Ginecologista é acusada de racismo após dizer a paciente que 'negras têm cheiro forte'

OUTRO LADO: Defesa afirmou à Justiça que médica não teve intenção de discriminar ninguém

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Rio de Janeiro

Uma ginecologista se tornou ré em um processo em que é acusada de racismo, em caso que tramita na Justiça do Rio de Janeiro. Helena Malzac Franco foi denunciada após ser gravada ao dizer a uma paciente negra, durante uma consulta, que 70% das mulheres negras apresentam forte odor na região genital.

Segundo a executiva Luana Génot, que gravou a fala da médica durante uma consulta de sua afilhada de 19 anos, o caso aconteceu no início de 2022. O episódio, porém, só ganhou repercussão agora, após reportagem veiculada neste domingo (11) pelo Fantástico, da TV Globo.

Procurada, Malzac disse que teria uma reunião nesta segunda (12) com sua equipe de advogados e que só se pronunciará depois. A defesa da médica não atendeu às ligações da reportagem.

Na foto, Helena sorri para a câmera
A ginecologista Helena Malzac foi denunciada por racismo pelo Ministério Público; ela disse a uma paciente negra que 'mulheres negras têm cheiro forte' na região genital - Reprodução

Génot afirma que levou sua afilhada para uma consulta com a ginecologista e que, já no primeiro atendimento, Malzac fez comentários sobre mulheres negras "terem um odor mais forte", o que não tem base científica.

"Quando a médica foi examinar a minha afilhada, ela começou a falar baixinho ‘olha, estou sentindo um cheirinho’. Sempre com um tom bem dócil, né? Ela falou: ‘você precisa se cuidar, porque as pessoas negras têm um odor mais forte'", contou Génot à Folha.

Segundo a executiva, a médica repetiu o comentário na segunda vez que as duas voltaram ao consultório, para a colocação de um DIU.

"Na primeira vez, fiquei bastante incomodada, mas fiquei pensando se era coisa da minha cabeça. Na segunda consulta, quando ela falou de novo, eu comecei a gravar. Ela estava repetindo o que tinha dito e eu precisava dessa materialidade", disse Génot.

"Ela falou: ‘vocês mulheres negras têm um cheiro muito forte, se não é em 90% dos casos, é em 70%’. Eu comecei a indagar se era por causa da melanina, ela disse que podia ser, que tinha que tomar cuidado. Orientou a passar leite de rosas, que é um produto alcoólico. Ou seja, se você passar nas partes íntimas, vai arder", acrescentou.

Génot contou ainda que, após a segunda consulta, conversou com a afilhada sobre o que havia acabado de acontecer e disse que a fala da ginecologista era um ato de racismo. Em seguida, as duas prestaram queixa contra Malzac na Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância).

O caso, então, foi denunciado como crime de racismo pelo Ministério Público, que entendeu que a fala da médica faz referência às mulheres negras em geral. No final de 2022 a denúncia foi aceita pelo Tribunal de Justiça do Rio, e Malzac se tornou ré.

A primeira audiência aconteceu no dia 30 de maio deste ano. Embora a médica ainda não tenha se pronunciado, a defesa da ginecologista disse à Justiça, em janeiro, que ela não teve a intenção de discriminar ninguém e que seu comentário foi "estrito e visando exclusivamente tratar o mau cheiro com forte odor na região das virilhas".

Além disso, a defesa disse no processo que a médica é neta de "norte-americano negro casado com a sua avó, de nacionalidade portuguesa, ariana com olhos na cor azul". Desta forma, segundo os advogados, ela é "filha e neta de negros e, inclusive, por tal razão pode ser considerada da raça negra". Eles concluem ainda que, por isso, "se comprova a ausência de dolo".

Para Génot, que é diretora executiva do ID_BR (Instituto Identidades do Brasil), organização sem fins lucrativos voltada para a promoção da igualdade racial, o argumento da defesa é uma "terceirização do racismo".

"É quando você diz que não é racista porque tem pais negros, porque já se relacionou com pessoas negras, porque tem uma pessoa negra que você trata como se fosse da família. A gente sabe que muitas pessoas usam essas credenciais para dizer que não são racistas", disse.

A afilhada de Génot preferiu ter sua identidade preservada. Ao Fantástico, contou que passou a ter receio de se consultar com outras ginecologistas, com medo de sofrer discriminação novamente.

Segundo a executiva, a afilhada também passou a ter acompanhamento psicológico.

"[O tratamento psicológico] tem sido importante para ela conseguir vocalizar o que sente e externar esse incômodo que ela tem ainda com consultórios", disse Génot. "Existe toda uma introjeção desses tipos de conceito sobre pessoas negras que a gente acaba acreditando se não tem ninguém próximo para desmantelá-los."

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