Descrição de chapéu violência Quilombos do Brasil

Morador de quilombo insuflou traficantes a matarem Mãe Bernadete, diz polícia

Cinco pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público pelo assassinato da ialorixá em agosto

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Salvador

O assassinato da líder quilombola e ialorixá Bernadete Pacífico, 72, a Mãe Bernadete, teria sido motivado pelo enfrentamento a interesses de uma facção do tráfico de drogas e teria sido insuflado por um morador da comunidade quilombola Pitanga dos Palmares envolvido com extração ilegal de madeira.

Essa é a conclusão das investigações conduzidas pela Polícia Civil da Bahia sobre a morte da líder quilombola, assassinada em 17 de agosto com 25 tiros na casa que funcionava como sede da associação do quilombo, em Simões Filho, cidade da Grande Salvador.

Foto mostra mulher negra sentada em uma cadeira, Ela usa um turbante e veste uma roupa colorida
Bernadete Pacífico era líder quilombola na Bahia e coordenadora da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) - Conaq/Divulgação

O Ministério Público da Bahia ofereceu denúncia contra cinco pessoas supostamente envolvidas no crime. Elas foram denunciados por homicídio triplamente qualificado por motivo torpe, com uso de arma de fogo e sem chance de defesa da vítima.

Suspeitos de integrarem a facção criminosa Bonde do Maluco, uma das mais violentas da Bahia, Marílio dos Santos e Ydney Carlos dos Santos de Jesus são apontados como mandantes do assassinato da ialorixá.

Arielson da Conceição Santos e Josevan Dionísio dos Santo, que seriam ligados à mesma facção, são suspeitos de executar o crime. Sérgio Ferreira de Jesus, morador do quilombo, teria incentivado o grupo e atuado para facilitar a ação dos criminosos após uma querela com a ialorixá.

As investigações apontam ainda que Sérgio Ferreira explorava ilegalmente madeira dentro da comunidade quilombola Pitanga dos Palmares e, dias antes do crime, havia sido repreendido por Mãe Bernadete, com quem teve uma discussão. Ele era padrasto de Marílio, apontado como um dos mandantes do crime,

"Mãe Bernadete tinha uma preocupação e um cuidado com o quilombo, ela não aceitava nada que fosse ilegal, nada que fosse indevido", afirma a delegada geral da Polícia Civil da Bahia, Heloísa Brito. Ela diz que a postura Mãe Bernadete na defesa do território fez com que o suspeito incitasse os traficantes locais a matarem a ialorixá.

A líder quilombola também lutava contra a instalação de um bar chamado Pitanga Point City, que estava sendo erguido por traficantes para a realização de festas. A barraca foi erguida nas margens de uma represa em uma área de preservação permanente.

A investigação apontou que, após a discussão com Mãe Bernadete, Sérgio Ferreira enviou áudios aos líderes do tráfico dizendo que a líder quilombola teria acionado a polícia para impedir instalação do bar dentro da área de preservação.

Depois disso, apontam os investigadores, a morte da líder quilombola teria sido ordenada por Marílio dos Santos e Ydney Carlos dos Santos de Jesus.

Sérgio e Arielson foram presos em setembro por suspeita de participação no crime. Josevan e Marílio estão foragidos, sendo que o último tem quatro mandados de prisão em aberto. Já Ydney teve o pedido de prisão preventiva deferido pela Justiça.

Um sexto suspeito de envolvimento, que teria guardado as armas usadas no crime e dado apoio à fuga de um dos atiradores, foi indiciado em outro inquérito.

A líder quilombola já havia recebido ameaças e fazia parte de um programa de proteção a defensores de direitos humanos do Governo na Bahia. Câmeras foram instaladas na sua casa e no entorno, e policiais faziam visitas periódicas ao local, mas não havia vigilância constante.

Advogados e familiares de Mãe Bernardete tiveram uma reunião na tarde desta quinta-feira (16) com a equipe da Polícia Civil responsável pelas investigações. A família questiona a possível participação de mais pessoas da facção criminosa como mandantes do crime.

O advogado David Mendez afirma que a defesa da família deve mover uma ação indenizatória contra o estado da Bahia e a União contra o que chamou de "falhas grotescas" do programa de proteção a defensores de direitos humanos ao qual a líder quilombola estava submetida.

"Frustradas as tratativas administrativas, resta à família apenas a via judicial, o que representa um verdadeiro absurdo em se tratando de dois governos [federal e estadual] sob comando do Partido dos Trabalhadores, dito companheiro das comunidades tradicionais brasileiras", afirma Mendez.

Bernadete Pacífico era coordenadora nacional da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) e liderava o Quilombo Pitanga dos Palmares. Trabalhava havia anos denunciando a violência contra a população quilombola e as tentativas de tomada das terras.

Após o assassinato de seu filho Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, em 2017, a luta contra ataques a terreiros e assassinatos de lideranças religiosas de matriz africana se intensificou. Conhecido como Binho do Quilombo, ele era um dos líderes quilombolas mais respeitados da Bahia.

Filho de Mãe Bernadete, Jurandir Wellington Pacífico afirmou, após a morte, que a mãe recebia ameaças havia pelo menos seis anos.

A líder quilombola estava com os netos quando dois homens chegaram usando capacetes e abordaram a família. Os netos foram trancados em um quarto, e Mãe Bernadete foi morta.

Bernadete foi secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Simões Filho na gestão do então prefeito Eduardo Alencar (PSD), irmão do senador Otto Alencar (PSD).

Em julho, ao lado de outras líderes quilombolas, ela participou de um encontro com a então presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministra Rosa Weber, na comunidade Quingoma, na cidade de Lauro de Freitas. Na ocasião, Mãe Bernadete afirmou que era ameaçada por fazendeiros.

"É o que nós recebemos, ameaças. Principalmente de fazendeiros, de pessoas da região. Minha casa é toda cercada de câmeras, eu me sinto até mal com um negócio desse", afirmou.

Desde o início das investigações, cerca de 80 pessoas prestaram depoimento e foram cumpridas 20 medidas cautelares deferidas pelo Poder Judiciário. Também foram analisados 14 laudos periciais, entre os quais os que confirmaram que as armas apreendidas foram de fato usadas no crime.

Além de reconhecimento dos autores por parte das testemunhas, a autoria também foi confirmada por meio da confissão de um dos executores.

O projeto Quilombos do Brasil é uma parceria com a Fundação Ford.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.