Especialistas criticam escolha de Derrite para chefiar a Segurança em SP

Inexperiência e ideias bolsonaristas pesam contra o futuro secretário

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São Paulo

Alvo de uma crise durante a transição do governador eleito Tarcísio de Freitas (Republicanos), a nomeação do bolsonarista Capitão Derrite (PL), 38, deputado federal e policial militar da reserva, para comandar a Secretaria de Segurança Pública (SSP) deixou especialistas da área e até mesmo colegas de fardas contrariados.

Entre as razões de insatisfação estão a sua falta de experiência em um cargo de gestão e o fato de ter sido um oficial subalterno.

Guilherme Muraro Derrite ingressou na PM em 2007, foi tenente da Rota (Rondas Ostensiva Tobias de Aguiar) e alcançou o posto de capitão após passar para a reserva.

Em 2018, ele deixou a carreira como policial e foi eleito deputado federal pela primeira vez.

Capitão Derrite durante entrevista no Centro Integrado de Administração do Estado, no centro de São Paulo, em novembro deste ano; ele foi escolhido por Tarcísio de Freitas para comandar a Segurança em São Paulo - Mathilde Missioneiro - 30.nov.2022/Folhapress

Como o número um da segurança em São Paulo, ele estará à frente de coronéis, tenentes-coronéis e majores, além de todo o comando da Polícia Civil.

"Dentro da lógica da Segurança Pública, que é uma área muito hierarquizada, é no mínimo curioso que seja comandada por um jovem e que há quatro anos era tenente", afirma Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A SSP tem como um dos principais desafios promover a integração entre as duas instituições, a Civil e a Militar.

"Em São Paulo, é importante que o secretário não seja vinculado a nenhuma das forças", afirma Carolina Ricardo, diretora do Instituto Sou da Paz.

"Um dos enormes desafios é que, na última década, São Paulo reduziu quase 50% do efetivo da Civil. É uma instituição totalmente sucateada, enquanto a Polícia Militar tem concurso quase todo ano", diz Samira. "Como deputado federal, o Derrite fazia defesa apaixonada da agenda da Polícia Militar, como secretário deve tratar com isonomia as duas forças", completa a diretora do Fórum.

Na tentativa de aplacar as duas instituições e criar uma interlocução com a Polícia Civil, Tarcísio anunciou, nesta terça-feira (13), que o delegado Osvaldo Nico Gonçalves será secretário-executivo, ou seja, o número dois da SSP. O governador eleito extinguirá os dois cargos de secretários responsáveis pela Polícia Militar e pela Polícia Civil.

"Tenho certeza de que juntos a gente vai começar a dar o exemplo de integração entre as polícias tendo um policial militar reformado à frente da secretaria e 'zero dois' um delegado de classe especial da Polícia Civil", disse Derrite, na entrevista coletiva.

A Folha procurou a assessoria de imprensa do futuro secretário nesta segunda, mas ele não se pronunciou até a publicação deste texto.

O futuro secretário, assim como o governador eleito demonstrou em sua campanha, já indicou ser contrário ao uso de câmeras em uniformes, uma medida implantada na gestão de João Doria e que reduziu a letalidade policial.

"Falta sensibilidade de quem está nas ruas para realizar uma gestão do uso da força como o uso das câmeras, manter o sistema de metas que integra as polícias e reduz a criminalidade", disse Carolina.

Na Câmara dos Deputados, Derrite e o deputado Subtenente Gonzaga (PSD-MG) apresentaram em agosto deste ano um polêmico projeto de lei que permite às polícias Rodoviária Federal e a Militar conduzir investigações e pleitear medidas judiciais, como mandados de busca e apreensão.

Pelas regras atuais, a PM é responsável pelo policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública, enquanto as investigações são de competência das polícias judiciárias (Civil e Federal).

A divisão de tarefas é criticada por Derrite e Gonzaga na proposta: "Conhecimento produzido pelas polícias ostensivas, ainda que suficiente para a elucidação de crimes, com a definição de autoria e materialidade, é jogado no lixo, porque não pode ser acostado aos processos".

Para o advogado Dimitri Sales, presidente do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), esse projeto de lei aumenta a tensão entre o futuro secretário e o comando da Polícia Civil e permite ao efetivo da Militar interferir na cena do crime.

"O texto propõe uma regressão, é possível que o policial mate e também atue na investigação do ato que cometeu", afirma Sales.

"São Paulo não consolidou, ainda, uma cultura de direitos humanos, e ter um secretário que defende a necessidade do policial matar para ser valorizado é um recado autorizando a prática da letalidade", criticou o diretor do Condepe em alusão a uma declaração de Derrite.

Em um áudio, revelado pelo portal Ponte em 2015, Derrite teria dito que "o camarada trabalhar cinco anos na rua e não ter três ocorrências [morte de suspeito]" é "vergonhoso".

Também pesa contra o futuro secretário, segundo os especialistas, o seu alinhamento com a família do presidente Jair Bolsonaro (PL), padrinho político de Tarcísio. Foi o deputado e filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, quem convenceu Tarcísio a entregar o comando da segurança para Derrite.

Como mostrou a Folha, a indicação é também uma reação dos bolsonaristas diante de quem consideram um de seus adversário: o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes.

Moraes chefiou a SSP entre 2015 e 2016, na gestão de Geraldo Alckmin, e ainda detém influência na Civil.

"É uma sinalização ruim o fato de ser um candidato do bolsonarismo, pode sobrepor um critério técnico. Ao contrário do Parlamento, o trabalho na gestão da Segurança é discreto e feito com costura", afirma Carolina. "Será que o Derrite vai conseguir escapar do discurso populista de nós contra eles?"

Tarcísio, que entrou para a corrida ao Governo de São Paulo conhecido como ministro (Infraestrutura) de Bolsonaro, prometeu ao longo da campanha priorizar a capacidade técnica na escolha do seu secretariado.

No entanto, a escolha de Derrite atende parte do seu eleitorado mais entusiasmado com as forças policiais. Não à toa, Tarcísio evocou em alguns discursos durante a campanha uma frase bem conhecida entre os paulistas, "quero a Rota na rua".

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