Descrição de chapéu Especial Férias

Rio São Francisco, ainda jovem e limpo, recebe quem vai à Serra da Canastra

Bioma com savanas e florestas guarda, além de belas paisagens, a nascente histórica do Velho Chico

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Paisagem do cerrado na Serra da Canastra, em Minas

Início do rio São Francisco na Serra da Canastra, em Minas Gerais Roberto de Oliveira/Arquivo pessoal

Vargem Bonita (MG)

Da sacada do bangalô da pousada, é possível avistar a cinco metros de distância cardumes a deslizar por águas límpidas e transparentes de um pequeno córrego de cor esverdeada. É o rio São Francisco, ainda jovem Chico, nascido nas alturas da Serra da Canastra, a cerca de 40 km dali.

Estamos em Vargem Bonita, acolhedora cidade mineira, uma das primeiras a ser abraçada pelo São Francisco. Ao longo de sua jornada de 2.800 quilômetros, o rio atravessará cerca de 500 cidades em cinco estados brasileiros antes de encontrar as águas salgadas do oceano Atlântico, dividindo as fronteiras de Sergipe e Alagoas.

Chamado de "rio da integração nacional", o São Francisco desperta devoção tanto nas Minas Gerais quanto no Nordeste, região que o consagrou como o carinhoso apelido de Velho Chico.

Para que o rio pudesse ficar limpinho daquele jeito em Vargem Bonita, o município antes precisou se libertar do domínio do garimpo, dominante por aquelas terras nos anos 1930.

Bruno Vilela Goulart, 36, é o proprietário da Pousada Vale dos Diamantes, situada às margens do jovem Chico. Seu pai, uma presença constante na estalagem, desde a chegada do último hóspede, à noite, até o preparo do delicioso queijo da Canastra, servido no café da manhã, já foi garimpeiro.

O tio de Goulart também exerceu o ofício assim como o avô dele, que chegou a garimpar, mas logo se deslocou para o comércio, florescido na região junto à descoberta de diamantes.

Afinal, rememora o empresário, a cidade chegou a abrigar 30 mil pessoas em torno da exploração de pedras. Naquela época, era comum forasteiros carregarem os seus pertences dentro de maletas de couro, chamadas de canastra, nome dado à serra justamente devido a esse formato.

Quando o garimpo foi proibido, Vargem Bonita apelou para a agropecuária, ainda presente. Por ora, vive a expectativa de ver brotar o turismo como fonte econômica e de preservação da natureza. O jovem Chico, que hoje vemos correr por ali, só ficou limpo, de fato, a partir de 1995.

Atualmente com pouco mais de 2.000 habitantes, a cidade já tem uma modesta oferta hoteleira. Carece, sobretudo, de opções gastronômicas. A vantagem é que ela oferece acesso a duas das quatro portas de entradas do Parque Nacional da Serra da Canastra, sendo que a principal delas leva até a cachoeira Casca D’Anta, com 186 metros de altura, a estrela do lugar.

Partindo de Vargem Bonita, passamos por queijarias do famoso queijo Canastra, produzido há mais de 200 anos naquele território de chão batido, até a chegada à portaria 4 do parque.

São 22 km por uma estrada de terra, transitável inclusive por veículos comuns, sem tração nas quatro rodas, para atingir a entrada do parque que dá acesso à parte baixa da cachoeira. A partir dali, o percurso deve ser feito a pé. São cerca de 20 minutos de caminhada por uma trilha leve, inclusive para as crianças.

Cabe aos pais atenção especial nos trechos com pedras. Geralmente, esses são escorregadios, mesmo em dias de sol quente de inverno, po r causa de respingos d’água levados ao sabor do vento.

A outra portaria, a de número 1, fica mais próxima à cidade vizinha, São Roque de Minas. Leva ao poço em que brota a nascente histórica do rio São Francisco e à parte alta da cachoeira Casca d’Anta, em percursos de 12 km e 34 km, respectivamente, calcula o guia Patric Oliveira, 32, da Canastra Extremo.

Vale notar que existe uma portaria do parque em Sacramento, e uma área de visitação controlada pelo ICMBio, em Delfinópolis. Capitólio e São João Batista do Glória, outras cidades mineiras, também possuem parte de seus municípios inseridos nos limites do parque nacional, mas elas ainda não detêm espaços de visitação controlados pelo instituto, apenas particulares.

Com uma área de aproximadamente 2.000 quilômetros quadrados (área maior que a cidade de São Paulo), o parque situa-se no frágil e degradado bioma do cerrado. Nele, é possível observar diferentes tipos de formação como savanas, campos e florestas.

O Parque Nacional da Serra da Canastra abrange as bacias hidrográficas dos rios São Francisco, Grande e Paranaíba, além de ser um refúgio para animais ameaçados de extinção, como é o caso do lobo-guará, do tamanduá-bandeira e do pato-mergulhão.

Único pato pescador da América do Sul, o mergulhão é uma espécie criticamente ameaçada. Atualmente, só existe no Brasil, sendo que a Serra da Canastra é o território onde encontra-se a população mais expressiva e também a mais estudada.

No caminho rumo à nascente histórica do rio mais famoso do país, o trajeto é feito em utilitários 4x4, com paradas para contemplar o visual da serra.

No alto da Canastra, o Curral de Pedras, erguido manualmente, pedra sobre pedra, era utilizado para conter o gado durante a pernoite dos tropeiros. Esse lugar de descanso fica a cerca de 5 km da nascente histórica do rio, em um ambiente cercado por árvores do cerrado, repletas de pássaros. Ali, há chance de avistar também mamíferos, a exemplo do veado-campeiro.

Árvore de médio porte com vegetação típica do cerrado mineiro ao fundo. O céu está limpo e azul e vasto campo aberto.
Pequizeiro ao lado do Curral de Pedras, no Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais - Roberto de Oliveira/Arquivo pessoal

Sob a sombra, uma pausa aos amantes do turismo regenerativo para refletir sobre a importância de mantermos um parque como aquele.

Um dos maiores especialistas em fauna da Serra da Canastra, o biólogo Sávio Freire Bruno, 62, explica: "A riqueza de animais contribui para o turismo, consolidando a máxima de conservar a natureza é imprescindível para o desenvolvimento socioeconômico".

Segue ele: "Além de contribuir para a manutenção de ecossistemas, é um ótimo exemplo de atitude voltada ao desenvolvimento sustentável". Para ter uma ideia de toda essa biodiversidade, o biólogo explica que já foram catalogadas 38 espécies de mamíferos, com peso igual ou superior a 2 kg (em todo o cerrado, o total registrado até o momento é de 46), e mais de 400 espécies de aves.

De crista vermelha, restante do corpo coberto de penas pretas, um soldadinho faz seu canto ecoar pela mata ciliar do jovem Chico. É possível avistá-lo quando ele desce na beirada do rio clarinho para matar a sede, realçando as cores vivas dessa espécie também conhecida como tangará-rei.

No fim de tarde, com o Sol ensaiando despedida, dá para ver a imagem do passarinho refletida nas águas ainda calmas e claras do histórico rio.

De volta à acanhada localidade, quando a orquestra de insetos começa a tocar, e a cachorrada se silencia, é hora de se recolher após as nove badaladas no sino da igreja central. Como os mineiros de lá gostam de dizer, as noites são curtas, já os dias, longos, para serem agraciados sem pressa.

Para quem busca nesse conjunto de paisagens naturais uma imersão em água, pedra, mato e bicho —e, vá lá, um dedinho de prosa—, a Serra da Canastra é um refúgio de serenidade.

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