Descrição de chapéu Obituário João Francisco de Medeiros (1918 - 2024)

Mortes: Retirante nordestino levou a paixão por cavalos e Luiz Gonzaga ao Sul do país

João Paraíba teve sua história contada em livro e daria roteiro de filme de faroeste

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São Paulo

A história de João Francisco de Medeiros daria um livro. Aliás, deu. "O Último Pau de Arara" (Grafatório Edições, 2020), escrito por um de seus 15 filhos, o jornalista João Batista Medeiros de Araújo, o Jotabê Medeiros, 61, tem naquele retirante nordestino de olhos azuis o personagem principal.

Nascido em Serra Branca, no cariri paraibano, o homem de jeito rústico tinha algumas características marcantes em sua personalidade. Ateu, não simpatizava com padre ou pastor. Antipatronal, também não queria um chefe só.

Homem de bigode e olhos azuis, com camisa vermelha e chapéu,
João Francisco de Medeiros (1918 - 2024) - Arquivo pessoal

João Paraíba, como ficaria conhecido, até chegou a trabalhar como crupiê de um cassino em Campina Grande (PB) nos anos 1950. Mas trocou de profissão e tocou a vida com escambo até a velhice.

Criar 12 filhos na seca do sertão, porém, necessitava mais do que habilidade nos negócios. Assim, em 1965, comprou duas cargas de sal para vender no Paraná. Cruzou o país com os dois caminhões e a família.

"Foram nove dias e nove noites de viagem, com metade sal e metade crianças e adolescentes na carroceria até Cianorte", diz Jotabê.

Mudou a cultura, mas não os costumes. Na cidade do norte paranaense, onde nasceram seus outros três filhos, João Paraíba levou a habilidade de ganhar dinheiro, trocando uma égua por uma bicicleta, que lhe renderiam duas mulas depois, sem nunca ter sua honestidade questionada. "Era muito rigoroso", conta o filho.

Viagens fez poucas —retornou uma única vez à Paraíba para ver os parentes que deixou para trás—, mas passava dias nas fazendas da região atrás de oportunidades.

A saga do homem que virou literatura também daria roteiro de filme do Velho Oeste. "No livro eu o comparo às vezes aos heróis de faroeste protagonizados por Clint Eastwood e pelos vilões encarnados por Lee Van Cleef", escreveu Jotabê sobre o pai no blog Farofafá.

No alto de seu 1,82 metro de altura, João sempre usou chapéu. O paraibano nunca teve carteira de habilitação, mas sempre soube se fazer respeitar no trânsito, que encarava a cavalo ou de charrete.

Destemido, no melhor estilo John Wayne, certa vez foi a uma cidade vizinha atrás de um homem que havia roubado um de seus cavalos. Levou o ladrão amarrado no banco traseiro do Fusca dirigido pelo genro até a delegacia de Cianorte.

Como bom nordestino, gostava de Luiz Gonzaga. Costumava ouvir o Rei do Baião em uma radiola colorida.

Viúvo de Eulina cerca de dez anos depois de chegar ao Paraná, nunca mais se casou.

Não era adepto a datas. Entretanto, por causa da família numerosa, a casa ficava sempre cheia nas festas. Na comemoração de seus 99 anos estavam mais de cem pessoas, inclusive alguns dos descentes que moram no exterior —um de seus bisnetos é japonês e vive na Ucrânia.

Sabia de cavalos mais do que muito veterinário, diz o filho. Tanto que mesmo na velhice participava todo ano da cavalgada da cidade.

Caiu uma única vez, aos 87 anos, de cima de um animal alugado, que não conhecia. Por causa do tombo, teve um AVC e perdeu um pouco da mobilidade, mas não a personalidade.

João Francisco de Medeiros, o João Paraíba, morreu no último dia 8, aos 105 anos. Além de uma vida narrada nas páginas de livro, tem muita história contada por aí pelos 15 filhos, 46 netos, 31 bisnetos e três trinetos.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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