Jesuítas e multinacional travam disputa sobre quarteirão bilionário na região da Paulista

Administradores de Colégio São Luís acusam empresa de estelionato; imobiliária nega

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São Paulo

O quarteirão onde funcionava o Colégio São Luís, na região da avenida Paulista, está no centro de uma batalha com cifras de centenas de milhões de reais e acusação de tentativa de estelionato no TJ (Tribunal de Justiça).

A disputa é travada pela Aneas (Associação Nóbrega de Educação e Assistência Social), formada por jesuítas que comandam a instituição de ensino, e a multinacional imobiliária Tishman Speyer.

Associação é dona de quase todo o quadrilátero entre avenida Paulista e ruas Bela Cintra, Haddock Lobo e Luís Coelho - Eduardo Knapp/Folhapress

Os jesuítas, responsáveis pela escola frequentada pela elite da capital paulista, acusam a empresa de ter cometido estelionato com potencial de causar um prejuízo na casa dos R$ 188 milhões. O caso virou inquérito policial no Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais).

A empresa acusada nega e afirma que a Aneas tentou romper o contrato. A Justiça expediu liminar mantendo o acordo.

Dona de um quarteirão na avenida Paulista, entre as ruas Haddock Lobo e Bela Cintra, a Aneas ocupava a área desde 1918 e se mudou para a Vila Mariana em 2020. No terreno está situada a igreja São Luís Gonzaga e prédios comerciais, além do próprio colégio.

Entre os ex-alunos do São Luís estão nomes como o navegador Amyr Klink, a atriz Maria Fernanda Cândido e os políticos Eduardo Suplicy e Paulo Maluf.

Em abril de 2020, a associação celebrou contrato para que o grupo, de origem norte-americana e especializado em empreendimentos imobiliários, explorasse o quarteirão comercialmente, incluindo o colégio desocupado.

Além da antiga escola, a área tem imóveis comerciais, escritórios e uma igreja. Na época da mudança do colégio, o valor da área era estimado na casa de R$ 1,1 bilhão, segundo avaliação que constava de processo de cobrança de tributos por parte da prefeitura contra o colégio.

O tamanho total da área negociada é de 36 mil metros quadrados.

Em março de 2022, a Aneas afirma que a Tishman trouxe proposta de locação do prédio do colégio do Grupo Cedro, que pagaria R$ 128 o metro quadrado.

O contrato, informou a associação à Justiça, trazia uma "cláusula estranha" que diz que o Cedro estaria autorizado a ceder o contrato de locação a uma terceira parte, a Oncoclínicas.

O motivo da disputa na Justiça é a afirmação da Aneas de que a "Tishman havia celebrado um contrato de gaveta clandestino com o Grupo Cedro, o qual estipulava que o Grupo Cedro iria ceder a locação do imóvel para Oncoclínicas pelo valor de R$ 165 o metro quadrado", diz a petição assinada pelos advogados da associação.

A diferença, de R$ 37 por metro quadrado, seria dividida entre a Tishman e o grupo Cedro, afirmou a Aneas. Segundo os jesuítas, contabilizando a diferença durante os 282 meses de locação, a Aneas sofreria com um desvio de R$ 188 milhões.

Fachada do Colégio São Luís, que mudou da rua Haddock Lobo para a Vila Mariana
Fachada do Colégio São Luís, que mudou da rua Haddock Lobo para a Vila Mariana - Eduardo Knapp/Folhapress

Em nota, a assessoria de imprensa do Cedro diz que não tem relação com as partes, "de modo que a disputa entre a Aneas e Tishman não lhe diz respeito". O grupo afirma que cogitou investir no imóvel da Aneas, mas desistiu diante do "elevado custo para recuperação do edifício (mais de R$ 150 milhões)".

A Aneas afirmou à Justiça que a Tishman admitiu a existência do contrato, mas não o apresentou alegando confidencialidade. Logo, também acusa a empresa de tentar ocultar provas de que praticou um crime.

A reportagem apurou que representantes dos jesuítas enviaram mensagem à direção da empresa nos EUA, com objetivo de denunciar o suposto estelionato.

Além disso, a Aneas tentou romper o contrato para administrar o quarteirão após o episódio. No documento, de setembro deste ano, os jesuítas também pleitearam que a empresa pagasse a multa de R$ 29 milhões prevista no contrato de desenvolvimento.

Em resposta à Aneas, a Tishman disse que o pedido de rescisão é ilegal e que existiu, no máximo, um memorando de entendimento (espécie de um pré-contrato) que nunca produziu efeitos e as suas tratativas não foram desenvolvidas.

A Justiça, então, manteve a validade do documento firmado com a Tishman, e o caso deve acabar passando por arbitragem.

Enquanto isso, a divisão que investiga fraudes no Deic determinou no último dia 3 que fosse instaurado inquérito criminal para apurar o caso. Todas as partes deverão ser ouvidas.

Questionada pela Folha, a Tishman Speyer afirmou que as alegações dos jesuítas à Justiça "são inverídicas". "A Tishman Speyer adotou medidas legais contra a Aneas para reparação das perdas e danos causados inclusive por tais afirmações", diz a empresa, em nota.

A empresa afirma nunca ter firmado contrato com o Grupo Cedro ou recebido dele qualquer valor.

A imobiliária diz manter com a Aneas, desde 2020, um contrato para gestão, administração e reposicionamento/comercialização do Condomínio Edifício São Luiz, com prazo de 50 anos e que encontra-se em vigor.

"A Aneas tentou rescindir o contrato, sem qualquer êxito. A Tishman Speyer ingressou com as medidas legais cabíveis para proteger seus direitos nos termos do contrato (em curso sob segredo de justiça), tendo obtido decisão liminar, já confirmada pelo TJSP [Tribunal de Justiça de São Paulo], assegurando seus direitos e a validade do contrato."

Procurada pela Folha, a Oncoclínicas diz que não vai comentar o assunto.

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