'Era um ambiente hostil', diz psicólogo que atuou em escola que sofreu ataque

Ex-membro de ONG que desenvolveu projeto na Thomazia Montoro em 2018 conta que se deparou com muita agressividade

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São Paulo

A escola estadual Thomazia Montoro, onde um estudante de 13 anos matou uma professora a facadas e feriu outras cinco pessoas na segunda (27), era, já em 2018, um ambiente hostil, com muita agressividade e gritaria, de acordo com o psicólogo Thiago Nistal. Nessa época, ele atuou em um projeto com alunos, professores e funcionários da escola da Vila Sônia, na zona oeste de São Paulo, que tinha o objetivo de reduzir os conflitos.

"Trabalhamos com os estudantes que apresentavam dificuldades de aprendizagem e comportamento mais agressivo", narra à Folha o psicólogo, que agora deverá participar de um grupo apoio para os pais de alunos da escola pós-tragédia. "Havia violência na relação entre os estudantes e entre eles e os professores e funcionários, que não recebiam formação e ferramentas para lidar com a complexidade dos conflitos."

A Escola Estadual Thomazia Montoro, na zona oeste da cidade, onde aconteceu o ataque em que um aluno assassinou uma professora, feriu outras três docentes e dois colegas; na foto, mãe e filha, ambas ex-alunas da escola, prestam homanagem às vítimas - Bruno Santos/ Folhapress

Esse ambiente que Nistal diz ter encontrado na Thomazia Montoro infelizmente não era, segundo ele, uma exceção na educação pública. "O que vimos ali foi o retrato de um sistema de ensino doentio, sem estrutura, que não oferece ferramentas para que professores, gestores e demais funcionários atuem por uma convivência saudável", afirma ele, que segue, desde então, fazendo trabalhos voluntários em escolas públicas.

A Thomazia Montoro foi a primeira escola atendida pelo Instituto Mosaico de Desenvolvimento Integral, ONG da qual Nistal, 45, fazia parte. À época, ele estava finalizando o curso de psicologia, sua segunda graduação –a primeira foi comunicação, e ele já havia se especializado em musicoterapia, utilizando instrumentos musicais nas rodas de conversa com estudantes, educadores e funcionários das escolas.

O trabalho na Thomazia Montoro foi voluntário, autorizado, de acordo com Nistal, pela diretoria de ensino. Na escola, segundo ele, a ONG se deparou com episódios de bullying e racismo entre os alunos em 2018. Cinco anos depois, o ataque à escola seria precedido de uma briga em que o agressor chamou um colega de "macaco". Os meninos brigaram na sexta-feira (24), três dias antes do ataque, e foram separados pela professora Elisabeth Tenreiro, 71, a primeira a ser atacada pelo estudante, de forma fatal.

Nistal relata ter observado muita dificuldade na relação entre docentes e alunos à época. "Crianças e adolescentes diziam que chegavam a ser chamados de burros por professores, que, por sua vez, reclamavam da falta de respeito dos estudantes."

Nistal pondera que "a culpa, obviamente, não era de um ou de outro, mas de um sistema que não respeita nem os professores nem os estudantes".

Ele conta que se deparou com educadores genuinamente interessados em melhorar a convivência com os alunos, e uma dela foi Jane Gasperini Apergis, professora de português, que foi ferida pelo estudante de 13 anos no ataque na segunda-feira.

"Ela se mostrou muito dedicada e consciente da necessidade de se desenvolver uma relação saudável com os alunos", conta Nistal. "Muito emocionada, ela nos deu um depoimento falando da dificuldade que havia em criar vínculos com os estudantes e que gostaria muito de receber ferramentas para isso, porque sabia que só assim o aprendizado poderia acontecer", relembra o psicólogo.

SEM PSICÓLOGOS

Em meio a um ambiente de violência que se agravou com a pandemia, as escolas estaduais de São Paulo estão sem psicólogos, embora, desde 2019, uma lei federal obrigue o poder público a assegurar atendimento psicológico nas redes públicas de ensino.

Em 25 de fevereiro deste ano, o Governo de São Paulo encerrou o contrato com um serviço de terapia online voltado às escolas. De acordo com a nova gestão da secretaria de Educação, o programa havia sido criado na pandemia e era pouco efetivo, especialmente após a volta das aulas presenciais. Segundo a assessoria da secretaria, os atendimentos serão retomados, presencialmente, a partir de maio.

A secretaria da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou que "todas as escolas da rede estadual contam com a mediação de conflitos que pode ser realizada pelo professor orientador de convivência ou pelo coordenador de organização escolar". "O Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar, Conviva, foi criado com a proposta de que toda escola seja um ambiente de aprendizagem solidário, colaborativo, acolhedor e seguro, na busca da melhoria da aprendizagem", disse a pasta, por meio de nota.

O Conviva SP foi lançado após o massacre de Suzano, na escola estadual Raul Brasil, em 2019, em que dois ex-alunos mataram oito pessoas. Segundo a secretaria, existem hoje 500 coordenadores de organização escolar, que recebem do programa formação para mediação de conflitos, número que a nova gestão promete ampliar para 5.000.

Além disso, de acordo com a secretaria, em casos de urgência, as escolas têm recebido apoio de parcerias feitas com universidades públicas e particulares. O órgão disse que não poderia comentar, especificamente, o trabalho desenvolvido pelo Instituto Mosaico de Desenvolvimento Integral na Thomazia Montoro em 2018 porque esses projetos são definidos pelas diretorias de ensino, que têm autonomia para buscar parceiros para projetos voluntários como esse.

A violência no ambiente escolar explodiu após a pandemia e o prolongado fechamento das escolas no país. Levantamento de pesquisadores da Unicamp e da Unesp contabiliza, desde 2002, 22 ataques a escolas no Brasil planejados por alunos e ex-alunos, com um total de 36 mortes. Desse número, nove ocorreram a partir de agosto do ano passado, com sete mortos. Isso quer dizer que a média de pouco mais de um ataque a escolas, que antes era a cada dois anos, passou a ser mensal.

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