Após críticas, governo Lula acerta limite de R$ 6 bi para fundo do ensino médio em 2023

Acordo foi costurado com Senado para destravar votação de projeto que autoriza aporte

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Brasília

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) entrou em acordo com membros do Congresso Nacional para limitar a R$ 6 bilhões o valor a ser aportado em 2023 no fundo privado criado para bancar o incentivo financeiro à permanência de alunos no ensino médio.

A trava foi criada pelo mesmo projeto de lei complementar que autoriza o repasse ao fundo fora do limite de despesas vigente neste ano. Com a negociação, o texto foi aprovado pelo plenário do Senado nesta quarta (29) de forma unânime, por 61 a 0.

A articulação se deu após reações de técnicos do Executivo e economistas de fora do governo à proposta voltada ao ensino médio, que, de acordo com as críticas, gerava risco de contabilidade criativa por meio da antecipação de gastos referentes a anos futuros (o que aliviaria as contas de 2024, por exemplo, que conta com uma previsão de déficit zero).

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O presidente Lula acompanhado do ministro da Educação, Camilo Santana, durante Enem 2023 - Pedro Ladeira - 5.nov.2023/Folhapress

Segundo relatos, o governo calcula precisar de cerca de R$ 7 bilhões anuais para custear a poupança dos alunos de ensino médio que estão em famílias contempladas pelo Bolsa Família. Como a dotação do MEC (Ministério da Educação) para 2024 já reserva R$ 1 bilhão, a necessidade para 2023 seria de R$ 6 bilhões.

Membros do governo reconhecem a conveniência de usar o espaço na meta fiscal de 2023 para antecipar um gasto que, mantido em 2024, colocaria pressão sobre o objetivo de reequilíbrio fiscal do ministro Fernando Haddad (Fazenda). A trava, por outro lado, seria um compromisso de que não haverá interferência nas despesas dos anos seguintes.

Os aportes de 2025 e 2026, também na casa dos R$ 7 bilhões em cada ano, constarão nos respectivos Orçamentos, de acordo com interlocutores do governo. Com isso, a soma alcançaria nesse horizonte o limite de até R$ 20 bilhões previsto na MP (medida provisória) assinada por Lula.

Além de limitar o valor injetado em 2023, o acordo feito no Senado inclui mudanças na própria MP durante a tramitação no Congresso. O governo concordou avaliar o resultado do programa ao final do segundo ano de implementação, em vez do terceiro.

O Executivo também decidiu retirar o dispositivo que exigia das empresas aportes adicionais como contrapartida social nos leilões do pré-sal. A mudança foi anunciada durante a votação pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).

"Retiramos um parágrafo que deixava uma dúvida sobre eventuais leilões de áreas para exploração de petróleo, se o que se paga na entrada, quer dizer, não os royalties mês a mês, mas a parcela inicial, se ela poderia abastecer esse fundo por fora do orçamento", disse.

"Pela dúvida, tiramos, de tal forma que eu creio que o mais importante é que o programa fica garantido para o ano de 2024 e eu prefiro, já que estamos perto do fim do ano, garantir esse presente de Natal para os estudantes e, no próximo Natal, nós resolvemos outros futuros problemas."

O texto da MP, antecipado pela Folha, diz que a integralização dos valores pode ser feita com recursos do Orçamento, ações de empresas estatais federais ou empresas nas quais a União tenha participação minoritária.

O Executivo, segundo relatos, não tinha a intenção de usar ações de empresas para integralizar cotas no fundo de apoio aos alunos do ensino médio. O expediente já foi usado no passado para abastecer o fundo garantidor do Fies, gerando problemas posteriores devido à baixa liquidez de alguns desses ativos.

Segundo um técnico, não há "nenhuma expectativa" dentro do governo de fazer o aporte com ações, justamente pelas características do programa. Um depósito em poupanças direcionadas a estudantes de baixa renda demandará liquidez de recursos.

A avaliação nos bastidores é que o dispositivo que autoriza o uso das ações de empresas foi incluído por "questão de praxe", uma vez que ele é comum em leis sobre criação de fundos. Dado o ruído gerado pela iniciativa, no entanto, membros do governo não viram prejuízos na exclusão do dispositivo.

O ex-secretário do Tesouro Nacional Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners, vê uma série de pontos questionáveis na proposta. "Acho que, infelizmente, tem aqui um cheiro do uso da contabilidade criativa, e preocupa o fato de se estar criando algo que possa estar em desacordo com a Constituição", afirma.

O primeiro problema, segundo ele, é a tentativa de tirar uma política pública do alcance do novo arcabouço fiscal, aprovado este ano e que começará a valer a partir de 2024. "Há uma clara intenção de postergar receitas que poderiam ocorrer este ano para o ano que vem e antecipar despesas. É o subterfúgio da pedalada", critica Kawall.

Antes do acordo selado no Senado, técnicos da área econômica também manifestavam discordâncias em relação ao texto, diante da avaliação de que o Orçamento deve registrar todas as receitas e despesas, para evitar uma erosão das regras fiscais.

O principal argumento para optar pelo modelo de fundo, segundo interlocutores, é o princípio do programa de oferecer uma poupança aos alunos de baixa renda —ainda que haja alguma periodicidade de saques. O modelo seria diferente de um benefício social, pago mensalmente e cuja folha poderia ser rodada dentro do próprio Orçamento.

Manter o programa sob a gestão direta do governo poderia ser visto como um precedente de descentralização de benefícios sociais, o que essa ala vê como contraproducente após o esforço feito pela unificação de programas no Bolsa Família.

Na visão do governo, o cenário ideal é constituir o fundo ainda em 2023, para que o próximo ano letivo já comece com a garantia do incentivo aos alunos.

Colaborou Paulo Saldaña, de Brasília

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