Novo zoneamento exclui 747 áreas de verticalização sem limite, mas pode ampliar prédios em bairros

Projeto será apresentado nesta segunda (4) em meio a incerteza sobre regra a ser aplicada perto de estações do metrô e corredores de ônibus em SP

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Imagem mostra prédios com formas distorcidas por estarem refletidos em janelas de um edifício

Edifício reflete paisagem do bairro Perdizes, na zona oeste, onde verticalização avança de forma mais intensa desde o Plano Diretor de 2014 Danilo Verpa - 21.jul.2023/Folhapress

São Paulo

A proposta de revisão da Lei de Zoneamento que será apresentada pela Comissão de Política Urbana da Câmara de São Paulo nesta segunda-feira (4) possui até o momento 747 áreas bloqueadas contra a regra do Plano Diretor que não limita a altura de prédios nos arredores de estações de metrô e de trem e dos corredores de ônibus.

As quadras excluídas ainda poderão, no entanto, receber prédios significativamente altos. Outras, com zoneamento mais restritivo, aparecem agora dentro dessas zonas de exclusão.

Moradores de bairros sobre os quais a verticalização está avançando temem que a mudança facilite a construção de grandes edifícios em ampla porção da cidade.

Somadas, essas zonas de exclusão possuem 13,4 km², algo próximo do tamanho de São Caetano do Sul. O município da região metropolitana tem 15,4 km². Estão fora desta conta os entornos de 1.042 vilas, onde arranha-céus também não serão permitidos.

Imagem mostra um grande guindaste sobre um edifício em construção, com diversos prédios ao fundo
Construção de prédio na avenida Sumaré, em Perdizes, bairro que passa por grande onda de verticalização - Danilo Verpa - 21.jul.2023/Folhapress

Relator da proposta, o vereador Rodrigo Goulart (PSD) disse à Folha nesta quarta (29) que áreas excluídas das ZEUs (Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana) –onde não há gabarito para edifícios– receberão regras de zoneamento parecidas com o entorno ou as mais adequadas à característica do bairro.

"Onde há exclusões, provavelmente, o que vai valer será o zoneamento lindeiro ou o que mais couber a cada um dos casos", disse Goulart. "Estamos estudando isso em conjunto com a Smul [Secretaria de Urbanismo da Prefeitura]."

A exclusão de algumas quadras vale para locais com barreiras urbanas, naturais ou elementos que dificultem o trânsito de pedestres, como ladeiras íngremes. É, por exemplo, o caso da Vila Madalena. O bairro da zona oeste tem dezenas de quadras que aparecem bloqueadas contra ZEUs no mapa prévio da Câmara.

Existem, porém, diferentes tipos de zonas no entorno dessas quadras. Algumas são ZPRs, as zonas predominantemente residenciais onde a altura máxima de edifícios é de dez metros.

Há também nos arredores diversos quarteirões marcados como ZMs (zonas mistas), cuja altura máxima dos edifícios é de 28 metros, e algumas ZCs (zonas de centralidade), que permitem prédios de 48 metros.

Na proposta de revisão apresentada neste ano pela Smul, a prefeitura sugere que as áreas com gabarito ilimitado sejam trocadas por aquelas com limitação de 48 metros, na maioria dos casos, pois há exceções por critérios ambientais, urbanos e culturais. Isso poderá mudar na Câmara, como adiantou o relator.

Incertezas sobre o tipo de construção que será permitida nas ZEUs excluídas motivou moradores de diversos bairros do entorno da Vila Madalena a apresentarem à Câmara uma proposta com zoneamento mais restritivo do que o atual.

Movimentos organizados de bairros como Sumarezinho, Vila Anglo-Brasileira, Jardim Vera Cruz e Perdizes pedem a regressão de ZEU para ZM em todo o entorno do metrô Vila Madalena, por exemplo. Na prática, isso limitaria empreendimentos ainda não registrados ao gabarito de 28 metros.

Integrante desse grupo, o arquiteto Francisco Luiz Scagliusi diz que a proposta busca frear a verticalização que mudou drasticamente características do bairro desde a criação das ZEUs pelo Plano Diretor de 2014, aprovado na gestão de Fernando Haddad (PT).

"A Vila [Madalena] cresceu muito com esse processo de adensamento construtivo e populacional, além do crescimento dos setores de comércio e de serviços", comenta Scagliusi. "Não bastasse essa situação, as ruas do bairro viraram rotas de passagem [de veículos] porque as vias arteriais do entorno estão saturadas."

Estratégia central para incentivar a produção de moradias perto de áreas abastecidas de transporte público, o plano da gestão Haddad deu incentivos econômicos a empreendedores imobiliários para que construíssem nas ZEUs.

Neste ano, a revisão aprovada pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) ampliou esses estímulos. O mais importante deles é a permissão para que se construa diversas vezes a mais do que a área do terreno.

A ideia é simples. O retorno financeiro sobre o terreno é maior quando se pode construir mais apartamentos, salas comerciais e lojas para venda ou locação. Isso torna interessante a compra de áreas, até mesmo as mais caras, para a construção de prédios.

A urbanista Lucila Lacreta, diretora-executiva do Movimento Defenda São Paulo, critica o mecanismo. "Na época [do plano de 2014], a maioria da população não captou o resultado dessa proposta. Deu no que deu: bairros dizimados, não houve estudo de impactos, e o resultado foi um desagrado total", diz Lacreta. "As pessoas perderam a identidade dos seus bairros e, neles, usos que eram bons para a qualidade de vida."

O Secovi-SP, que representa construtores e incorporadores paulistas, disse que não tinha porta-voz disponível para comentar as questões apontadas pelos movimentos de bairros.

Quem defende a expansão da verticalização nos eixos costuma apontar a necessidade de criar mais moradias, comércio e serviços em áreas fartamente abastecidas de infraestrutura urbana, sobretudo, de transporte público.

Há questionamentos, porém, sobre o resultado desta política. A gestão Nunes apontou como um dos defeitos do atual Plano Diretor o incentivo proporcionado à proliferação de microapartamentos em áreas valorizadas.

Plano Diretor ampliou espaço para arranha-céus

Aprovada no final de junho pelo Legislativo municipal, a revisão do Plano Diretor possibilitou o aumento do raio das ZEUs (Zonas Eixo de Estruturação da Transformação Urbana) de 600 para 700 metros no entorno de estações de metrô e trens. Também aumentou essas zonas nas faixas que contornam corredores de ônibus, que passaram de 300 para 400 metros. Os eixos também podem ser chamados pela sigla EETU.

Prédios construídos nessas áreas não têm limite de altura, mas ainda possuem tamanhos restringidos pela relação entre terreno e área construída.

A relação é representada pela sigla CA (coeficiente de aproveitamento). Quando a construção pode aproveitar apenas uma vez a área do terreno, diz-se que o coeficiente de aproveitamento é igual a um ou, simplesmente, CA1.

Edifícios residenciais que possuam unidades voltadas para a habitação social podem construir até seis vezes a área do terreno, portanto, um CA6.

O potencial construtivo pode aumentar ainda mais se existirem lojas na fachada do prédio, escritórios, diferentes tipos de moradia popular –Habitação Social 1 e 2 (renda familiar de até 3 ou até 6 salários mínimos) e de Mercado Popular (renda de 6 a 10 salários mínimos)—, entre outros incentivos criados pelo Plano Diretor.

Estima-se que seria possível alcançar algo próximo de um CA12, ou seja, um prédio com área construída quase 12 vezes o tamanho do terreno.

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