Descrição de chapéu forças armadas

General vendeu influência com Mourão e Braga Netto para tentar destravar contrato suspeito, diz PF

Paulo Assis fechou acordo de R$ 300 mil para atuar como lobista em contrato irregular da intervenção federal no Rio; general não se manifestou

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Brasília

Um dos alvos da Polícia Federal em operação para apurar ilegalidades na aquisição de coletes balísticos durante a intervenção federal no Rio de Janeiro, o general da reserva Paulo Roberto Corrêa Assis, 81, vendeu influência sobre Jair Bolsonaro, Hamilton Mourão e Braga Netto para tentar destravar a contratação milionária.

Paulo Assis, seu nome de guerra, foi procurado por Glauco e Glaucio Guerra em meados de setembro de 2019, segundo o relatório da Polícia Federal obtido pela Folha. Os irmãos eram os intermediários brasileiros da empresa americana CTU Security LLC —contratada pelo Gabinete de Intervenção Federal do Rio de Janeiro.

A contratação estava emperrada desde o início de 2019. Mesmo tendo recebido os valores, a CTU Security não conseguiu entregar o material prometidos no contrato. Seriam 9.360 coletes balísticos por R$ 35,9 milhões.

Arte produzida pelo PRTB mostra os generais Paulo Assis e Hamilton Mourão abraçados com outras duas pessoas
O general Paulo Assis apresentou Hamilton Mourão ao então presidente do PRTB, Levy Fidelix, em 2018 - Divulgação/PRTB

No meio do enrosco, integrantes da intervenção federal receberam uma denúncia com suspeitas de irregularidades cometidas pela empresa americana —entre elas, a de falsificação de documentos e uso indevido de certificados.

Glauco disse ao irmão, em mensagens apreendidas pela PF, que o próprio general Paulo Assis havia apresentado a denúncia contra a CTU Security. O militar atuava em nome de outra empresa, perdedora na contratação.

Mesmo com essa suspeita, os Guerra procuraram Paulo para pedir ajuda. A resposta do militar foi dada em 14 de setembro de 2019.

"Poderemos prestar consultoria à Empresa Americana CTU, através de você e do Vieira, desde que a interessada deposite o valor de R$ 50 mil iniciais, depositado na assinatura do contrato e mais R$ 250 mil no êxito", escreveu Assis.

Glauco disse a Glaucio que o general queria "tomar um dinheiro da gente" e concordou com a proposta. O valor foi repassado pela CTU Security por meio de um doleiro, e o dinheiro foi repartido ao meio entre Paulo Assis e o coronel da reserva Robson Queiroz Mota.

No relatório, a Polícia Federal solicitou à Justiça que fosse realizada busca e apreensão nos endereços de Paulo Assis. A conclusão dos investigadores foi a de que o general foi contratado exclusivamente para realizar lobby em favor do contrato irregular e supostamente superfaturado.

"Como se observa, o objetivo da contratação [...] do Gen. PAULO ASSIS nunca foi a eventual expertise na atividade de consultoria, mas sim no poder de influência para que algum ato seja praticado por servidor público no interesse da organização criminosa", concluiu o delegado Bernardo Adame Abrahão.

A Folha procurou o general Paulo Assis para se manifestar sobre a investigação, mas não obteve resposta.

Em nota, o general Braga Netto disse que a compra dos coletes balísticos foi suspensa pelo próprio Gabinete da Intervenção Federal após "avaliação de supostas irregularidades nos documentos fornecidos pela empresa".

"Isto posto, os coletes não foram adquiridos ou tampouco entregues. Não houve, portanto, qualquer repasse de recursos à empresa ou irregularidade por parte da Administração Pública", disse.

CARREIRA

Paulo Roberto Corrêa Assis foi para a reserva remunerada do Exército em 2000. Deixou a carreira como general de brigada após não ser selecionado para a promoção da terceira estrela.

Desde então, decidiu criar uma empresa de consultoria e atuar em negociações entre fornecedoras e o setor público, com foco especial nas Forças Armadas e segurança pública.

Durante a carreira ele comandou batalhões e grupos de artilharia, sua arma. Passaram por seu comando militares como Jair Bolsonaro, Braga Netto, Edson Pujol e outros. Estudou, ainda, em cursos com generais como Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, e Gonçalves Dias, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional).

Por Hamilton Mourão, porém, Paulo Assis desenvolveu relação mais afetuosa. "O Mourão foi duas vezes do meu Estado-Maior, uma no Rio de Janeiro e outra em Manaus", disse o general em entrevista ao canal Voz de Brasília, em 2020.

Paulo atribui a ele a responsabilidade pela união entre Bolsonaro e Mourão na chapa que venceu a corrida à Presidência, em 2018.

"Minha participação foi efetiva mesmo, eu atuei, e é um orgulho que eu tenho, de ter cooperado com a dupla Bolsonaro-Mourão para livrar o Brasil das garras do comunismo. Isso daí, graças a Deus, nós conseguimos."

Após a eleição, o general atuou como coordenador da transição da vice-presidência do governo de Michel Temer para Jair Bolsonaro.

Na entrevista, o general ainda descreveu sua atuação como consultor como uma "cooperação" com o governo federal. "Eu também trabalho principalmente junto às Forças Armadas, Polícias Militares, empresários nos procuram para trazer os seus projetos na área governamental, e tenho levado bons projetos para o atual governo", completou.

Para destravar o contrato dos coletes balísticos, Paulo Assis relatou aos intermediários ter feito contatos iniciais com Jorge Menezes, que, segundo o relatório da PF, seria o responsável por dar os pareceres sobre a contratação na Presidência da República.

O general ainda disse que, em 13 de dezembro, teria almoçado com o general Braga Netto, à época chefe do Estado-Maior do Exército. "[Ele] me prometeu interferir a nosso favor. Portanto tudo bem encaminhado", escreveu.

Paulo fez nova referência ao encontro com Braga Netto em email enviado a Jorge Menezes, em 15 de dezembro de 2019.

"Estive num almoço na sexta-feira passada com o Gen Braga Neto e comentei sobre a liberação dos coletes de proteção balística para a Polícia do RJ, em estudo nessa Casa Civil da PR. Ele me disse que iria dar uma ‘força’ junto ao St para atender ao que pleiteamos. Bom fim de semana."

O general, em outra ocasião, ainda perguntou se seria preciso conversar com o então vice-presidente Mourão ou com Bolsonaro, para que "eles intercedessem no assunto", segundo a PF.

Mourão disse à Folha que jamais foi consultado sobre o tema.

"Ele nunca me procurou para tratar do assunto. Por outro lado, pelo que eu sei, essa questão não prosperou pois a licitação foi cancelada devido a problemas com a empresa", disse.

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