O som de buzina já aguçava os sentidos e era a garantia de uma tarde doce nas ruas da Água Rasa, bairro com jeitinho de interior espremido entre Tatuapé e Mooca, na zona leste de São Paulo. Lá vinha o carrinho azul cheio de suspiros embalados carinhosamente em pacotinhos de papel pardo.
A escolha pelo doce, que rendeu a Juvenal Ferreira Gonçalves o apelido de Tio do Suspiro, se deu pelo ineditismo —em meados dos anos 1950, os vendedores de rua ofereciam pipoca, sorvete e amendoim—, conta a neta Fabíola Oliveira Gonçalves Rocha, 30.
Para transportar as guloseimas, ele comprou carrinho de um pipoqueiro, adaptou e pintou. De tão bem cuidado, o companheiro de jornada rodou por quase 60 anos e só parou quando Juvenal deixou de vender suspiro nas ruas do bairro, em 2015.
Nascido em 1927 na Fazenda Boa Vista, em Sumidouro (RJ), Juvenal cresceu ajudando a família na roça —ele era o quarto de 14 irmãos. Cursou até o segundo ano do atual ensino fundamental e, pouco depois de cumprir o serviço militar, mudou-se para São Paulo, para morar na casa da irmã mais velha.
Logo conseguiu emprego como tecelão no Cotonifício Rodolfo Crespi. Muito religioso, passou a frequentar a unidade do Brás da Congregação Cristã do Brasil. Lá conheceu a esposa, Maria da Conceição, a quem chamava carinhosamente de Bela.
"Ele achou a minha avó muito bonita e teve a certeza que era a mulher que Deus havia escolhido para ele. Em pouco tempo a pediu em casamento."
Casaram-se em 1953 e foram morar em um pequeno cômodo no quintal da casa dos pais de Bela, no mesmo bairro, mas Juvenal sabia que era por pouco tempo. A maior preocupação dele era ter um canto pra chamar de seu e deixar para os descendentes.
Por isso, sempre buscou aumentar a renda da família. No início, vendia capas de botijão de gás, fronhas, lençóis e roupas de cama feitas pela mulher. Mas após o nascimento do filho do casal, em 1958, Bela já não conseguia manter o ritmo de produção. Foi aí que Juvenal viu na venda de doces uma boa opção para continuar a poupança.
Passou a comprar suspiros em uma fábrica na Vila Maria (zona norte). Saía para vender os doces quase todas as tardes, após chegar do trabalho como tecelão.
Conseguiu comprar um terreno na região na Vila Ré, também na zona leste, onde construiu sua casa. O lugar serviu de morada para o filho Josué após se casar e também para os netos.
Adorava contar aos netos histórias da infância na roça. Não parava quieto. Cuidava dos cães e das plantas no quintal. "Se alguém estivesse doente, sempre tinha uma receita de chá. Cuidava muito de todos", conta Fabíola, a quem apelidou carinhosamente de "joia da casa".
Aposentou-se do tear em 1987, mas continuou vendendo os suspiros até 2015, quando tinha 88 anos —após insistência da família.
Juvenal morreu em agosto após o agravamento de uma pneumonia. Ele deixa sua amada Bela, um filho, três netos, três bisnetos e gerações que cresceram com os doces e o afeto do Tio do Suspiro.
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