Descrição de chapéu aniversário de São Paulo

Paulistanos de 70 anos relembram ruas de terra e bondinhos de São Paulo

Entre lembranças da cidade antiga, moradores celebram progresso, mas lamentam falta de segurança

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São Paulo

Crianças brincando na rua, bondinhos, estradas de terra e uma avenida Paulista cheia de casarões. Moradores que acompanharam a transformação de São Paulo ao longo dos últimos 70 anos celebram o aniversário de 470 anos da cidade entre memórias e alguma nostalgia.

Cidadãos septuagenários viram o transporte público avançar e a população crescer exponencialmente, passando de 2,2 milhões de habitantes, nos anos 1950, para mais de 11 milhões. Com as mudanças vieram também o aumento da poluição e da criminalidade, entre outras consequências.

Roberto Regensteiner nasceu no Jardim Paulista, região central da cidade. Com 70 anos recém-completos, acaba de lançar o livro "É linda a Paulista?", que reúne fotos da avenida ao longo das décadas, desde quando era um "grande mato original" até se transformar em "ícone paulistano contemporâneo", nas suas palavras.

O administrador, que já morou um tempo na Vila Mariana, na zona sul, desde os anos 1990 vive no Bixiga. Hoje, é um dos representantes do bairro no Conselho Participativo Municipal e se orgulha em dizer que a região é rica em cultura, com sambas, blocos e feiras. "O bairro tem uma identidade que certos bairros não têm ou perderam, mas a especulação imobiliária tem afastado muitos moradores", diz Regensteiner, que lamenta o processo de gentrificação pelo qual passa a região.

Reynaldo, que é de família italiana, nasceu em casa no Bixiga e vive em Interlagos. Ele comenta sobre os problemas de violência da cidade, da mudança do cenário, mas se diz bastante bairrista e não gosta quando as pessoas falam mal da cidade em que nasceu. Na foto, ele posa em frente à escadaria do  bairro de Bixiga
Reynaldo Ricciardi, 70, nasceu em uma casa no Bixiga e hoje vive em Interlagos; para ele, a violência é um dos principais problemas da cidade - Karime Xavier/Folhapress

O aposentado Reynaldo Ricciardi, 70, hoje vive em Interlagos, na zona sul, mas tem uma relação afetiva com o Bixiga, onde nasceu. Ele fala de outros tempos com saudade e diz que o bairro tem perdido estabelecimentos tradicionais como cantinas e botequins. "Tem alguns botecos, mas não são como antes. Não vejo famílias indo até lá para frequentares bares bacanas como antigamente", observa.

Embora se queixe de um ou outro problema da cidade, Reynaldo admite ser bairrista e diz que não permite que outros falem mal da cidade onde nasceu e cresceu. Ele conta que costumava ir para o Rio de Janeiro a trabalho e que não podia ouvir um carioca falar mal de São Paulo.

"Diziam que aqui só tem prédio e nada de praia. Eu retrucava que é só pegar o carro que chega rapidinho em Santos ou Guarujá", conta.

De mudanças positivas trazidas pelo desenvolvimento, Reynaldo diz que vive próximo ao rio Pinheiros e que acredita que o projeto de despoluição tem surtido efeito. Ele conta que, antes, não conseguia manter as janelas do apartamento abertas no verão devido ao mau cheiro, mas afirma que hoje isso não é mais um problema.

Neuza Maria Gomes dos Santos,70 , moradora da zona norte de São Paulo nasceu em Birigui e veio ainda pequena para São Paulo. Hoje mora no Jardim  Tremembé, zona norte
Neuza Maria Gomes dos Santos,70 , moradora da zona norte de São Paulo nasceu em Birigui e veio ainda pequena para São Paulo. Hoje mora no Jardim Tremembé, zona norte - Rubens Cavallari/Folhapress

A transformação da cidade também está na memória de quem, embora não tenha nascido na capital, chegou a São Paulo muito cedo com a família, em busca de oportunidades de trabalho. É o caso de Neuza dos Santos, 70, que deixou Birigui, no interior do estado, para viver no Carandiru, na zona norte.

