Acolhimento a moradores de rua com transtornos mentais e uso de drogas é falho em SP, diz estudo

Avaliação faz parte de relatório encomendado pela prefeitura para avaliar o serviço

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São Paulo

Os serviços sociais voltados aos moradores de rua na cidade de São Paulo têm falhas, principalmente, em relação ao atendimento de perfis mais complexos.

Este grupo inclui pessoas que sofrem de transtornos mentais ou que tem histórico de uso abusivo de álcool e drogas —considerado o público mais resistente a acolhimento e, portanto, o mais frequente nas ruas.

A conclusão consta em relatório elaborado pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), contratada no fim do ano passado pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) para avaliar as políticas municipais direcionadas aos sem-teto.

Projeto-piloto da prefeitura prevê ampliar atendimento a moradores de rua com transtornos mentais e abuso de álcool e drogas
Projeto-piloto da prefeitura prevê ampliar atendimento a moradores de rua com transtornos mentais e abuso de álcool e drogas - Karime Xavier - 13.mar.24/Folhapress

O estudo embasa um projeto-piloto da prefeitura para criar novo modelo de gestão dos serviços. "O atendimento a públicos que fogem à média da população em situação de rua, tais como crianças, adolescentes ou pessoas com questões agravadas de saúde mental que fazem uso abusivo de substâncias psicoativas, ou ainda estratégias criadas para intervenções em territórios específicos, ficam prejudicados", diz trecho do documento obtido pela Folha.

A falha está no modelo de contratação praticado pelo poder municipal "em que os incentivos são para o atendimento padronizado, induzindo um baixo nível de customização do atendimento", segundo os pesquisadores de Fipe.

Na rede assistencial, pessoas com histórico de violência e consumo de drogas e álcool são marcadas em uma "lista de restritos" e deixam de ser atendidas nos equipamentos, segundo o secretário-executivo de Projetos Estratégicos, Edsom Ortega, responsável dentro da gestão municipal pelo tema cracolândia.

"É preciso criar uma nova forma de lidar com esse público, seja em uma ala ou dormitório separado, por exemplo. As entidades contratadas têm que ter melhores condições de lidar com esses públicos mais complexos", diz o secretário.

Segundo ele, o projeto-piloto não prevê, necessariamente, a criação de um novo serviço, mas a elaboração de mecanismos dentro da rede assistencial de como lidar com pessoas que fogem do perfil comum de acolhidos.

Candidato à reeleição no pleito previsto para outubro deste ano, Nunes deve enfrentar questionamentos sobre o aumento da população de rua nos últimos anos na cidade.

A presença de pessoas vivendo nas ruas foi considerada uma questão para 93% dos moradores do centro da cidade de São Paulo, muito acima da média de 68% relatada nas demais regiões da capital, apontou pesquisa Datafolha sobre problemas e prioridades do município divulgada no último dia 16.

Ortega afirmou que a melhora no atendimento a esse perfil, chamado por ele de complexo, é tema de conversas desde o fim do ano passado com as entidades contratadas pelo município para prestar os serviços.

Os gestores argumentam que as pessoas classificadas como "restritas" causam desordem nos centros de acolhida e provocam conflitos com os demais frequentadores. "Dessa forma, não atendemos quem está na rua e fica pouco tempo nos equipamentos", diz Ortega.

Apesar do perfil em questão ser mais frequente na cracolândia, nome dado à cena aberta de uso de drogas no centro de São Paulo, o projeto-piloto irá se estender a moradores de rua de toda cidade. O secretário reconhece falhas no atendimento a essa população. "É possível avançar mais para ter mais sucesso", diz.

O censo da população de rua divulgado pela prefeitura em janeiro de 2022 apontou que, em 2021, 60% dos entrevistados afirmou preferir as calçadas aos centros de acolhimento; a mesma resposta foi dada por 52% da população abordada em 2019.

A dependência de álcool e outras drogas foi apontado por 29,5% dos entrevistados como o principal motivo para estar nas ruas, à frente de perda de trabalho e renda, declarado por 28,4%. Em primeiro lugar, os conflitos familiares foram citados por 34,7%.

Outro problema no atendimento aos moradores de rua apontado no relatório da Fipe é a falta de metas em relação à chamada saída qualificada, quando os beneficiários dos serviços recuperam a autonomia e deixam as ruas ou os centros de acolhida.

Segundo o estudo, os pagamentos às entidades contratadas pela prefeitura devem estar atrelados a uma taxa de sucesso por ano, um percentual de pessoas atendidas que conquistam a capacidade de gerar renda e manter seu sustento. Atualmente, os repasses são feitos mediante os atendimentos.

Em cálculo preliminar, o relatório apontou que, em 2023, a gestão municipal gastou, em média, R$ 16.428,17 por vaga ou unidade de atendimentos a moradores de rua, o que representou custo de R$ 656,2 milhões dividido em 35 serviços e programas nas áreas de assistência social, saúde e habitação.

Não há também, segundo os pesquisadores da Fipe, um padrão na tabulação de informações dos atendimentos e nem o compartilhamento em um sistema único. "Na assistência social, os vários sistemas existentes, seu funcionamento baseado na lógica do registro de atividades e as mudanças de sistema de registros, deixaram sob a discricionariedade de cada unidade de atendimento o registro da pessoa ou do caso atendido", diz trecho do relatório.

O estudo sugeriu que a gestão municipal inclua entre os indicadores a serem avaliados na prestação de serviços o aumento da renda e do nível de escolaridade, o restabelecimento de vínculos familiares, a qualificação profissional, a redução de uso de drogas e álcool, a regularização de documentos pessoais e a autonomia de moradia.

Além disso, o projeto prevê a criação de parâmetros condicionantes a parte dos repasses às entidades, como a razão entre o número de atendidos e de pessoas que deixaram as ruas, número de atendidos que retornaram para as calçadas, entre outros.

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