Sem luz, maior favela do Rio sofre com onda de calor

Moradores da Rocinha precisam subir até nascente no alto do morro para tomar banho

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Ramon Sahmkow
Rio de Janeiro | AFP

Um a um, moradores buscam água fresca em um cano no alto da Rocinha, a maior favela do Rio de Janeiro, na tentativa de suportar a recente onda de calor agravada pela falta de energia elétrica.

Há vários dias, parte da região central e o Sudeste do país sofrem com temperaturas elevadas e atípicas para a primavera, com sensações térmicas de até 59,3ºC, marca que foi registrada no Rio de Janeiro na sexta-feira (17), um recorde desde o início das medições em 2014, segundo o Alerta Rio, até os 59,7°C deste sábado (18).

foto mostra, em primeiro plano, de cima para baixo, cano que verte água sobre a cabeça de um jovem. é possível ver folhas verdes ao redor, em primeiro plano
Morador da Rocinha toma banho com água de fonte no topo do morro - Tercio Teixeira - 17.nov.2023/AFP

Especialistas reconhecem que os efeitos são mais agudos nos bairros mais pobres, com elevada densidade populacional e habitações precárias separadas apenas por passagens estreitas.

"É muito quente, agoniante, a luz faltando toda hora, sem água. Aqui graças a Deus não faltou ainda. Daqui pouco vai acabar", disse à AFP Renato de Oliveira, um vendedor de 44 anos, após se refrescar com uma mangueira.

'Uma sauna'

Dentro das casas sem isolamento térmico e mal-ventiladas, a situação só piora. "Gera uma sensação de sauna", disse André Cândido, morador da Rocinha. Sob o sol quente do meio-dia, vários pedreiros suados combatem as altas temperaturas "bebendo muita água" e tomando banho de mangueira quando podem, afirma Kleber Vital, um desses trabalhadores.

Devido à falta de energia elétrica, nem mesmo a noite dá trégua, o que obriga Kleber a dormir com as portas e janelas abertas.

Os moradores da Rocinha vivem em casas baixas, com pequenas janelas e telhados metálicos, que não são adequadas para condições de muito calor, segundo Denise Duarte, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Durante a semana, moradores protestaram contra os cortes de energia, que alguns dizem estar relacionado ao aumento do consumo e ao crescimento desordenado da Rocinha.

Teias de cabos pendurados em postes de fiação pública mostram conexões elétricas informais no local.
Nem mesmo "um ventiladorzinho para poder amenizar estão podendo ligar, porque não tem luz", lamenta André Cândido.

O marceneiro Benedito de Freitas, 68, diz que as falhas elétricas causam muito sofrimento e cita casos de crianças e idosos que adoeceram com o calor ou passaram fome por causa dos alimentos estragados em em geladeiras inutilizadas pela falta de luz.

Alguns sobem até o topo do morro, uma área arborizada mais ventilada, para buscar água ou tomar banho com a água que sai de um cano em meio à folhagem. "Essa fonte aqui é uma bênção", diz Benedito.

Adaptação ao calor extremo

Nos últimos meses, o Brasil tem vivido o impacto das condições climáticas extremas que os especialistas atribuem ao aquecimento e ao fenômeno El Niño, como altas temperaturas, uma seca histórica no Norte e chuvas intensas acompanhadas de ciclones no Sul do país.

Adaptar as comunidades ao calor extremo é uma "tarefa de um século para o Brasil", segundo Denise Duarte. Mas as autoridades poderiam começar construindo grandes espaços públicos que sirvam de abrigo em momentos críticos, diz ela.

A médio prazo, poderiam ainda "rearranjar" as casas em edifícios de altura média para comportar várias famílias e liberar espaço para plantar árvores, acrescenta. Mas nas favelas íngremes do Rio, isso também apresenta seus próprios desafios.

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