Descrição de chapéu Rio de Janeiro

Polícia foi responsável por um terço das mortes violentas desde 2020 no Rio

OUTRO LADO: PM diz que número decorre de resistência dos criminosos; Polícia Civil rechaça termo chacina

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Rio de Janeiro

As forças policiais foram responsáveis por 35,4% das mortes violentas na região metropolitana do Rio de Janeiro nos últimos três anos —ou seja, mais de um terço dos casos. Em 2013, ano menos letal da série analisada de 2007 a 2022, o percentual foi 9,5%.

O levantamento foi realizado pelo Geni (Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos) da UFF (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e divulgado nesta sexta (5).

Manifestante levanta cartaz que diz: "Jacarezinho pede paz"
Moradores protestam em junho de 2022, após operação policial que deixou 27 suspeitos de ligação com o tráfico e um policial mortos - Andre Borges - 5.jun.2022/AFP

O conceito de letalidade violenta é um dos indicadores estratégicos da Segurança Pública do Rio de Janeiro no qual se contabilizam homicídios dolosos (com intenção de matar), latrocínios (roubo seguido de morte), lesão corporal seguida de morte e mortes por intervenção de agente de estado.

O novo estudo também cria uma subcategoria para o termo chacina, que os pesquisadores costumam classificar como a morte de mais de três pessoas em um curto espaço de tempo, perpetradas por um mesmo agente ou grupo.

Agora, há também a megachacina, definida como a ocorrência de ao menos oito mortes violentas em um mesmo local. O pesquisador Daniel Hirata, um dos estudiosos que assinam o levantamento, equiparou as mortes em operações policiais às chacinas ocorridas em 1993, no Rio de Janeiro, como a de Vigário Geral e Candelária.

"Se antes a maioria das chacinas era praticada por grupos de extermínio, em sua maioria formado por policiais da ativa ou reserva, fora de serviço, que usavam capuz, hoje eles atuam sem o capuz. As chacinas são praticadas principalmente por policiais em serviço, durante ações avalizadas por seus superiores hierárquicos e amparadas pela impunidade concedida pelo Sistema de Justiça Criminal", afirma.

A afirmação foi rebatida pelo delegado Felipe Curi, diretor das especializadas —unidades que participaram da ação do Jacarezinho, em 2021. A operação é considerada a mais letal do Rio, com 27 mortes.

"Os responsáveis por esse relatório estão rotulando as operações policiais de chacina e megachacina sem qualquer critério técnico, científico, jurídico e metodológico. Em outras palavras eles estão chamando os policiais do Rio de Janeiro de assassinos e de mega assassinos, o que é um verdadeiro absurdo", disse Curi.

"Se tem alguma megachacina aqui é contra a honra dos policiais que dão o sangue e a vida todos os dias pela população do Rio de Janeiro. Chacina é a morte aleatória, indeterminada e ilegal de pessoas ao mesmo tempo. Isso não tem relação com uma operação policial que é uma ação legítima do estado, planejada para cumprir ordens judiciais contra integrantes de organizações criminosas que geralmente reagem com extrema violência a tiros de fuzil, granadas e táticas de guerrilha às ações policiais", acrescentou.

Das 27 mortes no Jacarezinho, apenas a de Omar Pereira da Silva teve implicações, com dois policiais que se tornaram réus. Outros 24 casos foram arquivados, e a Justiça rejeitou a denúncia de suposta execução em outras duas mortes.

"Eles [pesquisadores] citam nesse relatório muitas operações em que ficou provado que os policiais agiram em legítima defesa. E a lei brasileira diz que não há crime quando qualquer pessoa age em legítima defesa. Os outros casos que estão em apuração é leviano no mínimo fazer qualquer tipo de prejulgamento e acusações", afirmou Curi.

Analisando a letalidade, os pesquisadores apontaram que o primeiro ponto de desvio foi a implementação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) em 2008 e do sistema de metas, em 2009, que coincidem com a redução da participação estatal em mortes. O sistema de metas premiava agentes de unidades policiais com baixo índice de confrontos— esse marcador estratégico foi descontinuado.

O segundo ponto de inflexão é o início da desmontagem dessas duas políticas, aliada à grave crise que levou o estado do Rio à falência fiscal, em 2015. "Observa-se no período posterior a esses marcos um crescimento constante da participação da letalidade policial na letalidade violenta e no número de chacinas policiais, inclusive muito superior à diminuição registrada anteriormente", diz o relatório.

O terceiro ponto de inflexão veio somente com a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de restringir as operações policiais em 2020, que se conseguiu frear a letalidade.

Segundo o estudo, no período de 2007 a 2022, foram realizadas 19.198 operações policiais no Rio de Janeiro. Deste total, 629 resultaram em chacinas, totalizando 2.554 mortos.

No mesmo período, as mortes em chacinas representaram 17% do conjunto das mortes por intervenção de agentes do estado, o que nos indicaria também uma participação muito grande desse tipo de ocorrência na letalidade policial como um todo.

Trecho do relatório destaca a "anuência por parte do governo do estado, que incentiva a rotinização e institucionalização da violência de Estado sob a forma do fenômeno que designamos como megachacinas policiais".

Sobre a letalidade, Curi disse que "sempre que a polícia faz uma operação policial o objetivo é cumprir o mandado de prisão ou cumprir a ordem de busca e apreensão, prender o criminoso e retornar com todos ilesos para as suas bases e para as suas famílias. A reação da polícia depende da ação do criminoso".

Procurada, a Polícia Militar afirmou que "sobre os índices de letalidade violenta em todo o Estado do Rio de Janeiro, o comando da Corporação destaca que esses números representam o elevado grau de resistência por parte dos criminosos armados que atuam nas localidades espalhadas por todo o território fluminense".

O governador Cláudio Castro (PL) não se manifestou.

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