Cemitérios de SP ainda têm lixo e invasões oito meses após concessão

Problemas de zeladoria são observados nos maiores cemitérios da cidade; OUTRO LADO: concessionárias dizem investir em reformas, limpeza e contratação de pessoal

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São Paulo

Prestes a completar oito meses sob concessão da iniciativa privada, cemitérios municipais de São Paulo ainda convivem com problemas crônicos como falta de zeladoria e invasões, além de relatos de cobranças abusivas. No primeiro Dia de Finados sob administração das empresas, o paulistano deve se deparar com acúmulo de lixo e estrutura precária em parte dos 22 cemitérios concedidos.

A Folha foi aos maiores cemitérios administrados por cada uma das quatro concessionárias do serviço funerário municipal: Vila Formosa (zona leste), Vila Nova Cachoeirinha (zona norte), São Luiz (zona sul) e Campo Grande (zona sul). Em todos viu pilhas de entulho e pedaços de lápides amontoados. Também encontrou algum tipo de invasão em quase todos, exceto no da zona sul.

Por contrato, as empresas têm até 2027 para concluir obras obrigatórias. Algumas obras de reforma já estão em curso, especialmente nas áreas administrativas e salas de velório. Segundo usuários ouvidos pela reportagem, as únicas mudanças visíveis são pintura nova, instalação de bebedouros e grades e mais funcionários.

Entulho no Cemitério da Vila Formosa, nesta terça (31); reportagem encontrou mato alto, sujeira e até uma barraca, armada em ponto isolado do local - Danilo Verpa/Folhapress

No cemitério São Luiz, a própria reforma estragou uma área de túmulos. A tinta branca aplicada em muretas de concreto que dividem algumas covas manchou lápides e apagou os nomes de quem está enterrado ali. O mesmo local tem monumentos pichados e lixo sobre os muros que separam o cemitério e a rua.

Uma invasão de usuários de drogas persiste num canto do terreno do cemitério Vila Nova Cachoeirinha, com lixo espalhado pelo chão. Algumas covas estão a menos de 20 metros do ponto onde o grupo se concentra, e o local é cercado pela favela do Boi Malhado.

Há cinco meses, três pessoas que dormiam em barracas nessa área do cemitério receberam um ultimato para que se retirassem em 24 horas. A Cortel, concessionária responsável pelo Vila Nova Cachoeirinha, reconstruiu um muro de concreto que separa a favela e o cemitério, mas a estrutura foi parcialmente derrubada.

Os sem-teto continuam frequentando o local, ainda que sem barracas, e dizem que agora são obrigados a deixar o terreno ao escurecer.

Elisângela, 34, é uma das frequentadoras do local e diz que cerca de 30 pessoas passam por ali diariamente, formando uma espécie de minicracolândia. Na tarde de segunda (30) ela havia acabado de atravessar o muro caído em direção à favela quando foi atacada, com socos no rosto, por outra mulher que frequenta o local. Um funcionário do cemitério, que pediu para não ser identificado, disse que as brigas ali são constantes.

Em nota, a Cortel afirma que manter as melhorias no cemitério "tem sido um desafio pela sensibilidade que envolve a relação digna que procura manter com cidadãos em situação de vulnerabilidade social que convivem na parte externa". No Vila Formosa e no São Luiz, a reportagem encontrou barracas de lona armadas, mas nenhum sinal dos ocupantes.

Segundo Vanusa Oliveira, 41, o velório de sua sogra no cemitério Campo Grande teve um atraso de três horas e uma cobrança abusiva por parte da concessionária, o Grupo Maya. Ela diz que a empresa tentou cobrar R$ 528 por hora de aluguel da sala de velório. Por contrato, porém, o valor é suficiente para ao menos seis horas de cerimônia.

"Eu e minha cunhada ficamos indignadas", diz Vanusa. A família acompanhou o enterro ao lado de uma pilha de terra revirada, pedaços de papelão molhado e entulho.

Questionada sobre o caso na tarde desta terça (31), por e-mail, o Grupo Maya não respondeu até a publicação deste texto. A empresa não disponibiliza outro meio de contato.

