Descrição de chapéu
Camila Maleronka

Nova Lei de Zoneamento vai dificultar a vida de quem mora em São Paulo

Se o acesso à moradia e a ampliação de áreas verdes na cidade não pautaram essa revisão, o que teria pautado?

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Camila Maleronka

Doutora em Urbanismo e professora do Insper

São Paulo

O zoneamento é um instrumento de política urbana originalmente criado sob a lógica funcional, para segregar usos e organizar as atividades na cidade. Aglomeração urbana gera poluição, barulho, congestionamento. Era esse tipo de problema que o zoneamento se propunha a resolver, por exemplo, separando áreas residenciais de industriais. Mais recentemente, usos mistos, integração social e adaptação climática entraram na agenda do zoneamento e do planejamento urbano contemporâneos.

A revisão do zoneamento aprovada nesta quinta-feira (21) em São Paulo pouco tem a dizer sobre quaisquer destas questões, sejam as históricas, de segregação de funções, sejam as contemporâneas, vinculadas à noção de desenvolvimento urbano sustentável. Orientada pelo atendimento de demandas pontuais, a lei parece não responder a temas urgentes para a organização da cidade, como acesso à habitação, mobilidade e qualidade ambiental. Em linha com a revisão do Plano Diretor aprovada em junho, as novas alterações devem contribuir para dificultar ainda mais a vida de quem mora e usa a cidade.

Vista aérea da região da avenida Assis Ribeiro, próximo à estação Engenheiro Goulart da CPTM - Zanone Fraissat - 20.jun.2023/Folhapress

Ampliam-se as áreas passíveis de verticalização e perde força a estratégia de direcionar novos empreendimentos para os eixos, onde há oferta de transporte massivo. Flexibiliza-se a regra para estacionamentos e perde força a estratégia de desestímulo ao transporte individual. Habitação social disputa espaço com áreas de preservação: ninguém ganha com isso. A inclusão residencial —braço frágil da estratégia de adensamento nos eixos— não é objeto da revisão. O impacto da verticalização recente sobre bairros consolidados, tampouco. Propostas relacionadas a eventos climáticos extremos mal são mencionadas.

Se o acesso à moradia e a ampliação de áreas verdes na cidade não pautaram essa revisão, o que teria pautado? As mudanças aprovadas parecem antes guiadas por pleitos particulares que por avaliações baseadas em evidências sobre o desempenho da legislação vigente.

Ao definir o que e quanto pode ser construído em cada pedaço da cidade, o zoneamento modifica o valor dos terrenos urbanos e a gestão da valorização da terra, é política pública. Porém, mesmo com a "justa distribuição dos benefícios e ônus do processo de urbanização" e o "retorno para a coletividade da valorização de imóveis decorrente dos investimentos públicos e das alterações da legislação de uso e ocupação do solo" encabeçando a lista de diretrizes do plano diretor, benefícios individuais foram a tônica das discussões públicas que integraram este processo de revisão.

Conceitualmente, a valorização gerada por ações públicas —como a mudança do zoneamento— deve ser recuperada e revertida em benefício público. Há instrumentos para isso. Contudo, ao invés de corrigir distorções nesse sentido, esta revisão parece estar legitimando a apropriação privada de valores criados pública e coletivamente.

Claro que o valor dos imóveis é tema de interesse de seus proprietários. Contudo, valorizar imóveis privados não é função pública. Pelo contrário, o poder público tem o dever de distribuir de modo equilibrado os atributos de qualidade no território urbano, contemplando o conjunto da cidade e seus cidadãos. O zoneamento poderia ter sido calibrado com este sentido, mas não foi, mais uma oportunidade perdida para a história do planejamento urbano de São Paulo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.