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Plano Diretor não pode ser aprovado sem o respaldo da sociedade

A discordância é generalizada: urbanistas, associações de bairros, movimentos sociais, cidadãos comuns

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Nabil Bonduki

Professor titular de planejamento urbano da USP, foi relator do Plano Diretor Estratégico de São Paulo de 2002 e 2014 e é coordenador-geral do ForumSP23

Apesar da mobilização da sociedade civil e do empenho de alguns vereadores comprometidos com o planejamento de São Paulo, o 2º substitutivo da revisão do PDE (Plano Diretor Estratégico) manteve a descaracterização da estratégia urbanística aprovada em 2014.

Embora o texto tenha excluído algumas excrescências da proposta anterior, criou-se novas, como a ilegal isenção de ISS (Imposto Sobre Serviço) nos estádios de futebol, e se manteve a ampliação exagerada e dispersa da área passível de uma verticalização sem limites.

Por isso, a votação, prevista para segunda-feira (26/6), precisa ser adiada, visando a construção de um novo texto, com o indispensável respaldo técnico e o apoio da sociedade.

O Plano Diretor, instrumento de planejamento urbano de longo prazo, é uma Política de Estado. Não pode ser resultado apenas de uma maioria circunstancial no Legislativo, movida sabe-se lá por quais interesses.

Vista aérea do entorno da avenida Assis Ribeiro, próximo à estação Engenheiro Goulart da CPTM, em São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

O Estatuto da Cidade exige que ele seja formulado com critérios técnicos e de forma participativa, que não se limita a audiências públicas formais. A participação deve criar consensos progressivos para respaldar uma decisão legislativa que terá forte impacto na vida da cidade e dos cidadãos.

A discordância é generalizada: urbanistas, associações de bairros, movimentos sociais, cidadãos comuns. O corpo técnico e até a alta administração da prefeitura, escanteados e sem poder se manifestar em público, têm enormes restrições. Só uma parte do setor imobiliário apoia a proposta.

Não é uma revisão intermediária do PDE, como prevê a lei, com ajustes para corrigir problemas. É uma alteração estrutural, sem ter outra estratégia urbanística para a cidade.

Embora tenha excluído corretamente as vilas e o bairro tombado do Bixiga dos eixos de transformação urbana, o 2º substitutivo não corrigiu a ampliação exagerada dessa zona de verticalização sem limite nem a possibilidade de sua maior elitização.

Ele estabelece que as quadras tocadas pelo raio de 700 metros no entorno das estações de metrô ou trem ou pela faixa de 400 metros ao longo dos corredores de ônibus podem ser incluídas nessa zona. Como as quadras em São Paulo têm enorme dimensão, lotes muito distantes do transporte coletivo (mais do que os um quilômetro ou 450 metros do 1º substitutivo) poderão ser incluídos.

Nesse amplo território, admite-se apartamentos enormes, sem limite de tamanho, mediante o pagamento de uma outorga onerosa mais elevada, com uma vaga de garagem para cada 60 m² de área computável. Poderemos ter, por exemplo, apartamentos de tamanho médio de 420 m², com sete vagas, ao lado de uma estação de metrô!

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A combinação desses dispositivos anula a estratégia urbanística do PDE de 2014, baseada no conceito DOTS (Desenvolvimento Urbano Orientado pelo Transporte Sustentável) internacional, reconhecido como o mais adequado para orientar o desenvolvimento das metrópoles.

O PDE concentra a verticalização junto ao transporte coletivo (no máximo 600 metros das estações e 300 metros dos corredores), limitando o tamanho médio dos apartamentos a 80 m², com no máximo uma vaga, para gerar adensamento populacional, estimular o transporte coletivo e limitar a transformação nos miolos dos bairros.

Mais gente morando, menos carros, mais vida urbana, com comércio de rua e calçadas mais largas, em uma transformação radical, mas concentrada, enquanto as áreas de interesse cultural e ambiental, assim como os bairros ficariam preservados.

O mercado imobiliário alega que a área disponível nesses eixos (cerca de 60 km²) seria restrita. Mas o PDE propõe ainda a transformação por projetos urbanos da orla ferroviária, que soma cerca de 220 km².

As recentes aprovações dos PIUs (Projetos de Intervenção Urbana) Central, Jurubatuba e Vila Leopoldina já ampliaram consideravelmente a área disponível para a produção imobiliária.

Urbanisticamente, é injustificável estender a zona de verticalização para os bairros. Isso transformará a elaboração do mapa do zoneamento em uma guerra quarteirão a quarteirão, sob controle duvidoso do Legislativo.

O desenvolvimento de São Paulo deixará de ser orientado por uma lógica urbanística capaz superar problemas crônicos, como o trânsito, a verticalização dispersa, a descaracterização dos bairros e a falta de harmonia na paisagem urbana.

O espaço é curto para citar todos os problemas identificados pela Nota Técnica do FórumSP23. Mas a conclusão é que o 2º substitutivo da revisão do PDE não pode ser aprovado do jeito que foi apresentado.

Professor titular de planejamento urbano da USP, foi relator do Plano Diretor Estratégico de São Paulo de 2002 e 2014 e é coordenador-geral do ForumSP23

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