Descrição de chapéu Governo Lula violência

Decreto coloca CAC sob responsabilidade da PF e reduz limite de armas por atirador de 60 para 16

Pacote anunciado nesta sexta prevê investimento contra violência na Amazônia e projeto para tornar ataque nas escolas um crime hediondo

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Brasília

O presidente Lula (PT) assinou nesta sexta-feira (21) um decreto que cria mais restrições para o acesso a armas no país, revertendo a política de crescente flexibilização observada ao longo da gestão de Jair Bolsonaro (PL).

O decreto passa para a PF (Polícia Federal) a responsabilidade sobre a fiscalização dos chamados CACs (caçadores, atiradores e colecionadores). Até então, essa atribuição ficava com o Exército.

Como a Folha antecipou, a mudança estava sendo estudada por membros do governo diante da leitura de que o Exército falhou na fiscalização de CACs e de que haveria mais controle na PF.

O ministro Flávio Dino e o presidente Lula posam para foto após assinatura de decreto ume muda regras para uso de armas no país - Sergio Lima/AFP

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, afirmou que haverá um prazo de 180 dias para a migração progressiva de competências para a PF, mediante acordo de cooperação. A ideia é migrar para a PF todos os procedimentos referentes a CACs.

"Quando concluirmos a transição afirmo a todos e todas que vamos ampliar e muito a fiscalização de clubes de tiros e de CACs. Isso inclusive é uma determinação do TCU [Tribunal de Constas da União]. Infelizmente, existem os bons e os maus, como aconteceu com clubes de tiro. Existe muita atividade ilegal disfarçada", disse o ministro.

O Exército chegou a publicar durante a semana em seu site um aviso informando que os CACs passariam a ser de responsabilidade da PF e que os serviços a partir dali estariam bloqueados. O texto foi excluído em seguida.

O anúncio antes da publicação do decreto gerou confusão e contestação de CACs. O Exército disse, em nota, "que o aviso a respeito do tema foi publicado de forma equivocada". "Tão logo verificado o erro, a página foi retirada do ar", disse o Exército.

Outra mudança é a significativa redução do limite de armas por pessoa. Sob Bolsonaro, um atirador podia ter até 60 unidades (sendo 30 classificadas como de uso restrito das forças de segurança e Forças Armadas). Agora, o número cai para 16 (sendo 4 de uso restrito).

Dino afirmou que vai haver também um programa de recompra de armas, que ainda precisa ser regulado neste ano com uma nova normativa. No entanto, antecipou que deve ter valores atrativos para incentivar a devolução por parte da população.

Além disso, o decreto traz medidas que criam dificuldades para quem decidir continuar com as armas, como o encurtamento do prazo de renovação de registro.

Até o momento, a pasta trabalha com a política de entrega voluntária. Dino, entretanto, não descarta que no futuro possa haver uma estratégia coercitiva a depender dos indicadores de violência.

A pessoa que já tenha um fuzil, mesmo que hoje não possa mais adquirir, como os atiradores de nível 1 e nível 2, poderá usar essa arma e terá que se adequar ao novo número de munições.

Pelo decreto, os CACs e o cidadão comum poderão ficar com as armas já adquiridas. Essa é uma sinalização para a bancada da bala, que tinha esse como um dos principais pleitos. Inclusive, antes de o decreto sair do Ministério da Justiça e Segurança Pública e ir para o Planalto, deputados foram chamados na pasta para serem informados sobre esse e outros pontos.

Outro acordo do governo com a bancada também antecipado pela Folha foi de voltar ao número de armas que era antes do governo Bolsonaro. A intenção era não apertar nem liberar demais o quantitativo de armas aos CACs.

Na avaliação de Dino, esse é um decreto ponderado em que todos os atores envolvidos no tema foram ouvidos, reduzindo o número de armas, limitando a expansão de clubes de tiro e fortalecendo a fiscalização.

Segundo Dino, o decreto vai evitar que armas sejam desviadas do mercado legal para o ilegal. Na sua visão, o armamentismo irresponsável fortaleceu as facções criminosas no Brasil.

"Armas nas mãos certas, e não armas nas mãos das pessoas que perpetuam feminicídio. O senhor [Lula] está salvando a vida de milhares de mulheres brasileiras, de crianças, de adolescentes do Brasil", disse Dino.

Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, diz que o decreto definitivo melhora em muito a qualidade das regras de acesso à armas e munições no Brasil e fecha uma série de brechas criadas por Bolsonaro que estavam sendo exploradas pela criminalidade, sem impedir o acesso da arma para a defesa e outras atividades.

"É um grande passo a ser comemorado, mas que precisará ser acompanhado de maior capacidade de fiscalização destas categorias, em especial dos CACs. E da solução de problemas históricos, como a unificação de bancos de dados para consulta e rastreamento em investigações policiais", destacou.

Roberto Uchôa, especialista do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, considerou as mudanças positivas, principalmente na restrição dos calibres 9 mm e .40. Quando o governo Bolsonaro tornou essas armas de uso permitido, a 9 mm se tornou a arma mais vendida ao cidadão comum e aos CACs.

"É muito positivo também que os CACs voltem a ser divididos em níveis, isso mostra que o governo não está perseguindo os CACs, quem pratica o esporte. O governo quer privilegiar e dar segurança para esse pessoal, impedindo que pessoas que se registrem como CACs somente em busca das armas, prejudicando o esporte", disse.

O decreto faz parte de um pacote de segurança anunciado que inclui a criação de um plano para combate a crimes na Amazônia com R$ 2 bilhões de investimento.

Parte do plano é voltado à Amazônia, com recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP). De acordo com o texto, ele contemplará os nove estados da Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Roraima, Rondônia e Tocantins).

Os recursos serão para "o enfrentamento aos crimes na região, especialmente crimes ambientais e conexos".

De acordo com o ministério, haverá ainda a implementação de 28 bases terrestres e seis fluviais para combater crimes ambientais e infrações correlatas, somando 34 novas bases integradas de segurança (PF, PRF e Forças Estaduais).

Há a previsão ainda da implementação de Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública, com sede em Manaus, e a estruturação e aparelhamento do Centro de Cooperação Policial Internacional da PF, também na capital.

PROJETO QUER TIPIFICAR ATAQUE A ESCOLA COMO CRIME HEDIONDO

Outra medida apresentada é um projeto de lei que prevê tornar crime hediondo ataques em escolas. O texto é uma sugestão das famílias das vítimas do atentado à creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau (SC).

No caso de crime hediondo, o texto prevê que o condenado não tenha direito a fiança e não possa ser alvo de indulto ou anistia. A pena será de reclusão de 12 a 30 anos. Também prevê um novo crime, de violência em instituições de ensino, para situações de lesão corporal, com detenção de três meses a três anos.

O ministério também anunciou repasse de R$ 1 bilhão do Fundo Nacional de Segurança Pública para os estados, sendo que a primeira metade dos valores será paga em agosto e o restante quitado até o fim do ano. Também há previsão de repasses de R$ 170 milhões para os 24 estados e 132 municípios habilitados no programa Escola Segura.


VEJA PRINCIPAIS MUDANÇAS JÁ DIVULGADAS NAS REGRAS DE ARMAS

  • Quantidade de armas para defesa pessoal

Governo Bolsonaro: até 4 armas de uso permitido, sem necessidade de comprovação da efetiva necessidade, com possibilidade de ampliação do limite; até 200 munições por arma, por ano.

Governo Lula: até 2 armas de uso permitido, com comprovação de efetiva necessidade; além de 50 munições por arma, por ano.

  • Divisão em níveis de atiradores

Governo Bolsonaro: atiradores deixaram de ser divididos em níveis.

Governo Lula: voltam a ser divididos em três níveis. Eles terão que comprovar frequência em clubes de tiro e em competições.

  • Quantidade de armas para atiradores

Governo Bolsonaro:

Atiradores desportivos
- Até 60 armas, sendo 30 de uso restrito;
- Até mil munições por arma de uso restrito, por ano (30 mil/ano);
- Até 5 mil munições por arma de uso permitido, por ano (150 mil/ano)
- Até 20kg de pólvora.

Governo Lula

Atirador nível 1

Definição: Oito treinamentos ou competições em clube de tiro, em eventos distintos, a cada 12 meses.
- Até 4 armas de fogo de uso permitido;
- Até 4.000 cartuchos, por ano;
- Até 8.000 cartuchos .22 LR ou SHORT, por ano.

Atirador Nível 2

– Definição: Doze treinamentos em clube de tiro e quatro competições, das quais duas de âmbito estadual, regional ou nacional, a cada doze meses
- Até 8 armas de fogo de uso permitido;
- Até 10 mil cartuchos, por ano;
- Até 16 mil cartuchos, por ano .22 LR ou SHORT.

