Após incêndio com dez mortos, Porto Alegre vai vistoriar pensões para pessoas em situação de rua

Sebastião Melo anunciou força-tarefa para verificar condições dos espaços, que têm parceria com a prefeitura

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Catarina Scortecci Luís Eduardo Gomes
Curitiba e Porto Alegre

Após um incêndio que matou dez pessoas e deixou outras 15 feridas na madrugada desta sexta (26) na Pousada Garoa, em Porto Alegre, a prefeitura anunciou que fará uma "força-tarefa" para verificar a situação de todos os 23 espaços na cidade onde há vagas para acolhimento a pessoas em situação de rua.

Até o início da noite, sete feridos permaneciam internados em hospitais, dois em estado grave. As causas do incêndio na pensão ainda são investigadas.

Segundo o prefeito Sebastião Melo (MDB), os 23 espaços pertencem à mesma empresa responsável pela Pousada Garoa e oferecem, no total, 400 vagas para pessoas em situação de rua a partir de um contrato emergencial firmado com em 2022 com a gestão municipal.

Nesse programa, pessoas em vulnerabilidade social recebem um voucher da FASC (Fundação de Assistência Social e Cidadania) que é válido por 15 dias e pode ser usado para ocupar uma vaga nas pensões.

Prédio em Porto Alegre onde funcionava pensão foi destruído por incêndio nesta sexta (26); dez pessoas morreram e 15 ficaram feridas - Silvio Avila/AFP

De acordo com o prefeito, das 400 vagas contratadas, mais de 300 estão em uso atualmente. Na pensão onde houve o incêndio, localizada na avenida Farrapos, das 30 vagas existentes, 16 estavam reservadas para o programa de voucher. Sebastião Melo disse, contudo, ainda não ter informações sobre se todas as 16 vagas estavam efetivamente ocupadas.

Quando a prefeitura abriu o credenciamento para fazer a contratação, a Garoa foi a única empresa que se habilitou para prestar o serviço, ainda segundo o prefeito.

Além da força-tarefa, Melo anunciou a abertura de uma investigação preliminar sumária sobre o contrato e disse que o procedimento pode gerar uma sindicância. A reportagem não conseguiu contato com o proprietário da empresa, André Luís Kologeski da Silva.

De acordo com o Corpo de Bombeiros, a Pousada Garoa estava irregular. Em nota, a corporação disse que não foi protocolado o PPCI (Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio) nem emitido o alvará para atividade residencial, pousada ou hotelaria.

"Em 2019 houve uma aprovação de projeto para utilização como escritórios, cabendo ao proprietário à época executar as medidas de proteção contra incêndio e solicitar a vistoria ao CBM [Corpo de Bombeiros Militar], o que não foi feito. Qualquer alteração de finalidade do imóvel requer o protocolo de um novo PPCI para que seja analisado", afirma a nota.

Em entrevista à imprensa, Sebastião Melo disse que a Lei de Licitações não exige que a empresa forneça o PPCI, mas que todas têm o dever de atender às exigências dos bombeiros.

A investigação é conduzida pelo delegado Daniel Ordahi, da 17ª DP, e as diligências envolvem equipes dos bombeiros, Defesa Civil, Brigada Militar e Instituto Geral de Perícias.

"Estão sendo aguardados os relatórios técnicos e resultados das demais apurações investigativas", afirma a Polícia Civil, em nota.

Ainda na manhã desta sexta, a Defesa Civil indicou que o incêndio pode ter sido criminoso. Quanto a essa suspeita, o prefeito disse ter enviado à polícia imagens que mostram uma pessoa entrando e saindo da pensão em horário próximo ao do início do incêndio, no meio da madrugada.

O prédio de três andares pegou fogo por volta das 2h, e o incêndio só foi totalmente controlado perto das 5h.

O prédio ficou completamente destruído. Segundo os bombeiros, os corpos das vítimas foram encontrados carbonizados. A suspeita é de que a maioria estivesse dormindo.

Os corpos foram levados para o IML. Os nomes e as idades ainda não foram divulgados.

Breno Rivera Rodrigues, 29, um dos sobreviventes, disse que ainda estava acordado quando o fogo começou. "Pegou fogo no colchão, num quarto que não tinha ninguém. Aí eu só me lembro que começou a correria. Foi questão de minutos para o fogo tomar conta", afirma ele.

Rodrigues morava na Pousada Garoa há mais de um ano. Ele conta que, quando as chamas começaram, estava no seu quarto no segundo andar, um espaço de "2 metros por 3", separado dos vizinhos por uma divisória de madeira.

"Se eu não estivesse acordado, acho que nem estaria aqui. Eu só quero agradecer a Deus", disse.

Tiago de Almeida de Sousa, 35, também morava no segundo andar. Ele ficou com escoriações de quedas que sofreu durante a fuga.

"Eu estava deitado, quase pegando sono. Um rapaz do outro lado começou a gritar, a gente pensou que era briga. A hora que eu abri a porta, estava pegando fogo em tudo. Estava já com fumaça, não dava para enxergar nada. Tive que sair correndo, caí no chão, aí meio que engatinhando saí para a rua", contou.

Os moradores dos imóveis vizinhos à pensão foram removidos do local.

O prefeito decretou luto oficial de três dias.

O presidente Lula (PT) se manifestou sobre o incêndio em suas redes sociais e prestou "solidariedade às famílias e aos amigos que perderam seus entes". "Com tristeza e preocupação soube da morte de ao menos dez pessoas em incêndio em uma pousada de Porto Alegre. O estabelecimento acolhia pessoas em situação de vulnerabilidade na capital gaúcha", escreveu.

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), também se manifestou nas redes sociais e disse que o caso "consterna profundamente".

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