Usuários de albergue relatam falta de vaso sanitário e ataques de percevejo em SP

OUTRO LADO: Secretário de Assistência Social da prefeitura reconhece falhas e diz que gestão tem trabalhado para desativar locais problemáticos

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São Paulo

Ausência de chuveiro, vasos sanitários entupidos, corrimão quebrado e infestação de percevejos. Essas são as condições encontradas diariamente por moradores de rua que buscam albergues pela cidade de São Paulo.

A reportagem ouviu relatos de homens e mulheres entre 1º e 10 de março. De cinco locais mencionados, o que se encontra em pior situação é o CTA (Centro Temporário de Acolhimento) localizado na rua João Soares, na Água Rasa, zona leste de São Paulo.

Buraco no chão onde deveria estar um vaso sanitário
Buraco no chão onde deveria estar um vaso sanitário. Com a ausência do objeto, usuários do abrigo defecam no chão, conforme fotos registradas pelos frequentadores - Leitor

Procurada, a Prefeitura de São Paulo disse ter feito vistorias nos centros após ser questionada pela reportagem. O secretário Carlos Bezerra Jr., da Smads (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social), reconheceu os problemas e disse que tem trabalhado para desativar locais problemáticos e substituí-los por novos modelos.

A Folha recebeu fotos do CTA Água Rasa que mostram um quadro de abandono, com os vasos sanitários entupidos até a boca. Em uma das baias, um buraco no chão é usado pelos abrigados para defecar.

Tais situações contrastam com fala recente do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que, ao comentar a remoção de barracas usadas como abrigo pelos sem-teto, declarou que a prefeitura oferece condições para as pessoas deixarem as ruas.

"A partir do momento em que ofereço condições da pessoa ir para um abrigo, ou hotel, ou receber o auxílio-aluguel, por que vai ficar na rua? Não podemos permitir que as pessoas montem barracas para fazer mendicância na rua", disse Nunes no início de fevereiro.

Ainda sobre o CTA Água Rasa, conforme seus acolhidos, uma parte dos banheiros não tem chuveiro, o que faz a água sair diretamente de pequenos canos, e há fiações expostas no teto e na parede. Os banheiros não possuem portas, o que compromete a privacidade de quem os usa.

Outro ponto de queixa são os ataques de percevejos. O inseto se alimenta de sangue e a cada picada deixa feridas e marcas por todo o corpo.

À Folha, um homem em situação de rua há mais de 15 anos, que pediu para não ser identificado, disse que a situação no CTA Água Rasa é precária. Para o albergado, a situação nos centros de acolhida tem se tornado pior a partir da terceirização dos serviços.

Percevejo anda pela parede do albergue
Percevejo anda pela parede do abrigo para moradores de rua na Água Rasa, zona leste de São Paulo - Leitor

Um outro usuário dos albergues contou que a situação só não é pior do que a vista nas cadeias porque, no abrigo, ele pode sair para a rua.

A Smads disse que no mês de dezembro se iniciou o processo de reordenamento do CTA Água Rasa, que será totalmente desativado, em cumprimento ao item 16 do Plano de Metas do Município.

Conforme a pasta, o objetivo é acolher até 200 pessoas por serviço socioassistencial, respeitando os perfis e, consequentemente, possibilitando a melhoria da qualidade no atendimento, que será mais individualizado e humanizado. O comunicado de entrega das chaves já foi feito ao proprietário do imóvel, diz trecho da nota.

Segundo a gestão Ricardo Nunes, dois centros já foram criados e um está para ser inaugurado para atender a demanda de moradores de rua que eram atendidos no CTA Água Rasa. A previsão é que ele passe a funcionar no fim do mês e o serviço terá capacidade para atender 200 pessoas.

"O CTA 11 [de Água Rasa] é extremamente simbólico daquilo que a gente não quer ver na cidade e que estamos desmontando", disse Bezerra Jr.

No entanto, não é somente o abrigo na zona leste que apresenta problemas. Usuárias do CAE (Centro de Acolhida Especial) Brigadeiro, na região central, apontam chuveiro queimado, banheiro entupido, camas enferrujadas, percevejos e furtos, já que os armários disponíveis não possuem cadeados ou chaves. As mulheres ainda reclamam que os elevadores não funcionam, prejudicando a locomoção em um edifício de sete andares. O local abriga mulheres com filhos e pessoas trans.

A prefeitura diz fazer manutenção periódica. "A limpeza de todos os banheiros é feita diariamente pelos funcionários do CAE." Sobre o elevador, a pasta de assistência social alegou que o serviço necessitou de reformas sob a responsabilidade do proprietário do imóvel. "A reforma foi concluída e o reparo será feito nesta semana."

A gestão Nunes diz ainda que a dedetização prevista para o dia 19 de abril foi antecipada para esta segunda (13) e que os colchões foram trocados.

Outra unidade que recebeu queixas foi o CTA Raio de Luz, na Mooca, zona leste. Assim como nos outros centros, os ataques de percevejo também foram listados. Os relatos ainda dão conta de banheiros entupidos, vazamentos de água da chuva pela parede e falta de travesseiro.

