Cabo da PM é indiciado sob suspeita de disparar 'bean bag' que matou são-paulino

OUTRO LADO: Advogado de policial diz que não houve negligência nem imprudência

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São Paulo

A Polícia Militar concluiu o inquérito sobre a morte do torcedor são-paulino Rafael dos Santos Tercílio Garcia, 32. Ele foi atingido por uma munição "bean bag" na cabeça durante uma confusão nas imediações do estádio Morumbi, na zona oeste de São Paulo, em 24 de setembro do ano passado.

A investigação da PM, encerrada em dezembro, chegou ao responsável pelo tiro, que teria sido dado pelo cabo da Cavalaria Wesley Carvalho Dias da Silva, indiciado sob suspeita de homicídio culposo —sem intenção.

O advogado do PM, João Carlos Campanini, discordou do entendimento dos responsáveis pela apuração. "O homicídio culposo é configurado por atos de negligência, imprudência ou imperícia no uso do armamento ou no procedimento policial, atos que em momento algum o cabo Wesley cometeu."

O documento com o indiciamento foi encaminhado para o Poder Judiciário, segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP), do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Rafael dos Santos Tercilio Garcia, 32, era integrante da Torcida Tricolor Independente
Rafael dos Santos Tercilio Garcia, 32, era integrante da Torcida Tricolor Independente, a principal do São Paulo Futebol Clube - Leitor

Garcia, que era deficiente auditivo, recebeu um tiro na parte de trás da cabeça, conforme os laudos periciais.

Entre as orientações que constam em um manual da PM é que se deve evitar tiros na cabeça. Os disparos também devem ocorrer em uma distância mínima a partir de seis metros.

A "bean bag" (saco de feijão) é de uso exclusivo da PM, que vem adquirindo a munição teoricamente de menor poder letal para uso junto das balas de borracha na tentativa de dispersão de tumultos. A "bean bag" é produzida com um tecido sintético de aramida que encobre pequenas esferas de metal.

Polícia Civil

A investigação da Polícia Civil segue sem conclusão.

Conforme Tiago Ziurkelis, advogado da família de Garcia, em uma das idas até a Delegacia de Homicídios em janeiro ele foi informado que a PM ainda não encaminhou as armas que estavam municiadas com "bean bag" no dia do disparo.

A corporação também não teria enviado as orientações sobre o uso da "bean bag", algo importante para saber se houve erro no manuseio do equipamento.

Procurada nesta quinta (1°), a SSP afirmou que "todos os materiais solicitados pelo DHPP serão encaminhados ao departamento da Polícia Civil".

No início das investigações a PM encaminhou uma lista para a Polícia Civil com os nomes de todos os policiais presentes naquele dia. Onze deles, conforme a relação, estavam na função de atirador. Eles portavam espingardas calibre 12.

Conforme a investigação da Polícia Civil, só dois policiais militares seguravam o mesmo tipo de armamento no momento em que Garcia foi atingido.

Ainda segundo o documento, pelos vídeos analisados foi possível identificar que uma das armas aparentou ter problemas no funcionamento.

"Diante das constatações e análise das imagens, em especial a composição dos acontecimentos registrados por ângulos diversos, é possível concluir, com certa clareza, quanto a individualização do agente policial que efetuou o disparo que, em tese, vitimou Rafael Tercílio, pendente quanto a devida qualificação do agente miliciano que deverá ser esclarecido através de informações já solicitadas à Polícia Militar", acrescenta o documento.

O cabo Wesley chegou a se apresentar à Polícia Civil para prestar depoimento no final do ano passado. Ele, no entanto, orientando por Campanini, permaneceu em silêncio.

"Eu não sei porque essa demora toda. Todo mundo sabe quem matou, quem fez. Todo mundo já sabe quem tem que ser punido", disse a arrumadeira Vilma Custódio dos Santos, 59, mãe de Garcia.

Imagem obtida pela perícia ajudou a identificar policial que atirou durante dispersão de torcedores
Imagem obtida pela perícia ajudou a identificar policial que atirou durante dispersão de torcedores - Reprodução/Inquérito policial

Após a morte do filho, que não escutava e não falava, a falta de respostas deixa Vilma ainda mais angustiada.

"Isso é revoltante, doído demais. Além de não ter meu filho, ainda ter que ficar sofrendo por isso tudo. E se fosse ao contrário? Garanto que já tinham tomado providência o mais rápido possível. Mas não é filho deles. É filho de uma pessoa pobre, humilde."

Vilma diz que sua tristeza só aumenta ao lembrar das conversas por mensagem com o filho, que morava em Itapevi, na Grande São Paulo —ela mora em Sorocaba, no interior do estado.

"Não vou mais ouvir o 'bom dia, minha rainha' dele. Era todo dia de manhã e não terei mais. Ninguém vai me devolver isso", disse com a voz embargada.

Garcia deixou um filho, que completa nove anos nesta sexta (2). "Cadê o presente que o pai ia comprar para ele? Será que alguém está pensando nisso? Creio que não", acrescentou Vilma.

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