Cidade comandada por líder do MDB na Câmara ignora ECA e não faz eleição para Conselho Tutelar

Prefeitura de Santana do Ipanema (AL) já foi ocupada por pai e mãe do deputado; prefeita atual é sua irmã

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Brasília

Todas as cidades brasileiras elegerão os membros de seus conselhos tutelares neste fim de semana à exceção de uma —Santana do Ipanema, que desde 2011 realiza eleição indireta para o órgão. O município de 46 mil habitantes fica no interior de Alagoas e é comandado quase ininterruptamente desde 2005 pela família do líder do MDB na Câmara, o deputado federal Isnaldo Bulhões Junior.

A lei municipal foi criada pela mãe de Bulhões, Renilde Bulhões Barros, que comandou a cidade entre 2005 e 2012. Hoje, a prefeita é sua filha, Christiane Bulhões Barros, e Renilde é a secretária de governo. O pai da atual prefeita e do líder do MDB na Câmara também já foi prefeito em duas ocasiões, a última entre 2016 e 2020.

O deputado Isnaldo Bulhões, líder do MDB na Câmara - Pedro Ladeira/Folhapress

Procurados, nem o deputado federal nem a prefeitura de Santana do Ipanema responderam à reportagem.

A lei é contestada na Justiça e já teve inclusive uma decisão na 1ª instância do TJ (Tribunal de Justiça) de Alagoas no início deste ano determinando que uma nova lei fosse editada em dez dias.

Ao invés disso, a prefeitura recorreu e o desembargador Paulo Zacarias da Silva emitiu uma liminar monocrática suspendendo a decisão até um julgamento do plenário do TJ. Até lá, segue valendo a lei municipal.

Ela diz que os membros do Conselho Tutelar serão escolhidos por um colégio eleitoral formado por membros do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente da cidade, órgão vinculado à prefeitura, e por entidades não governamentais vinculadas ao órgão. Na prática, a decisão põe nas mãos da prefeitura a escolha do Conselho Tutelar.

A denúncia protocolada pelo Ministério Público em Alagoas em dezembro de 2022 aponta que a lei municipal se sobrepôs a uma lei federal, o ECA (Estatuto da Criança e Adolescente), o que é ilegal.

O ECA diz que "em cada município e em cada Região Administrativa do Distrito Federal haverá, no mínimo, 1 (um) Conselho Tutelar como órgão integrante da administração pública local, composto de 5 (cinco) membros, escolhidos pela população local para mandato de 4 (quatro) anos, permitida recondução por novos processos de escolha". Essa redação foi dada em uma alteração feita 2019.

Em 13 de janeiro, a decisão na primeira instância da Justiça alagoana concordou com os argumentos da denúncia e apontou "perigo de dano é evidente, tendo em vista que no corrente ano será realizada nova escolha dos membros para composição do Conselho Tutelar, o que, caso ocorra do modo atualmente previsto, frustrará o direito ao sufrágio universal e ao voto direto, além do previsto no ECA". Em 13 de março, a decisão monocrática do TJ impediu a mudança na lei municipal.

Os Conselhos Tutelares foram criados pelo ECA, sancionado em 1990, e são órgãos permanentes e autônomos. Eles tem como missão representar a sociedade na defesa dos direitos da população infantojuvenil.

Ele pode aplicar medidas como "encaminhamento da criança ou do adolescente aos pais ou responsável; orientação, apoio e acompanhamento temporários; matrícula e frequência obrigatória em unidades de ensino; inclusão em serviços e programas oficiais; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial, entre outros", informou o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

As eleições deste ano estão sendo marcadas por embates entre grupos religiosos e progressistas, que tentam emplacar membros nos conselhos.

O Ministério Público Federal notificou nessa quinta-feira (28) o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) sobre medidas adotadas para evitar o abuso do poder religioso na votação para representantes de conselhos tutelares em todo o país.

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