Centros integrados querem resolver falta de conexão entre órgãos de proteção à criança

Estrutura une Conselho Tutelar, Polícia Civil, Ministério Público e Saúde em um único local; Governo Federal anunciou nesta quinta (18) investimento inicial

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São Paulo e Fortaleza

A falta de comunicação entre os órgãos da rede de proteção à criança e ao adolescente prejudica o atendimento às vítimas. Em vários casos, é comum uma instituição encaminhar o denunciante da agressão para outra e assim sucessivamente, o que desestimula a denúncia.

Para diminuir essa desconexão, alguns estados vêm desenvolvendo centros de integração das instituições da rede, como Conselho Tutelar, Polícia Civil, Instituto Médico Legal, Ministério Público e Secretaria Municipal de Saúde. Nesse modelo, os órgãos atuam no mesmo local e conversam entre si ao receberem uma denúncia.

Policial civil trabalhando na Casa da Criança e do Adolescente, em Fortaleza
Policial civil trabalhando na Casa da Criança e do Adolescente, em Fortaleza - Jarbas Oliveira - 21.mar.23/Folhapress

Em Fortaleza, por exemplo, a Casa da Criança e do Adolescente reúne seis órgãos, além de contar com psicólogos que atendem as vítimas. O centro é gerido pelo governo do Ceará.

O primeiro atendimento é com o adulto responsável pelo menor –nessa parte, os profissionais buscam entender a situação, enquanto uma cuidadora acompanha a criança na brinquedoteca da Casa. Segundo os funcionários, a maioria dos casos é relacionada a conflitos familiares, que requerem encaminhamento ao Conselho Tutelar.

Mas, se a denúncia for mais grave, a criança é encaminhada para a Perícia Forense do Estado do Ceará, onde fará o exame de corpo de delito. Simultaneamente, o responsável por ela registra o boletim de ocorrência na Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente e aciona um advogado da Defensoria Pública –tudo no mesmo lugar.

Em caso de flagrante, o suspeito também é ouvido no centro, mas em outra ala do imóvel, para não ter contato com a vítima. Às sextas-feiras, o centro abriga as audiências de casos já aceitos pela Justiça.

"No mesmo espaço, temos profissionais que fazem a proteção e a responsabilização em casos de violência contra crianças e adolescentes. Porque antes as pessoas precisavam ir a vários locais diferentes para fazer a denúncia, para realizar um procedimento de perícia e para prestar um depoimento. Isso gerava muita desistência, até porque muitas não têm dinheiro para esses deslocamentos", explica Silvana Bezerra da Silva Torres, coordenadora da Casa.

O centro iniciou suas operações em junho do ano passado e, desde então, realizou 12.921 atendimentos, sendo 1.153 relacionados a violências graves, como estupro. A estrutura fica em uma casa de dois andares em um bairro de classe média baixa, a seis quilômetros do centro de Fortaleza.

De acordo com levantamento da ONG Childhood Brasil feito em 2017, há ao menos outros seis centros semelhantes no Brasil –Porto Alegre, Belém, Teresópolis, Rio de Janeiro, Brasília e Vitória da Conquista. O último, criado em 2015, é referência no país. O centro é administrado pela prefeitura e reúne 12 órgãos do Executivo e do Judiciário, além do Conselho Tutelar.

Mas, devido à falta de metodologia única nos atendimentos, cada centro atua de forma diferente na escuta das crianças e dos responsáveis. "Não basta integração física. São necessários uma integração institucional e um protocolo unificado no país", afirma Cândida Magalhães, advogada atuante no enfrentamento à violência doméstica e familiar.

Em junho do ano passado, o governo do então presidente Jair Bolsonaro editou uma portaria que incentivou estados e municípios a implementarem o modelo. Mas o documento não apontou a origem dos recursos para a construção desses centros, o que na prática inibiu que estados e municípios criassem suas próprias estruturas.

Nesta quinta-feira (18), em cerimônia oficial sobre a exploração sexual infantil, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania lançou um guia que aponta como os centros devem ser mobiliados e como os órgãos da rede devem atuar na estrutura. O documento foi formulado pela ONG Childhood Brasil e havia sido encomendado pelo Executivo em 2020.

Além disso, a pasta anunciou investimento inicial de R$ 2,5 milhões para equipar os centros e garantir a escuta protegida e segura de crianças e adolescentes. A pasta não deu prazo nem detalhes sobre como a quantia será enviada aos estados e municípios.

A quantia anunciada, porém, é bem inferior à necessária para a construção dessas estruturas por todo o país. Só no Ceará, por exemplo, o governo estadual investiu R$ 1,4 milhão em reforma, mobiliário e equipamentos. Além disso, a administração paga R$ 15 mil por mês para ter o imóvel.

Já em Mato Grosso do Sul, onde Sophia de Jesus Ocampo, de 2 anos 7 meses, foi assassinada depois de seu pai acionar a rede de proteção à criança por sete vezes, o governo estadual busca com o federal a doação de um terreno em Campo Grande, onde o centro funcionaria. "A união poderia também entrar com com uma parte dos recursos para a construção", diz Roberto Gurgel, delegado-geral da Polícia Civil de MS.

A estrutura, segundo a Secretaria de Justiça e Segurança Pública do estado deve ficar pronta entre 3 e 5 anos.

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