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violência Rio

Urbanismo miliciano é exposto nas investigações sobre o assassinato de Marielle Franco

Grupos criminosos, muitas vezes armados, atuam na grilagem de terras e controlam a gestão de territórios do Rio de Janeiro

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Raquel Rolnik

Professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e coordenadora do LabCidade

Daniel Hirata

Coordenador do Geni-UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense)

Aluizio Marino

é pós-doutorando na FAU-USP e coordenador no LabCidade

Isadora Guerreiro

é coordenadora do LabCidade FAU-USP

Gustavo Prieto

É professor adjunto do Instituto das Cidades da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo)

A notícia da prisão dos possíveis mandantes do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes traz à tona diversas facetas da política brasileira e sua relação com dinâmicas de controle territorial, muitas vezes armado. Neste artigo chamamos a atenção para a relação entre o sistema político e um modo de produção da cidade baseado em lógicas extrativistas. Esse modelo tem longo histórico, mas se aprofundou e profissionalizou nas últimas duas décadas.

Embora essa situação não se limite ao Rio de Janeiro, é ali que assume uma configuração emblemática, que chamamos de "urbanismo miliciano": quando grupos criminosos, muitas vezes armados, associados a representantes eleitos e funcionários da administração estatal, atuam na grilagem de terras e controlam a gestão de territórios da cidade.

Acusados de mandar matar Marielle Franco, os irmãos Chiquinho Brazão (de azul) e Domingos Brazão (de preto) chegam presos no avião da Polícia Federal, em Brasília
Acusados de mandar matar Marielle Franco, os irmãos Chiquinho Brazão (de azul) e Domingos Brazão (de preto) chegam presos no avião da Polícia Federal, em Brasília - Pedro Ladeira - 24.mar.24/Folhapress

Os negócios que envolvem a produção da cidade, especialmente a captura de terras, os mercados imobiliários, a regularização fundiária e o fornecimento de serviços e equipamentos urbanos, são estratégicos para a ampliação e manutenção deste sistema político perverso. Parte dos vereadores possui relações com esse mercado, participando, inclusive, como empreendedores do ramo. No limite, legislando pela ampliação e respaldo de práticas criminosas, dando uma roupagem legal a processos de apropriação de terras públicas, negação da função social da propriedade, além de degradar o meio ambiente.

Trata-se mais do que uma fonte de extração de renda, mas de uma mercadoria política por meio da qual melhorias no território —regularização fundiária, obras de infraestrutura, empreendimentos habitacionais— ampliam o domínio político-eleitoral e o controle territorial e populacional inclusive, em alguns casos, por grupos armados. Por isso, trata-se de um dos objetos centrais da atuação das câmaras municipais, que regulam o tema e direcionam investimentos públicos.

Tudo isso não é exatamente uma novidade e, inclusive, já foi alvo de inúmeras denúncias feitas aos mecanismos de controle e fiscalização do Estado, entre eles o Ministério Público. Além disso, é objeto de atuação firme de vereadores contrários a essa lógica. No caso do Rio de Janeiro, a atuação de Marielle Franco e demais vereadores do PSOL, configura uma política de oposição a esta forma de fazer cidade.

O relatório produzido pela Polícia Federal destaca o histórico da família Brazão, com fortes suspeitas de promoção de invasão e grilagem de terras, coração do modelo de negócios das milícias. O conflito entre os interesses da família Brazão e a vereadora Marielle Franco era motivado pela resistência da parlamentar às iniciativas de legalização da grilagem de terra e implementação de loteamentos irregulares ligados à milícia em diferentes lugares da zona oeste do Rio de Janeiro.

Essa dinâmica, porém, não é isolada. Trata-se de um tipo de operação comum no sistema político de inúmeras cidades brasileiras. Assistimos à reprodução deste modelo inclusive em São Paulo, onde as lutas históricas das organizações populares pelo direito à moradia e à cidade têm sido capturadas por agentes ligados ao modelo extrativista de controle territorial em suas associações com o mundo da política.

Inclusive a própria linguagem do direito à moradia e do direito à cidade tem sido apropriada de forma indevida por este negócio, cada vez mais profissionalizado, que transforma em mercadoria a prerrogativa do poder público de regular a produção da cidade e de promover habitação digna à população.

Isso significa uma lógica que, em vez de garantir o direito à cidade para todos, tem destruído o tecido associativo organizado e tem transformado essa forma precária e brutalmente exploratória na lógica predominante de produção da cidade, que gera ganhos não só de dinheiro, mas também de votos e, portanto, a perpetuação dessa lógica. Representantes eleitos nas Câmaras e prefeituras são elementos centrais dessa trama. Portanto, toda a atenção nas próximas eleições municipais é o mínimo que podemos fazer.

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