Nunes vai barrar regras da Lei de Zoneamento que espalham prédios em São Paulo

Mudanças em tombamentos e construções em área ambiental serão vetadas; prefeito avalia também impedir edifícios mais altos

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São Paulo

A revisão da Lei de Zoneamento aprovada pela Câmara Municipal no final de dezembro será publicada com vetos do prefeito Ricardo Nunes (MDB) a pontos que poderiam estimular o mercado imobiliário a espalhar prédios em áreas afastadas de corredores de ônibus e estações de metrô.

Nunes confirmou nesta quinta-feira (18) que vetará a possibilidade de ampliação da área dentro de zonas de proteção ambiental em que se pode construir as chamadas habitações de interesse social.

Ele também disse que vai barrar um dispositivo que interfere na autonomia do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental) para tombar imóveis na cidade. A Folha já havia antecipado que esses dois pontos poderiam ser vetados.

Imagem mostra uma linha de prédios destorcidos por estarem projetados nos vidros de outro edifício
Prédios refletidos em edifício no entorno da avenida Sumaré, na zona oeste de São Paulo; região passa por onda de verticalização - Danilo Verpa - 21.jul.2023/Folhapress

O prefeito ainda disse que estuda vetar a permissão para construção de prédios mais altos nas ZM (Zonas Mistas) e ZC (Zonas de Centralidade), porque há risco de que essa modificação desestimule o adensamento das regiões onde há maior oferta de transporte público.

Um representante do poder público que discute o texto diretamente com Nunes disse nesta quinta que o prefeito está inclinado a também vetar este trecho. O novo texto da Lei de Zoneamento precisa ser sancionado nesta sexta-feira (19) e poderá ser publicado até este sábado (20), segundo a prefeitura.

Zonas Mistas e de Centralidade são áreas da cidade que, em linhas gerais, permitem a construção de edifícios medianos, mas ainda consideravelmente menores do que os autorizados nas ZEUs (Zonas Eixo de Estruturação da Transformação Urbana), que estão localizadas num raio de 700 metros das estações metroviárias e ferroviárias ou numa faixa de 400 metros com corredores de ônibus ao centro.

O mais importante nesta diferenciação é que desde 2014 a principal regra urbanística paulistana, o Plano Diretor, oferece incentivos para que o mercado prefira erguer edifícios mais perto do transporte coletivo. A ideia é colocar mais moradores em bairros que possuem mais infraestrutura, reduzindo deslocamentos e a pressão pela ampliação dos gastos com transporte.

Edifícios mais altos são vantajosos para quem os constrói, pois multiplicam os ganhos com as vendas de unidades habitacionais. Também é mais barato construir uma grande torre estreita em um terreno amplo do que, por exemplo, duas mais baixas no mesmo local.

Este é o ponto que preocupa Nunes. Caso a prefeitura aceite as modificações feitas pela Câmara, o mercado pode se interessar por construir mais nos miolos de bairros valorizados, normalmente concentrados no quadrante sudoeste da capital —onde estão Pinheiros, Moema e Jardins, por exemplo— e menos em outras áreas onde há oferta de transporte público, mas com menor demanda dos consumidores com maior capacidade de obter financiamento imobiliário.

"A gente quer que as pessoas construam nos eixos", disse Nunes, explicando que a política de estímulos à construção de habitação para pessoas com renda de até dez salários mínimos atingiu mais de 400 mil autorizações desde 2021, o que ele classificou como uma política habitacional bem-sucedida.

"Estou para definir levando em consideração essas duas questões: concorre mesmo com o eixo? Se concorre, em que grau?", comentou.

O prefeito também comentou que está considerando o argumento, defendido pelo setor imobiliário, de que a construção de prédios mais altos, porém mais estreitos, poderia melhorar a circulação de ar, oferecer mais áreas permeáveis e, desta forma, tornar a cidade mais preparada para ondas de calor extremo.

De acordo com a proposta aprovada pela Câmara, a altura máxima dos prédios nas Zonas Mistas poderá subir de 28 metros (equivalente a um prédio de nove andares, aproximadamente) para 42 metros (cerca de 14 andares). Nas Zonas de Centralidade, o limite vai de 48 para 60 metros (20 andares). Todos esses exemplos consideram o térreo como um andar. Nas Zonas Eixo, no entanto, não há limite de altura.

Relator da revisão da Lei de Zoneamento, o vereador Rodrigo Goulart (PSD) defende o texto da Câmara. Ele argumenta que as alterações inseridas só liberam a ampliação do gabarito nos casos em que há incorporação ao projeto de unidades voltadas à habitação de interesse social —para famílias com renda de até seis salários mínimos.

Goulart também argumenta que o coeficiente de aproveitamento, que é a quantidade de vezes em que se pode construir, é muito menor nas ZMs e ZCs quando comparado ao das ZEUS.

Nas primeiras são permitidas construções que, considerando todos os estímulos, podem chegar a cerca de três vezes o terreno. Nas ZEUs esse potencial pode chegar a cerca de dez vezes.

As medidas que Nunes já confirmou que irá vetar também permitiriam o espalhamento de prédios, como é o caso dos tombamentos pelo órgão de preservação do patrimônio.

A Câmara, no texto da revisão, trazia para si a função de decidir sobre o tema. O Conpresp, que é o conselho municipal de preservação do patrimônio, passaria a ter a função de formular projetos que seriam submetidos aos vereadores.

Outro trecho da lei cria prazo de 180 dias para que áreas no entorno de prédios alvo de tombamento fiquem preservadas até a aprovação da lei. Se esse prazo acabar antes da aprovação do tombamento, o entorno perde a preservação.

Tombamentos são atualmente a principal ferramenta de grupos organizados de moradores para impedir a demolição de casas para a construção de prédios. Em São Paulo, os imóveis tombados estão concentrados em bairros de maior renda, justamente aqueles que mais interessam ao mercado imobiliário.

Arquitetos e urbanistas e outros especialistas envolvidos com o planejamento da cidade têm afirmado que a aprovação do projeto da Câmara trará sérios prejuízos à qualidade de vida e desenvolvimento da cidade.

Nesta quinta, um manifesto a favor de vetos à revisão foi assinado por Candido Malta Campos Filho, secretário de Planejamento da gestão Olavo Setúbal (1975-1980), Regina Meyer, diretora de patrimônio na gestão Mário Covas (1983-1986), Ivan Maglio, diretor de Planejamento de Marta Suplicy (2001-2004), Nabil Bonduki, relator do Plano Diretor de 2014, e Fernando de Mello Franco, secretário de Desenvolvimento Urbano de Fernando Haddad (2013-2016).

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