Não conheci casos assim. Sempre tem esses casos, mas são muito extremos.

Onde começa, então, a vida? Na vigésima semana já tem vida? Sabe o que eu acho que complicou essa questão? Porque é uma questão filosófica e a tecnologia tornou mais complicada. Antigamente a vida era quando você conseguia sentir o neném mexer dentro de você. Porque isso é através da mãe, você está sentindo o bebê. Agora a pessoa vai para o ultrassom toda hora. Agora com uma tecnologia você pode ouvir batimentos cardíacos com seis semanas.

Uma amiga diz que o nascimento é a vida. Eu particularmente acho muito difícil porque quando você consegue sentir o bebê mexendo, já tem uma vida ali. Mas para mim também não faz sentido lutar por um bebê que não nasceu.

Tivemos um outro caso em que uma atriz foi vítima de um estupro e deu a criança para a adoção após o nascimento. Ela também sofreu críticas. Em resposta, ativistas disseram que tais críticas mostravam que a questão não era a vida, mas o controle sobre o corpo e os direitos das mulheres. Isso faz sentido? A maioria das pessoas que querem abortar não são vítimas de estupro, são pessoas que realmente engravidaram sem querer. Nós olhamos esses casos extremos, e eu acho uma vergonha o jeito que ela foi exposta e as pessoas acharem que é normal dar palpite em algo tão horrível que aconteceu com ela.

Eu simplesmente me sinto extremamente cansada de que o território do corpo da mulher tenha se tornado o terreno onde essas questões políticas são jogadas. Tem muita coisa acontecendo no mundo muito importante, o mundo está quase acabando.

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