Descrição de chapéu Obituário Eduardo Rodrigues de Oliveira e Silva (1946 - 2023)

Mortes: O arquiteto que projetou músicas e instrumentos

Edu Viola era músico, arranjador, construtor de instrumentos e arquiteto de formação

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Edu Viola durante o lançamento de seu LP, 'Psilocibina', na Fatiado Discos, em 2018

Edu Viola durante o lançamento de seu LP 'Psilocibina', na Fatiado Discos, em São Paulo, em 2018 Fernando Solidade Soares/Temporal Filmes/Divulgação

São Paulo

No ano de 1975, Edu Viola era apenas um jovem arquiteto do departamento de edifícios e obras públicas do estado de São Paulo, quando chegou à sua mesa um pedido que mudaria sua vida. Deveria realizar um projeto de construção de uma delegacia na rua Aurora. O problema é que, para erguer o atual 3º DP, era necessário demolir justamente a casa onde nascera Mário de Andrade.

Apaixonado pela obra do modernista, aquele foi o estopim para que Edu largasse a prancheta de uma vez por todas. Tornou-se conhecido na cena artística underground paulistana como músico, compositor, arranjador, criador de instrumentos e disputado luthier.

Filho de uma cantora lírica e de um artesão, Viola encontrou dentro de casa as habilidades que forjaram sua carreira. Constança Guedes Rodrigues e Silva, a mãe, conheceu Mário de Andrade e cantou para Villa-Lobos. "Quando eu era menino, minha mãe me escolheu para ser cantor", disse certa vez.

Do pai, Josué Rodrigues Oliveira e Silva, indígena e artesão do Cariri cearense, herdou as habilidades manuais. Ainda pequeno, aprendeu a manusear ferramentas e a trabalhar a madeira. Dizia com orgulho que era um "liutaio", o correspondente em italiano para o termo francês luthier, que designa aqueles que constroem e reformam instrumentos musicais.

Edu posa para as lentes do fotógrafo e amigo Ab Alves com a sua principal invenção, a 'lirola', em 1982 - Ab Alves/Divulgação

Dentre suas criações está a lirola. No corpo de uma lira o artesão estruturou os braços dos três tipos de viola brasileira —a nordestina, de sete cordas, a paulista, com dez cordas, e a mineira, que tem 12 cordas.

Antes de ser músico e arquiteto, Edu Viola foi cabeleireiro. Ao cumprir o serviço militar, recebeu diversas condecorações como campeão de tiro. A ligação com o Exército, contudo, acabaria tão logo ingressasse na USP. Entrou para a Faculdade de Arquitetura, onde estudou com o cartunista e amigo Paulo Caruso, em 1968. Na cidade universitária participou dos movimentos estudantis de esquerda e lutou contra a ditadura (1964-1985).

No ano de 1969, fez parte do elenco da cultuada produção de "Hair". Sob direção de Ademar Guerra, o musical marcou época nos teatros São Pedro e Bela Vista. Tocou guitarra e viola no lendário grupo Sindicato, com Tadeu Passarelli, Ricardo Petraglia, Edu Rocha e Gigante Brazil, seus grandes amigos. Ao lado de Passarelli, fez trilhas sonoras, musicais e peças.

Na década de 1980, dividiu palcos com a cantora Patrícia Calypso, como em A Fábrica do Som (1983), programa musical da TV Cultura que era gravado no Sesc Pompeia. Gravou álbuns como "O Direito ao Avesso" (1980) e "Psilocibina" (2018), disco que teve origem no filme "Procura-se" (2008), do diretor Rica Saito, inspirado em sua vida e obra.

Atuou com os maestros Jamil Maluf, Murilo Alvarenga e Paulo Herculano e diretores como Bibi Ferreira, Jonas Bloch, Flávio Rangel, Chico de Assis e Silnei Siqueira, além de trabalhar com nomes como Hermeto Pascoal e Renato Russo.

Estudioso da obra de Mário de Andrade, em 1994 musicou, para uma montagem da diretora Isabel Setti, a ópera "Café", escrita pelo modernista na década de 1940. Também participou das produções "De Bandeira a Zumbi, com Mário nos Lábios" (1993), "Arlequinadas Polifônicas" (1993), com o grupo Cálamo, e "Viola Antropofágica" (2023), sempre ao lado da artista plástica Lou Calheiros.

Ainda em 1994, coordenou o projeto de restauração dos instrumentos do acervo do museu folclórico da Discoteca Oneyda Alvarenga, do Centro Cultural São Paulo. Nos anos 2010, participou do "Hotel da Loucura", projeto de arte e saúde mental criado pelo médico e ator Vitor Pordeus, no Instituto de Assistência à Saúde Nise da Silveira, conhecido como Hospício do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro.

Neste ano, fez uma participação especial na série "As Aventuras de José & Durval", interpretando um construtor de instrumentos musicais que consertou a viola do pai de Chitãozinho e Xororó. Sua própria casa serviu de locação para as cenas.

Situada no bairro do Paraíso, a casa é tomada por instrumentos musicais em todos os cantos e sempre foi ponto de encontro de velhos e novos artistas, que ali paravam para arquitetar a construção de boas notas musicais e muita amizade.

Edu morreu no dia 1º de novembro, aos 77 anos, vítima de um câncer. Deixa Maureen, Lou, Joana, Rodrigo, Caetano, noras e netos.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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