Moraes vota para condenar réu do 8/1 a 17 anos de prisão, e Kassio diverge

Relator no STF diz que houve tentativa de golpe no 8/1, e indicado de Bolsonaro propõe pena mais leve, de 2 anos e 6 meses

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Os ministros Alexandre de Moraes e Kassio Nunes Marques, do STF (Supremo Tribunal Federal), votaram nesta quarta-feira (13) para condenar o primeiro réu julgado pela corte pela depredação dos prédios dos três Poderes nos atos golpistas de 8 de janeiro.

As penas propostas, no entanto, divergem em quase 15 anos. Enquanto Moraes, que relata o processo, se manifestou a favor de uma pena de 17 anos ao réu, sendo 15 anos e 6 meses em regime fechado, Kassio, que é o revisor, propôs 2 anos e 6 meses em regime aberto e absolvição por parte dos crimes mais graves.

O julgamento foi suspenso após o voto de Kassio e será retomado na manhã desta quinta-feira (14), com o voto de Cristiano Zanin —depois dele, faltarão os demais 8 ministros do STF.

O primeiro réu julgado é Aécio Lúcio Costa Pereira, ex-funcionário da Sabesp (companhia de saneamento de São Paulo) preso em flagrante dentro do Congresso pela Polícia do Senado.

Moraes votou pela condenação pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa armada.

O ministro Alexandre de Moraes, do STF
O ministro Alexandre de Moraes, do STF - Carlos Alves Moura - 2.ago.2023/SCO/STF

Em seu voto, ele também se manifestou por condenação de 100 dias-multa, cada um deles no valor de um terço do salário mínimo —em valores atuais, mais de R$ 40 mil.

O ministro apresentou em seu voto imagens e vídeos da depredação na praça dos Três Poderes e também dos acampamentos em frente ao QG do Exército em Brasília. É a primeira ação penal no Supremo na qual um ministro usa esses tipos de recursos audiovisuais.

Antes da votação, a PGR (Procuradoria-Geral da República), representada pelo subprocurador Carlos Frederico Santos, rebateu críticas e disse que não era necessário descrever a conduta de cada um dos acusados de depredarem os prédios dos três Poderes.

Em seguida, o advogado de Aécio Pereira, um desembargador aposentado que já acusou Moraes de "inflamar" o Brasil no discurso de posse em 2022 como presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ficou cara a cara com o ministro.

Hoje advogado, Sebastião Coelho da Silva disse que Moraes é suspeito para julgar o caso, que não deveria participar da análise da ação e que o julgamento é político.

Coelho da Silva ironizou a existência de uma tentativa de "golpe sem armas" para pintar os atos como um simples protesto. Disse, ainda, que seu cliente foi visto com "ânimo descontraído" e que, "na cabeça dele", a invasão era "uma vitória".

Ao responder à defesa de Pereira, Moraes afirmou que "o terraplanismo e o negacionismo obscuro de algumas pessoas faz parecer que no dia 8 de janeiro tivemos um domingo no parque".

"As pessoas vieram, pegaram um tíquete como fazem no Hopi Hari em São Paulo ou na Disney, [e disseram] 'agora vamos invadir o Supremo e vamos quebrar uma coisinha aqui, agora vamos invadir o Senado, vamos invadir o Palácio do Planalto, agora vamos orar da cadeira do presidente do Senado'. É tão ridículo ouvir isso que a Ordem dos Advogados do Brasil não deveria permitir", ironizou Moraes.

O ministro afirmou que a responsabilidade para julgar o processo é, sim, do STF e não de instâncias inferiores, como alega a defesa.

Ele concordou com o entendimento da PGR de que não é necessário descrever a conduta de cada um dos réus do 8 de janeiro, já que se trata de um crime praticado por uma multidão. "Não há nenhuma dúvida no direito penal da existência e dos elementos que constituem crime", disse Moraes.

"O exemplo clássico é uma rixa, é uma briga de torcidas organizadas, onde você não precisa identificar que o 'a' deu um soco no 'b' ou o 'c' deu uma cadeirada no 'd'. Ou seja, são grupos que praticaram um crime e você descreve a conduta. E a conduta a Procuradoria-Geral descreveu detalhadamente."

Moraes rebateu os argumentos de que não havia intenção dos acusados de provocar um golpe.

"Estavam numericamente agigantados, violentos e a ideia era que, a partir dessa destruição, dessa tomada dos três prédios que representam os três Poderes da República, houvesse a necessidade de uma GLO [Garantia da Lei e da Ordem]. Com isso, eles estavam pedindo que as forças militares, principalmente o Exército, aderisse a esse golpe de Estado", disse.

Ele defendeu, no entanto, os militares que não flertaram com um golpe. "O fato de eventuais militares terem participado de ações golpistas e estarem sendo investigados não macula uma verdade histórica que deve ser aqui proclamada: o Exército brasileiro não aderiu a esse devaneio golpista de vários investigados, inclusive políticos."

Apontou, ainda, o que seria o motivo de os acusados se filmarem durante os atos e publicarem nas redes sociais.

"O sentimento de impunidade era tão grande que filmavam para depois dizer que participaram do golpe de Estado. Tinham a certeza que haveria adesão das Forças Armadas e que a polícia não iria retirá-los da sede dos três Poderes, e acabaram se auto incriminando", disse.

Após Moraes, Kassio Nunes Marques votou pela pena 2 anos e 6 meses, em regime aberto, descontados os meses que Pereira já ficou preso.

Isso, acrescenta Kassio, se a maioria do Supremo entender que é de responsabilidade da corte julgar o caso. Para ele, o processo deveria ser levado à primeira instância.

Kassio, que foi indicado ao Supremo pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), costuma votar de forma divergente da maioria dos ministros na análise do recebimento das denúncias apresentadas pela PGR pelo 8 de janeiro.

"Embora o acusado tenha negado a prática de delitos, as fotos e vídeos por ele postados por meio de seu aparelho de telefone celular, por meio de áudio e texto, valorados em conjunto indissociável com a prova testemunhal, demonstra o contexto da criminalidade em concurso de pessoas", afirmou Kassio.

"Ele aderiu aos manifestantes que ingressaram mediante violência no prédio do Congresso, concorrendo para os danos e a deterioração do patrimônio tombado do Congresso Nacional", acrescentou.

O ministro votou pela absolvição dos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e associação criminosa.

Aécio Lúcio Costa Pereira tem 51 anos, é residente de Diadema (SP), e gravou um vídeo sentado na mesa diretora do Senado usando uma camiseta que dizia "intervenção militar federal".

Nesse vídeo, o ex-funcionário diz: "Amigos da Sabesp: quem não acreditou, tamo aqui. Quem não acreditou, tô aqui por vocês também, porra! Olha onde eu estou: na mesa do presidente".

Em interrogatório após ser preso, Pereira disse que esteve em Brasília a convite de uns amigos que acampavam em frente ao quartel do Exército em São Paulo, próximo ao parque Ibirapuera, do grupo Patriotas.

Afirmou que seu objetivo era "lutar pela liberdade" e não sabia dizer se o procedimento para chegar a isso seria depor o presidente Lula. Negou que tenha danificado bens do Congresso.

Além dele, o STF pretende julgar outros três réus dos ataques às sedes dos três Poderes em sessão que prosseguirá nesta quinta. Cada uma das quatro ações será julgada individualmente.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.