Descrição de chapéu transporte público

Com tarifa zero, Prefeitura de SP paga mais a empresas de ônibus pela mesma frota

OUTRO LADO: gestão Ricardo Nunes diz que, apesar do aumento na demanda de passageiros, a ociosidade é de quase 60%

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Após a implementação da tarifa zero aos domingos, a Prefeitura de São Paulo viu a demanda de passageiros aumentar em 20% e paga mensalmente R$ 10 milhões a mais às empresas de ônibus.

A conclusão é de um levantamento realizado pelos especialistas Rafael Calabria, do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), e Rafael Drummond, consultor em planejamento urbano e ex-conselheiro do CMTT (Conselho Municipal de Trânsito e Transporte).

Os dados, coletados pelos autores no site oficial da SPTrans, mostram um aumento de 24% na remuneração das empresas —equivalente a R$ 2,5 milhões por domingo, em média— do início da implementação da tarifa zero, em 17 de dezembro, até o primeiro fim de semana de março, se comparado aos três meses anteriores.

Movimentação de passageiros no terminal Tatuapé, na zona leste de SP, no primeiro dia de tarifa zero nos ônibus da capital - Zanone Fraissat - 17.dez.2023/Folhapress

Por outro lado, o número de veículos nas ruas manteve se praticamente igual, apesar do aumento na quantidade de usuários.

Questionada, a SPTrans, órgão que gerencia o transporte público municipal, diz que houve aumento no número de passageiros mas também da ociosidade —ou seja, a quantidade de assentos vazios— nos coletivos aos domingos, de 60% para 64%. A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) afirma que isso ocorreu porque são utilizados veículos maiores, e "com isso o passageiro tem à disposição uma oferta maior de lugares".

O gasto maior para a prefeitura é fruto, segundo os especialistas, do modelo de remuneração às companhias de ônibus. A administração municipal recompensa as concessionárias de acordo com a quantidade de passageiros.

"Fica clara a distorção gerada pela remuneração por passageiro. A prefeitura está dando mensalmente para as concessionárias cerca de R$ 10 milhões a mais do que deveria", afirma Drummond.

Pelos contratos assinados entre prefeitura e empresas de ônibus, a forma de pagamento deveria ser modificada, mas a gestão Nunes adiou a possível mudança para março do ano que vem. O prefeito planeja tentar a reeleição em outubro deste ano.

A ideia é que, após essa alteração contratual entrar em vigor, diminua a importância da quantidade de passageiros para o cálculo dos pagamentos.

"O resultado evidencia que, além de a remuneração não ser vinculada aos custos reais do setor, a prefeitura insiste no erro de manter um modelo que premia a lotação em vez da frequência e da qualidade do serviço", completa Drummond.

A SPTrans afirma que não paga os operadores exclusivamente por passageiros embarcados desde 2019. "Atualmente, o operador é remunerado seguindo uma fórmula que considera o seu custo operacional, ou seja, a frota programada, as horas de operação e a quilometragem, além dos custos fixos do veículo", diz.

Após a publicação desta reportagem, a SPTrans enviou uma nova nota, na qual afirma que "não houve aumento no valor pago às concessionárias" em virtude da tarifa zero aos domingos, e que o cálculo de remuneração é feito semanalmente, não por dia isolado.

A empresa municipal enviou uma tabela de remuneração apurada, comparando a semana de 22 de outubro com a do dia 10 de março, para mostrar um aumento de R$ 2,49 milhões na comparação entre as duas datas. Na tabela, há o cálculo da remuneração apurada em cada dia isolado daquelas semanas.

A gratuidade aos domingos começou a ser aplicada no dia 17 de dezembro de 2023. Tal medida é uma das principais apostas de Nunes na tentativa de reeleição.

Com o passe livre, a quantidade de passageiros que passaram a usar o sistema de ônibus municipal foi de 2,3 milhões (em média, aos domingos) para 2,8 milhões, um incremento de 500 mil passageiros entre meados de dezembro e o início de março.

O ônibus se tornou mais atraente em comparação às linhas férreas, que são geridas pelo governo estadual e tiveram aumento no valor da passagem para R$ 5 na gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Para oferecer a gratuidade à população, a gestão Nunes já previa uma perda de arrecadação em R$ 238 milhões neste ano —esse é o valor que as tarifas pagas aos domingos atualmente rendem aos cofres públicos. A conta não incluía o dinheiro que deve ser pago a mais às concessionárias.

Os pesquisadores ressaltam que o alerta sobre o aumento nos pagamentos, sem a contrapartida do aumento da frota, já havia sido feito no momento do anúncio da tarifa zero.

"A gente já tinha identificado que a remuneração às empresas ainda estava sendo feita por passageiros e que isso poderia acontecer", afirma Calabria. "Significa que: se cair a demanda, o empresário ganha menos. Queda de demanda leva a reduzir a frota, como a SPTrans tem feito. E se aumentar a demanda [o empresário] ganha mais, mesmo que não faça [mais] viagens", completa.

No orçamento da prefeitura para este ano, Nunes contou com um substitutivo enviado pelos vereadores de sua base de R$ 500 milhões somente para custear o transporte coletivo gratuito. Ao todo, o município prevê receita de R$ 111 bilhões em 2024.

O levantamento feito por Calabria e Drummond também mostra que houve, inclusive, uma pequena diminuição na frota de ônibus aos domingos, de 0,15%. Eram 4.661 no trimestre anterior à estreia da tarifa zero, e 4.654 nos três meses posteriores, segundo o estudo.

A prefeitura paulistana nega a diminuição da frota, mas utiliza um período diferente para analisar os dados —a gestão Nunes faz a comparação entre novembro e março, enquanto o levantamento dos pesquisadores analisa a frota média desde setembro, mas obteve dados só até o primeiro fim de semana de março.

Segundo a administração municipal, houve "frota aos domingos em novembro de 2023 foi de 4.844. Já em março/24, esse número foi de 4.846".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.