Na Vila Formosa, maior cemitério do país, a concessionária está construindo um novo nicho mortuário, próximo à área dos velórios, além das reformas no equipamento. No local ainda há, no entanto, lápides vandalizadas, pilhas de entulho, vias esburacadas e até animais mortos em decomposição pelo terreno.

Usuários do cemitério notaram melhorias no prédio administrativo, mas dizem que o cuidado não se aplica à conservação das lápides.

"Não existe trabalho de jardinagem aqui, está cheio de mato alto, lixo, está tudo largado", reclama a dona de casa Daniele Lima Pereira, 37, que há três anos perdeu a mãe, vítima da Covid-19. "É meu marido que tem que vir cuidar do túmulo, porque os funcionários aqui não cuidam."

No São Luiz, apesar das pilhas de lápides quebradas e um equipamento pichado, a reportagem também encontrou funcionários trabalhando na pintura e jardinagem.

Isso tudo ocorre após a concessão resultar em aumento dos preços de serviços funerários básicos para a população —o velório mais simples passou de R$ 299,85 para R$ 1.443,74. Esses valores estão previstos no contrato feito com a Prefeitura de São Paulo e valem para famílias que ganham mais do que três salários mínimos.

A prefeitura já recebeu dois alertas do TCM (Tribunal de Contas do Município) por causa de problemas após as concessões dos cemitérios. O tribunal encontrou desde falhas de segurança e limpeza até falta de clareza nas informações sobre gratuidades previstas em lei.

A privatização prevê, por exemplo, gratuidades para famílias que ganham até três salários mínimos. Além disso, há o funeral social, que garante preços menores a quem não tem condições de pagar os valores no ato do velório e recebe um prazo de 60 dias para pagar a taxa mínima ou se cadastrar em programas sociais.

Os mais afetados pelo aumento de preços, assim, são os paulistanos de renda baixa ou média que não se encaixam nesses casos e decidem usar os serviços mais baratos disponíveis.

Há também um inquérito civil aberto em julho pelo Ministério Público de São Paulo para investigar possíveis violações à política de gratuidade nos enterros. O órgão afirma que ainda aguarda as respostas das empresas sobre o atendimento em cada um dos 22 cemitérios municipais.

Responsável pelo cemitério da Vila Formosa, a Consolare afirma que contratou 32 novos colaboradores para varrição e recolha de resíduos, "número que representa o dobro de funcionários que realizavam esse trabalho no local antes da concessão". A empresa diz que já investiu R$ 17 milhões nos seis cemitérios que administra e que vai apurar a origem do lixo, uma vez que a limpeza é diária. Afirma ainda que não encontrou pessoas em situação de rua dentro do terreno.

A empresa também ressalta que a responsabilidade pela conservação dos jazigos é das famílias, segundo decreto municipal de 2020, e que realiza campanha permanente "para que os munícipes mantenham seus dados cadastrais atualizados, com a finalidade de tornar efetiva a comunicação".

Sobre o cemitério São Luiz, a empresa Velar SP diz que as lápides manchadas de tinha "já foram devidamente limpas" e que a pintura dos equipamentos ocorreu em três ocasiões (abril, junho e outubro). "Toda vez que atos de vandalismo forem identificados, os devidos reparos serão realizados de imediato."

A Cortel afirma que atua em conjunto com a Subprefeitura da Casa Verde e "tem monitorado as pessoas que se utilizam de barracas do lado externo do cemitério, a fim de levar diagnósticos para viabilizar soluções junto à prefeitura". Afirmou, ainda, já ter retirado mais de 830 toneladas de lixo do local.

Agência responsável pela supervisão das concessões do município, a SP Regula disse que tem feito a fiscalização dos cemitérios junto com o serviço funerário.

O órgão disse ainda que analisa "caso a caso todos os processos, solicitando esclarecimentos às concessionárias, até que sejam tomadas as providências cabíveis, dessa forma fiscalizando, advertindo, notificando e multando caso haja necessidade."

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