Em nota, a prefeitura disse que o local passou por dedetização em 2 de março. "A limpeza dos colchões utilizados pelos acolhidos é realizada semanalmente, sempre às sextas-feiras."

"Os reparos para eventuais vazamentos e entupimentos também são realizados regularmente. A área técnica já providenciou esses consertos", acrescentou.

Uma usuária do CTA Brás, na região central, informou que o local abriga homens e mulheres, sendo que homens sob efeito de bebida alcoólica tumultuam o ambiente. Ela também se queixou de poucos chuveiros com água quente, já que boa parte deles estaria queimada.

Segundo a nota da prefeitura, "em vistoria realizada neste fim de semana, não foram identificados vazamentos recentes no equipamento, tampouco entupimento nos banheiros. Além disso, ficou constatado que os chuveiros do serviço funcionam normalmente com opção de temperatura quente".

Sobre a queixa de usuários de um centro no Cambuci, na região central, da presença de percevejos, a gestão Ricardo Nunes justificou que a "dedetização de todos os espaços acontece de forma regular com intervalos de quatro meses, e que a próxima ação está prevista para quinta-feira (16).


SEM-TETO PREFEREM PERMANECER NAS RUAS

Em mais da metade das vezes em que moradores de rua foram abordados por assistentes sociais na cidade de São Paulo, eles preferiram continuar sem abrigo a serem encaminhados aos centros de acolhida municipal.

Essa foi uma realidade constante nos últimos quatro anos, mas, nos dois primeiros meses de 2023, ficou pior do que a média —menos abordagens conseguiram convencer pessoas a enfrentar as condições dos centros de acolhida.

Neste ano, também há mais vagas ociosas nos abrigos do que a média desde 2021. Em média, 15% dos 20 mil leitos nos centros de acolhida ficaram vazios entre janeiro e fevereiro —quatro pontos percentuais a mais do que nos dois anos anteriores.

O ano de 2021 foi marcado pela troca de gestão na prefeitura paulistana. Nunes assumiu a gestão em maio daquele ano, quando Bruno Covas (PSDB) estava hospitalizado —ele morreu naquele mês.

Agora, o aumento de vagas ociosas nos abrigos ocorre enquanto Nunes e o subprefeito da Sé, coronel Álvaro Batista Camilo, defendem a remoção de barracas de moradores de rua.

Na Sé, a efetividade das abordagens nos dois primeiros meses de 2023 foi pior do que média dos quatro anos anteriores. Quatro em cada dez pessoas abordadas aceitaram ir para abrigos —entre 2019 e 2021, a média sempre esteve acima dos 50%.

A Smads enviou à Folha a quantidade de abordagens e encaminhamentos em cinco regiões da capital: Sé, Santo Amaro, Lapa, Mooca e Santana-Tucuruvi.

A área com o pior índice é Santo Amaro, na zona sul, onde só 25% das abordagens conseguiram encaminhar pessoas a abrigos.

Relação entre abordagens e acolhimento não é simplista, diz secretário

O secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Carlos Bezerra Jr., disse que as abordagens não ocorrem apenas para encaminhar moradores a abrigos e que os assistentes sociais podem oferecer vários serviços nessas ações, como ajuda para obter documentação.

Ele também lembrou que a mesma pessoa pode ser abordada mais de uma vez pelas equipes.

Bezerra Jr. contestou a afirmação de que a queda de encaminhamentos, proporcionalmente, significa perda de eficiência das abordagens. O secretário diz que o número de pessoas abordadas aumentou 19,8% na comparação de janeiro e fevereiro de 2021 com os dois primeiros meses de 2023. Ele não explicou por que a proporção e o número absoluto de encaminhamentos diminuíram no período.

"Não há uma relação simplista entre o número de abordagens e acolhimento, as abordagens servem para diversos serviços", disse o secretário.

Bezerra também diz que a prefeitura investe em vagas de acolhimento com mais qualidade, e que a intenção é receber moradores de rua em vagas fixas, como hotéis sociais e projetos como a Vila Reencontro, que oferece residência por um ou dois anos para famílias em situação de rua.

Hoje, há 3.672 vagas em hotéis, além de 320 vagas em duas unidades da Vila Reencontro. Isso representa cerca de 20% de todas as vagas no sistema de acolhimento municipal.

"Não vejo ninguém reconhecendo os avanços, que são significativos. O nosso modelo de Vila Reencontro dá um patamar de dignidade que nunca houve para a população de rua em São Paulo", disse o secretário.

Sobre a ociosidade, que no início deste ano está mais alta do que a média histórica, ele lembrou que não é possível comparar dados de um ano inteiro com informações parciais. A secretaria não forneceu dados da ocupação dos centros de acolhimento para os meses de janeiro e fevereiro de anos anteriores.

A Smads ressaltou que, no ano passado, criou 2.023 vagas fixas. "Em 2022, 10.744 pessoas que estavam em algum dos Centros de Acolhida da rede socioassistencial da Prefeitura de São Paulo conquistaram autonomia financeira, uma média de 895 pessoas por mês", disse a secretaria.

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