Brasil é país mais letal da década para defensores da terra e do ambiente, diz ONG

Em dez anos, um ativista foi morto a cada dois dias no planeta, 20% deles em território brasileiro, segundo levantamento da Global Witness

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São Paulo

O Brasil é o país mais letal da década para defensores da terra e do meio ambiente e concentra 20% dos assassinatos desses ativistas nos últimos dez anos.

Os dados são da organização britânica Global Witness, que há dez anos monitora mundialmente homicídios de ativistas pelo direito à terra e pela defesa ambiental. A entidade lança nesta quarta (28) um relatório que resume os crimes da década e reúne o número de vítimas em 2021.

O documento destaca a urgência em se proteger esses defensores, em especial num contexto de crise climática e de recorde de devastação da principal floresta do planeta, a Amazônia. No balanço da década, a América Latina concentra 68% das mortes.

Pessoas colocam caixão em covas abertas
Enterro de vítimas da chacina de Pau D'Arco, em Redenção (PA), em maio de 2017 - Avener Prado - 26.mai.2017/Folhapress

"A América Latina é das regiões mais desiguais no mundo, o que influencia na violência de maneira generalizada", avalia a ativista ambiental chilena Francisca Stuardo, consultora da Global Witness para a região.

"Os sistemas coloniais impuseram violências históricas contra esses grupos de defensores, que seguem sendo um alvo importante da violência", diz ela, para quem a impunidade que marca as instituições da região também contribui para o cenário, bem como a pressão de agentes privados sobre tomadores de decisão no Estado.

Desde 2012, quando a ONG começou o trabalho de monitoramento, um ativista foi assassinado em algum ponto do planeta a cada dois dias. Ao longo desses dez anos, foram compiladas 1.733 mortes violentas desses defensores globalmente —39% das vítimas eram indígenas.

O Brasil concentra 342 ataques letais a ativistas. Um a cada três era indígena ou afrodescendente. E 85% desses ataques letais ocorreram na região da Amazônia Legal, cuja população está imersa num ecossistema de mercados ilícitos, desde redes de narcotráfico até as de extração ilegal da madeira, minérios e animais selvagens.

Essas dinâmicas criminais ganharam força nos últimos anos, o que levou ao aumento de 55% nos assassinatos na região entre 2020 e 2021.

"A concentração de recursos naturais faz da região da Amazônia um ponto de concentração dessas violências e do número de mortes", afirma Ali Hines, ativista sênior da Global Witness, sobre as mortes ocorridas no Brasil.

O relatório destaca o caso da chacina de Pau D'Arco, no Pará, que completou cinco anos em 2022 com o indiciamento de dois policiais civis e 14 militares pela morte de dez trabalhadores sem-terra que ocupavam a fazenda Santa Lúcia. As investigações não apontaram mandantes dos assassinatos.

A chacina foi considerada o maior massacre de trabalhadores rurais sem-terra desde 1996, quando 19 ativistas sem-terra foram assassinados em Eldorado dos Carajás (PA), a pouco mais de 200 km de Pau D'Arco. A região é considerada uma das mais perigosas para defensores de direitos humanos no Brasil.

Em janeiro de 2021, o trabalhador rural sem-terra Fernando Araújo, sobrevivente e testemunha-chave da chacina de Pau D'Arco, foi morto em sua casa, na mesma fazenda Santa Lúcia.

Neste trágico ranking, o Brasil é seguido de perto pela Colômbia, com 322 assassinatos de ativistas na década, e também por Filipinas (270) e México (154). Esses quatro países se revezam nas quatro primeiras posições do ranking de territórios mais letais para esses defensores durante quase todo o período.

Em 2021, não foi diferente. O México surge em primeiro lugar com 54 assassinatos, seguido de Colômbia (33), Brasil (26) e Filipinas (19).

De acordo com o relatório, houve um aumento dessas mortes no Brasil em relação a 2021, o que "é representativo das muitas ameaças enfrentadas por defensores da terra e do ambiente, particularmente sob o governo do presidente Jair Bolsonaro".

"Desde que Bolsonaro chegou ao poder, ele tem encorajado a exploração madeireira e a mineração ilegal, desmantelando a proteção de terras indígenas, atacando grupos de conservação e cortando os orçamentos e recursos de agências de proteção florestal e indígena", descreve o relatório, que aponta o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, em junho de 2022, como "indicativo da agressão aos povos indígenas e àqueles que tentam protegê-los".

Segundo o documento, o elevado número de casos no Brasil é também parcialmente atribuível a uma maior sensibilização e controle por parte da sociedade civil brasileira sobre as questões ambiental e fundiária em comparação com outras partes do mundo.

O texto afirma que os conflitos sobre o direito à terra e à floresta são o principal motor de mortes de defensores no Brasil, numa intersecção entre direitos ambientais e aqueles ligados aos povos indígenas, que "desempenham um papel importante como guardiões da floresta, na contenção das emissões provenientes de seu desmatamento e degradação, o que ajudar a refrear a crise climática".

Segundo Ronilson Costa, da coordenação da CPT (Comissão Pastoral da Terra), organização ligada à CNBB (Comissão Nacional dos Bispos do Brasil) que monitora conflitos desde 1985 e é parceira da ONG britânica, "no Brasil distante, onde a presença do Estado é mínima, ocorre de tudo, entre ameaças, expulsões e assassinatos".

"É uma angústia e uma preocupação porque percebemos que o problema só tem aumentado. E o sucateamento e o desmonte promovidos pelo Estado de organizações de fiscalização fundiária e ambiental têm papel importante nesse cenário", diz. "É preciso colocar o Estado brasileiro na cadeira dos réus para ser responsabilizado por crimes que vão além da omissão."

De acordo com a CPT, o número de assassinatos no campo no primeiro semestre de 2022 indica nova alta nessas mortes. Foram 36 mortes no ano passado e, até setembro de 2022, 32.

"O investimento brasileiro no setor primário tem grandes implicações para o meio ambiente e as comunidades, favorecendo o desmatamento para o plantio de soja ou de capim, por exemplo, e a extração de minérios de maneira predatória", diz Costa.

A partir das mortes de ativistas de 2021 decorrentes de conflitos com uma causa definida e verificável, a Global Witness criou um ranking dos principais vetores da violência. Segundo ele, o principal causador é o setor de mineração, seguido pelo de hidrelétricas, agronegócio, madeireiras ilegais e construção de estradas e de infraestrutura.


Principais causadores dos conflitos que promoveram mortes de defensores ambientais em 2021*

1º Mineração e extração mineral

2º Hidrelétrica

3º Agronegócio

4º Madeireiras ilegais

5º Estradas e infraestrutura

*Na maioria dos casos (143), as indústrias ligadas aos conflitos não puderam ser confirmadas. A Global Witness fala em uma maioria de conflitos ligados à terra, genericamente.

Fonte: Global Witness

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do afirmado em versão anterior do texto, foram contabilizadas pela Comissão Pastoral da Terra 36 mortes no campo em 2021 e 32 em 2022 (até setembro), não o contrário. Assim, o número de assassinatos neste ano ainda não supera o do ano anterior.

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