Descrição de chapéu Obituário Olivio Beltrame Jr (1947 - 2023)

Mortes: Médico e psicanalista, nunca foi afeito a holofotes nem instituições

Olivio Beltrame Jr mergulhou onde acreditava estar o verdadeiro tesouro: a mente humana

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"Quanto é 2 mais 1?" Com perguntas provocadoras por sua aparente simplicidade, Olivio era capaz de exasperar impacientes e instigar os que se abriam para a solidez do pensamento por trás do enigma.

Olivio Beltrame Jr faleceu aos 75 anos, mas viveu muito mais do que isso.

Jovem sagaz, curioso e provocador, saiu de casa cedo "para se salvar", dizia. Nasceu em Mogi Mirim, cresceu em Avaré e Presidente Prudente, mas sua verdadeira vida começou em Ribeirão Preto (SP), onde chegou a depender da generosidade do pipoqueiro da rua para jantar. Nunca esqueceu da pipoca fiada e agia com a mesma bondade com pacientes que precisavam de ajuda, mas não podiam pagar.

Cursou a Faculdade de Medicina da USP e dava aulas de matemática para se manter. Foi como professor de cursinho que conheceu o amor de sua vida, Rachel. Mudou-se para a pensão da sogra, que o acolheu como um filho. Depois de casado, dava plantão em três cidades para criar a família da forma que gostaria.

Olivio Beltrame Jr em pé em frente a um jardim
Olivio Beltrame Jr (1947 - 2023) - Arquivo pessoal

Olivio e Rachel caminharam juntos por 50 anos, inclusive literalmente, em passeios matinais diários. Também fumaram juntos —principalmente o último cigarro, ao abandonarem unidos o vício compulsivo. E como dançaram! Sempre os primeiros a abrir a pista nas festas, mas também os primeiros a irem embora —não gostavam de aglomerações.

Aos poucos, Olivio se afastou da medicina e mergulhou onde acreditava estar o verdadeiro tesouro: a mente humana. Fez formação na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, onde se destacou por seu brilhantismo e originalidade, aplicando conceitos matemáticos na leitura de Bion. Podia ter escrito livros e galgado os degraus hierárquicos da psicanálise, mas nunca foi afeito a holofotes nem instituições.

Seu interesse estava no dia a dia: lavar louça, fazer compras na feira, ver se a jabuticabeira tinha botões. Ensinamento e aprendizado se davam no consultório ou em casa, onde uma dúvida matemática simples da filha de 12 anos levava a uma digressão sobre o conceito de cosseno.

Poeta, escrevia em versos da mesma forma que tocava piano: um autodidata cujos dedos deslizavam pelas notas como que inventando ou aprendendo melodias enquanto as sentia. Aos 40 anos, tentou realizar o sonho de tocar violino, mas o ombro não permitiu —seu corpo sempre foi mais fraco que o espírito.

Comia mais açúcar do que o recorde mundial per capita e, no entanto, era franzino. O sumiço das calorias sugeriam o nível de atividade psíquica de um sujeito cuja mente, em suas palavras, era uma gaiola imensa.

Ao final da vida andava às voltas com o libreto de Oliver Sacks, "Gratidão". Deu tudo aos filhos e sua principal herança foi a capacidade e a autoconfiança para construirmos o que quiséssemos.

Deixa esposa, filhos, netos, uma despensa cheia de cascos de guaraná e uma pizzaria com seu nome, homenagem de um paciente. Para o leitor que não o conheceu deixa a sua enigmática resposta: "2 mais 1 pode ser 1, pode ser 11…".

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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