Descrição de chapéu Folha Mulher Mátria Brasil

Benta Pereira de Sousa liderou rebelião de 1748 em Campos de Goytacazes

Ela pretendia comandar a capitania da Paraíba do Sul

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Cláudia Atallah

Professora do programa de pós-graduação em história da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj)

Rio de Janeiro

Em 1666, a capitania da Paraíba do Sul foi doada ao primeiro Visconde de Asseca, Salvador Correia de Sá e Benevides, por sua fidelidade e engajamento na manutenção da integridade do Império português.

A região corresponde hoje ao município de Campos dos Goytacazes, no norte do estado do Rio de Janeiro. Na época, pertencia à comarca do Espírito Santo e era considerada inóspita, de difícil acesso e povoada por "índios bravios", expressão que as autoridades portuguesas usavam para justificar conflitos pelas terras indígenas, como o que aconteceu com o povo Goytacaz, originário da Mata Atlântica, que teve de defender constantemente sua terra dos invasores.

Ilustração de Mariana Waechter, em tons de marrom e amarelo, mostra mulher sentada à frente de uma mesa. Ela aparece sentada, com a mão direita apoiada na cintura e a esquerda segurando o rosto, Com essa mesma mão, segura uma caneta tinteiro entre os dedos. O cotovelo está apoiado na perna. Ela é branca, tem os cabelos castanhos claros, divididos ao centro e levemente presos atrás. Está com uma expressão pensativa. Ao fundo, aparece uma janela com grades e com o topo arqueado. Dessa janela sai uma luz, que ilumina a personagem. Na mesa estão papeis escritos, um porta-tinta e uma espada.
Benta Pereira de Sousa liderou uma invasão à Câmara dos Vereadores da vila de São Salvador, exigindo a incorporação da capitania da Paraíba do Sul ao patrimônio real - Mariana Waechter

Invasão dos territórios indígenas e escravidão são faces sombrias do processo de dominação colonial, viabilizadas por um conjunto de nobres que atravessaram o Atlântico em busca de oportunidades e honrarias –terras, pedras preciosas e poder–, formando uma elite colonial que, com o passar do tempo, ajudou a formar núcleos urbanos nas diversas áreas do território do Brasil.

É o caso da capitania da Paraíba do Sul, formada pelas vilas São João da Praia e São Salvador, esta última cenário de grandes conflitos.

Em maio de 1748, após a morte do terceiro Visconde de Asseca, Diogo Correia de Sá, boa parte da elite da vila de São Salvador invadiu a Câmara de Vereadores e ali se amotinou, exigindo a anulação da posse do novo donatário, confisco e imediata incorporação da capitania ao patrimônio real. Estavam sob o comando de uma mulher, Benta Pereira de Sousa.

Nascida em 1675, ela se casou com Pedro Manhães Barreto, capitão-mor e importante figura do poder de São Salvador, herdeiro de terras e edifícios majestosos na praça onde estavam a cadeia e a câmara daquela vila.

Em 1713, Benta ficou viúva e se tornou administradora de todos os bens e negócios de uma família com seis filhos, muitos netos e uma vasta rede de parentela e apadrinhados, que se emaranhava na sociedade local garantindo-lhe influência e poder.

A instabilidade política durou cerca de 50 anos e girou em torno do controle das eleições camarárias, da cobrança de impostos e do direito de recolhimento do gado de vento (sem dono), que pertencia a Benta e era cobiçado pelo grupo político ligado aos Asseca. O contrato autorizava Benta e sua família a apreender todo o gado que vagasse fora da propriedade de seu dono, gerando diversas contendas entre esses grupos.

Benta construiu parcerias com políticos, como o governador do Rio de Janeiro, Luís Vahia Monteiro (1725-1732), o que a fez comandar aliados e financiar a resistência contra a posse da capitania por mais um Visconde de Asseca, contando com o apoio de Mariana de Sousa Barreto, líder do motim que invadiu a Câmara em 1748.

Nesse ano, o grupo liderado por Benta se reuniu na fazenda dos Manhães para traçar os planos das negociações com os opositores políticos. Sem acordo, os revoltosos, armados, cercaram a Câmara e foram recebidos a tiro pelos camarários e seus partidários. O embate violento espalhou-se pelas ruas da vila, deixando muitos feridos e alguns mortos, entre eles, Manuel Manhães, um dos filhos de Benta.

Mariana de Sousa Barreto, acompanhada de outras mulheres (das quais, infelizmente, não temos os nomes) tomou a Câmara, prendeu seus oficiais, algemando-os e conduzindo-os à prisão. Na madrugada de 22 de maio, a vila de São Salvador já estava em poder dos amotinados, sob comando de duas mulheres, Benta Pereira e sua filha Mariana.

No entanto, vindo do Rio de Janeiro a mando do governador Gomes Freire de Andrade, um destacamento agiu com violência e conseguiu neutralizar os revoltosos, pondo fim à rebelião. A família se refugiou em sua fazenda nos sertões da região, com exceção de Mariana, que decidiu esperar em sua casa na Vila: foi presa imediatamente.

Pouco tempo depois, foi aberta uma devassa (processo) para apurar os acontecimentos. Ao final, entre os condenados, estava Mariana, filha de Benta, degredada para o presídio de Benguela, em Angola.

Derrotadas? A saga das mulheres da família Manhães Barreto contra os Asseca não terminaria aí. Em 1751, a coroa portuguesa determinou o início do processo de compra da Paraíba do Sul e a indenização a seus proprietários. Três anos depois, em 1754, a capitania foi definitivamente incorporada ao patrimônio real, como queriam os revoltosos de 1748 liderados por Benta Pereira de Sousa.

Projeto retrata mulheres ao longo da história do Brasil

O projeto Mátria Brasil apresenta mulheres relevantes ao longo da história do país, desde a invasão portuguesa até os dias de hoje. Os textos são assinados por algumas das mais importantes historiadoras e escritoras brasileiras, e terão publicação semanal ao longo de seis meses.

A série foi idealizada pela professora do departamento de história da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Patrícia Valim, que também é uma das coordenadoras do projeto.

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