Ministério da Justiça manda 33 empresas suspenderem venda de cigarro eletrônico

Pasta diz que o produto tem sido vendido com aparência de legalidade em lojas, apesar de ser proibido pela Anvisa desde 2009

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Brasília e São Paulo

O Ministério da Justiça determinou que 33 empresas suspendam a venda de cigarros eletrônicos. Pela decisão, os estabelecimentos listados devem parar de comercializar o produto em 48 horas sob pena de multa de R$ 5.000 por dia.

A medida da Secretaria Nacional do Consumidor, que é vinculada ao ministério, foi publicada no Diário Oficial desta quinta-feira (1º). O órgão afirma que a "comercialização, importação e propaganda" dos cigarros eletrônicos são proibidas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) desde 2009.

De acordo com a secretaria, a venda de cigarro eletrônico é "proibida pela legislação sanitária e não atende às certificações dos órgãos competentes de segurança para serem comercializadas". A ordem foi dada a empresas que vão desde tabacarias a grandes sites de compra e venda na internet.

Cigarro eletrônico tem venda proibida pelo Ministério da Justiça em 33 empresas no país - Eduardo Knapp 9.ago.17/Folhapress

Na decisão, a pasta cita a "venda de produtos em lojas regulares, com aparência de legalidade" e "riscos à vida e à saúde do consumidor". Menciona, ainda, o "aumento exponencial da comercialização e consumo dos produtos pelo público jovem".

Em julho deste ano, Anvisa manteve a proibição de comercialização do produto no Brasil. Na ocasião, relatório técnico aprovado pela agência indicou a necessidade de adoção de medidas adicionais para coibir o comércio irregular destes produtos, tais como o aumento das ações de fiscalização e a realização de campanhas educativas.

A diretoria colegiada da Anvisa ainda vai discutir a proposta normativa e definir se abrirá ou não consulta pública. O relatório está sendo elaborado pelo diretor-presidente, Antônio Barra Torres. A agência não deu estimativa de data.

Mesmo proibidos, esses dispositivos são facilmente encontrados no comércio popular ou podem ser comprados pela internet.

Para especialistas em tabagismo e mercado do tabaco ouvidos pela Folha, a medida do Ministério da Justiça, mesmo com a aplicação de multa, não será suficiente para coibir a comercialização desses dispositivos. Para eles, a medida é positiva, mas é preciso integrá-la a outras estratégias.

Para a psiquiatra Alessandra Diehl, presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas), a sensação de impunidade daqueles que comercializam "é a razão número um para a continuidade desses produtos no mercado".

Ela destaca o crescimento da venda dos aparelhos especialmente entre os jovens e teme que os produtos destruam estratégias de sucesso que transformaram o Brasil em um exemplo mundial de redução do tabagismo –a prevalência de consumo de cigarros entre adultos brasileiros caiu de 35% em 1989 para 10,4% em 2015, segundo a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde).

"É uma redução imensa e não foi à toa. Agora, com os DEFs [nome técnico dos cigarros eletrônicos], temos várias mentiras sendo propagadas, entre as quais que esses produtos não estão ligados a prejuízos. Muitos adolescentes começam a usar porque ouviram de um influencer que é menos danoso, mas os estudos mostram uma série de problemas, incluindo doenças cardiovasculares e câncer", alerta.

Segundo entidades médicas, além de não haver evidências científicas de que esses dispositivos ajudem no tratamento da dependência química da nicotina, eles provocam o mesmo processo inflamatório no aparelho respiratório e cardíaco dos cigarros convencionais, que levam a hipertensão, aterosclerose, infarto e morte.

Silvana Turci, pesquisadora do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde da Fiocruz e organizadora do livro "Luta contra o Tabaco no Brasil: 40 anos de história," aponta que uma das estratégias mais importantes no combate ao fumo, a proibição da publicidade, está em xeque no caso dos cigarros eletrônicos por causa da divulgação nas redes sociais.

"Só a ação do Ministério da Justiça não vai provocar a conscientização da população. Uma política de saúde pública só tem impacto quando a população entende por que ela existe, por que é importante. Precisamos de um trabalho conjunto do Ministério da Saúde, do Ministério da Educação e da mídia para que a população comece a entender os danos do cigarro eletrônico", afirma.

A pesquisadora lista ainda como medidas para coibir os dispositivos a atuação dos setores de inteligência das forças policiais, a valorização da Conicq (Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco e de seus Protocolos) e o papel das escolas, fundamental também para o médico cancerologista Drauzio Varella, colunista da Folha, que tem trabalhado para alertar a população dos danos à saúde causados pelos dispositivos.

"Na minha época, começávamos a fumar achando que era só fumaça e agora é exatamente a mesma coisa. Os jovens acham que é só fumaça com cheiro, quando na verdade estão consumindo até mais nicotina. Estão viciando as crianças, estamos voltando a ter uma geração viciada", lamenta.

Em nota, a Abifumo (Associação Brasileira da Indústria do Fumo) afirma que "ações dessa natureza são importantes, pois reforçam o combate ao contrabando e ao comércio ilegal, atividades criminosas que lesam a sociedade brasileira". A entidade critica a falta de regulamentação no país para a comercialização e diz que aguarda a revisão da proibição desses dispositivos pela Anvisa.

A Folha entrou em contato por email com todas as empresas citadas no Diário Oficial para buscar um posicionamento sobre a medida, mas apenas a Cristiano Ronaldo Estormovski respondeu.

A empresa afirma que já encerrou as atividades há alguns meses, "tanto que nosso site nem tinha opção de compra, só estava no ar". Os representantes disseram que os perfis da empresa no portal Google Meu Negócio e em outras redes já foram desativados.

Ações não normativas também são importantes, diz gerente da Anvisa

A gerente-geral de Registro e Fiscalização de Produtos Fumígenos Derivados ou Não do Tabaco da Anvisa, Stefania Schimaneski Piras, reconheceu nesta quinta que a proibição da agência não está sendo plenamente seguida, mas minimizou o alcance dos dispositivos no país.

"Em cidades grandes, nós encontramos esses dispositivos, mas, quando a gente avalia a prevalência no Brasil, ela ainda é muito menor do que nos países onde eles simplesmente entraram ou foram liberados. Ainda que exista a comercialização, o que nós podemos dizer é que a prevalência é baixa", disse à Folha.

Para ela, é também importante aplicar medidas não normativas para tentar coibir o uso. "Ou seja, informar a população. Difundir que o dispositivo é proibido porque tem malefícios associados, porque tem toxicidade, porque causa iniciação [ao tabaco]."

Schimaneski afirmou que os próximos passos da Anvisa sobre o tema "estarão baseados na deliberação que ocorreu em julho", pela proibição. Ela disse ainda que a agência tem usado ferramentas de inteligência para retirar anúncios e tentar coibir o comércio eletrônico.

Colaboraram Matheus Moreira e Maria Tereza Santos, de São Paulo

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