Ela tinha dez anos quando chegou. A neblina e a garoa, ela diz, são algumas das primeiras recordações que ela carrega do momento em que chegou à cidade. Entre outras memórias, conta que muitas ruas não eram asfaltadas e que as crianças brincavam livremente.

"Ficávamos na rua, brincávamos de pega-pega, jogávamos bola e taco até tarde. Não tinha perigo. Fui moleca, joguei bola, fiz bastante coisa. Hoje não tem tanta liberdade quanto antes. Temos medo de ir para a rua", lamenta.

Neuza diz que a família veio em busca de uma condição financeira melhor e que o objetivo foi conquistado. "Conseguimos comprar uma casa própria."

Ela conta que na juventude foi funcionária de uma empresa de encadernação, mas largou o emprego quando se casou porque o marido não permitia que ela trabalhasse fora. A solução "para não enlouquecer", ela diz, foi trabalhar com artesanato dentro de casa. Viúva, hoje a família é composta pelas três filhas e três netos. "Podia ser maior, mas tá bom", brinca.

A lembrança de uma cidade gelada também marcou as primeiras impressões sobre São Paulo de Reny Pedreira Leão, 70, que saiu da Bahia nos anos 1960, aos 14 anos, com destino a São Paulo.

A família não estava preparada para o frio. "Chegamos sem agasalho, sem cobertor. Senti falta da vida boa, de pegar fruta na árvore, de tomar banho de rio e pescar", lembra ela, que no início morou com os pais em uma casa alugada em São Miguel Paulista, na zona leste, bairro onde vive até hoje.

Naquela época, a cidade baiana em que viviam atravessava uma seca, e os pais decidiram tentar a sorte em São Paulo. Reny lembra que assim que chegou começou a trabalhar para ajudar no sustento da família. "Meu primeiro trabalho foi de babá."

Aos 39 anos, perdeu o marido. Viúva, parou de trabalhar e hoje vive de pensão. Embora reconheça as oportunidades que teve na capital paulista, diz que a família passou também por muita dificuldade. Mas hoje se vangloria de ter conseguido criar os filhos, que são motivo de orgulho para ela: um é enfermeiro, duas são pedagogas e a mais nova é cabeleireira.

A vasta experiência de vida também contribuiu para que Reny pudesse se dedicar à poesia, e aos 70 anos ela lançou o livro "Poesia com Alegria". Também mantém no YouTube um canal com o mesmo nome e participa do Sarau60+, promovido pela Prefeitura de São Paulo.

Fã de poetas como Mário de Andrade e Vinicius de Moraes, ela afirma que tomou coragem para lançar um livro aos 70 anos quando soube que Cora Coralina publicou aos 76 anos de idade sua primeira obra, "Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais".

Ao relembrar a vida em São Paulo, Reny se mostra satisfeita: brincou quando jovem, fez amizades e trabalhou desde pequena. Também recorda do avanço da tecnologia, como quando a primeira televisão chegou ao bairro. "A gente ia na casa da vizinha ver TV. Como não cabia todo mundo, a gente se espremia no chão para assistir."

Ao comparar os cenários de ontem e de hoje da capital, avalia que a cidade melhorou em transporte e infraestrutura. "Hoje, chegamos rapidinho na Sé. No passado, não tinha condução, a gente tinha que andar por 20 minutos até chegar no bonde e conseguir ir até outras regiões da cidade."

Ela ainda cita outros pontos positivos do progresso que testemunhou, como água encanada e ruas asfaltadas, mas lamenta que a criminalidade dificulte a vida de todos. "É assalto todos os dias. Não saio mais sozinha. Na infância, eu subia no muro de casa, que era baixo. Hoje eu moro em uma prisão. Somos os presidiários, não temos liberdade."

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