Atirador Nível 3

Definição: Vinte treinamentos em clube de tiro e seis competições, das quais duas de âmbito nacional ou internacional, no período de doze meses
– Até 16 armas de fogo, sendo 12 de uso permitido e até 4 de uso restrito;
- Até 20 mil cartuchos, por ano;
- Até 32 mil cartuchos por ano .22 LR ou SHORT.

  • Quantidade de armas para colecionadores e caçadores

Governo Bolsonaro:

Caçadores
- Até 30 armas, sendo 15 de uso restrito;
- Até 1 mil munições por arma de uso restrito, por
ano (15 mil/ano);
- Até 5 mil munições por arma de uso permitido,
por ano (75 mil/ano).

Colecionadores
- Até 5 armas de cada modelo;
- Vedadas as proibidas, automáticas, nãoportáteis ou portáteis semiautomáticas cuja data
de projeto do modelo original tenha menos de 30
anos.

Governo Lula

Caçadores excepcionais
- Até 6 armas;
- Até 500 munições, por arma, por ano;
- Necessidade de autorização do Ibama.

Colecionadores
- Até 1 arma de cada modelo, tipo, marca, variante, calibre e procedência;
- Vedadas as automáticas e as longas semiautomáticas de calibre de uso restrito cujo 1º lote de fabricação tenha menos de 70 anos.

  • Armas calibres 9mm e .40 e.45

Governo Bolsonaro: as armas passaram a ser de uso permitido e podiam ser liberadas para CACs e para defesa pessoal.
Governo Lula: as armas voltam a ser de uso restrito.

  • Porte de trânsito para CACs

Governo Bolsonaro: o Exército concedia autorização para trafegar com a arma do local de guarda até o clube de tiro ou de caça. Uma arma de cano curto podia ser transportada municiada.
Governo Lula: a PF concede autorização para trafegar com a arma do local de guarda até o clube de tiro ou de caça. A arma deve ser transportada desmuniciada e por um trajeto preestabelecido.

  • Fiscalização

Governo Bolsonaro: o Exército era responsável pela fiscalização de CACs, clubes de tiros, lojas de armas, armeiros e segurança das instalações de clubes de tiro.
Governo Lula: a PF passa a ser responsável pela fiscalização de CACs, clubes de tiros, lojas de armas, armeiros e segurança das instalações de clubes de tiro. A Polícia Federal poderá firmar convênios e acordos de cooperação técnica com o Comando do Exército e os órgãos de segurança pública dos entes federativos.

  • Funcionamento de clubes de tiro

Governo Bolsonaro: clubes de tiro podiam funcionar em qualquer lugar e por 24 horas.
Governo Lula: clubes de tiro poderão funcionar de 6h às 23h. Eles devem ficar a 1 km de escolas. Os estabelecimentos em desconformidade terão um prazo de 18 meses para adequação.

  • Caça para controle de javali

Governo Bolsonaro: a caça com arma de fogo era permitida para qualquer caçador com registro no Exército e com autorização no Ibama.
Governo Lula: a caça passa a ser excepcional e só poderá ocorrer quando outras formas menos cruéis, como armadilha, não forem eficazes. Para isso será preciso apresentar uma comprovação.

  • Programa de Recompra

Governo Bolsonaro: não havia
Governo Lula: previsão de programa de recompra com foco nas armas que eram de uso permitido e passarão a ser de uso restrito (segundo semestre de 2023). Nenhuma arma será obrigada a ser entregue.

  • Redução da validade dos registros de armas de fogo

Governo Bolsonaro: validade de 10 anos

Governo Lula: 3 anos para colecionador, atirador desportivo e caçador excepcional; 5 anos para registro concedido para fins de posse e caça de subsistência.

  • Consequência para quem não renovar o registro da arma

Governo Bolsonaro: não havia consequências caso a arma não fosse renovada no prazo correto.
Governo Lula: se o registro da arma de fogo não for renovado antes de acabar o prazo, o proprietário será notificado por meio eletrônico. Em caso de inércia do proprietário após a notificação, será instaurado procedimento de cassação do CRAF (Certificado de Registro de Arma de Fogo), sendo a arma de fogo apreendida, não podendo comprar outra arma no futuro e nem emitir ou renovar o passaporte.

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