Para acabar com golpe da fruta, Mercadão de SP impõe faca de plástico e ameaça com despejo

OUTRO LADO: Comerciantes negam prática e se dizem 'tratados como bandidos'

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São Paulo

"Cuidado para não exagerar porque essa é 'Viagra' natural", diz o vendedor enquanto corta com faca de plástico a fatia de pitaia branca que entrega ao homem de chapéu panamá e barba grisalha no corredor central do Mercado Municipal de São Paulo.

Quase qualquer argumento é valido para o vendedor tentar convencer o turista a pagar até R$ 140 pelo quilo de pinhas, tâmaras e outras iguarias consideradas exóticas. Lâminas de metal, porém, foram proibidas para evitar eventuais intimidações a frequentadores.

Também não são mais permitidas abordagens de múltiplos vendedores a um único cliente, nem chegar perto demais. Um metro é a distância recomendada para fazer a venda.

Exigências impostas pela administração do Mercadão na tentativa de acabar com o ambiente considerado ameaçador por clientes que, vez ou outra, relatam nas redes sociais terem sido coagidos a comprar mais do que pretendiam ou a não reclamar quanto supostamente ludibriados com a troca de preços na hora de pagar a conta.

A situação que muitos já vivenciaram ao visitar pela primeira vez o nonagenário ponto turístico paulistano é o que se convencionou chamar de golpe da fruta.

Nele, frequentadores estariam sendo coagidos a experimentar fruta de graça e depois serem obrigados a comprar por preços abusivos. Supostas vítimas chegaram a dizer ter pagado R$ 800 por uma bandejinha.

Banca com frutas com Aldo Bonametti, presidente da Mercado SP, ao fundo
Aldo Bonametti, presidente da Mercado SP; concessionária endurece regras para acabar com golpe da fruta - Eduardo Knapp20.jan.2023/Folhapress

O grupo privado que administra o espaço diz ter colocado fim a essa prática ao implementar uma série de ações desde o ano passado.

"Esse golpe da fruta não pode existir. Tive que tomar medidas enérgicas, como interditar e multar barracas", diz Aldo Bonametti, diretor-presidente da Mercado SP SPE S.A.

Bonametti tem argumento mais convincente do que as multas: o direito da concessionária de não renovar os atuais contratos de aluguel. A privatização do Mercadão extinguiu a condição de permissionários dos proprietários de bancas, que passaram a ser locatários do espaço.

"Hoje eu posso multar e até entrar com o despejo, dependendo da gravidade, mas daqui a um ano, eu vou renovar o contrato com quem eu quiser. Não vou deixar aqui quem está manchando. Eu não posso deixar essa pecha."

É quase impossível confirmar se o golpe da fruta acabou de fato, mas cessaram as denúncias ao serviço de proteção ao consumidor paulista.

Desde fevereiro de 2022, quando reclamações na internet e reportagens na imprensa deram projeção nacional às reclamações de consumidores, o Procon-SP não recebeu novas denúncias contra comerciantes de frutas do Mercadão.

Mesmo nas fiscalizações realizadas em 17 estabelecimentos no ano passado para a averiguação das denúncias, e que resultaram em 11 multas, não houve flagrante de golpe da fruta.

"As principais irregularidades encontradas foram por problemas relativos à informação de preço e validade", informou o Procon.

A Folha esteve no Mercadão em duas ocasiões. Sem se identificar, o repórter foi abordado por vendedores que ofereceram degustação de frutas e, apesar da persistência, não ocorreram problemas quando a compra foi recusada. Situação semelhante foi observada com os demais consumidores.

Não era fácil, porém, entender os preços anotados com garranchos em folhas do tamanho de um caderno brochura pequeno e parcialmente encobertas pela mercadoria.

Encarregado de uma das principais barracas do setor, Flávio Cássio, 52, conta que a repercussão negativa e a administração "pegando no pé" conseguiram "dar uma acalmada" em vendedores adeptos do assédio. "Acho que tem que pegar no pé mesmo. Quem trabalha direito não tem medo", comentou.

Cássio também cobra atenção dos clientes. "Tem que andar um pouco mais, em vez de comprar na primeira banca. Tem fruta que custa R$ 130 em outra barraca, mas aqui a gente vende por R$ 60."

Parte dos negociantes afirma haver injustiça por parte de consumidores, da Mercado SP e da imprensa.

Um dos vendedores, que pediu para não ter seu nome revelado, contou que clientes tiraram proveito da má fama gerada pela repercussão na mídia para não pagar pela mercadoria.

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