Descrição de chapéu Obituário Atanásio Teixeira (1922 - 2023)

Mortes: Xamã, foi referência para os guarani kaiowá

Atanásio Teixeira, ou Ava Ñomoandyja, viveu até os 100 anos como líder espiritual de seu povo

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Spensy Pimentel Tatiane Klein
São Paulo

Atanásio Teixeira, ou Ava Ñomoandyja, seu nome na língua guarani kaiowá, foi um dos mais prestigiosos xamãs do seu povo em Mato Grosso do Sul.

Nascido em 1922 na aldeia Guaviraty, nas proximidades de Aral Moreira, contava ter vivido na infância a boa vida que os indígenas mantinham antes da chegada massiva dos colonos à região. Em 2021, publicou seu livro "Cantos dos Animais Primordiais: Guyra Guahu ha Mymba Ka'aguy Ayvu" (Editora Hedra), que reúne cantos xamânicos de seu repertório e alguns relatos sobre sua vida.

O indígena Atanásio Teixeira com cocar e um chocalho na mão
Atanásio Teixeira (1922 - 2023) - Tatiane Klein

Ao longo de seus 100 anos, trilhou os caminhos do xamanismo, submetendo-se a um longo e árduo processo de formação que, por fim, lhe permitiu ouvir e ver os seres invisíveis às pessoas comuns. Em longas sessões de cantos e rezas, xamãs como Atanásio adquirem a capacidade de caminhar pelos patamares celestes, acessando diretamente a sabedoria das divindades.

No final dos anos 1970, quando os ventos da redemocratização começaram a soprar na região, os guaranis kaiowás iniciaram o movimento das Aty Guasu —assembleias organizadas com apoio de indigenistas, em reação à expulsão de famílias indígenas, forçosamente transferidas para as diminutas reservas.

Atanásio foi um dos precursores deste movimento, conduzindo, junto a outros xamãs, os chamados jeroky guasu, grandes danças de feitas para fortalecer as demandas indígenas por terra.

"Ele ensinou muito a discutir a recuperação das áreas tradicionais. O Aty Guasu foi uma grande marca do Atanásio", diz Izaque João, antropólogo e historiador kaiowá, que foi o organizador do livro. "[Ele] deixou muitos ensinamentos, seus cantos espalhados em cada pedaço de terra. Ele andou muito e deixou uma lembrança, uma saudade, e assim nós vamos seguir."

Nos últimos anos de vida, continuava se dedicando ao Aty Guasu. Em 2009, numa das tentativas de retomada do território conhecido como Mbarakay, seu grupo foi vítima de um despejo extrajudicial, e ele e vários outros idosos foram espancados e alvejados por balas de borracha.

"É uma grande perda, porque para nós sempre ele foi tronco, um suporte principal para defender todos os conhecimentos, saberes e forças espirituais, todos os valores que o nosso povo kaiowá e guarani tem", lamenta Tonico Benites, antropólogo kaiowá e atual coordenador regional da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) em Ponta Porã.

Desde a expulsão do Mbarakay, Atanásio vinha morando na Terra Indígena Aldeia Limão Verde, em Amambai. Nos últimos dias, segundo familiares, estava desgostoso após o assassinato de uma de suas filhas, Vanda Teixeira, 43, no início de abril.

Morreu na madrugada de 18 de abril, após ser hospitalizado em razão de um mal súbito. Deixa quatro ex-esposas e ao menos 13 filhos e 27 netos, espalhados por diversas comunidades, além de centenas de ex-discípulos, hoje xamãs atuantes em toda a região sul de Mato Grosso do Sul.


coluna.obituario@grupofolha.com.br

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