Tarcísio promove a coronel PM condenado por violência policial em SP

OUTRO LADO: governo diz que policial cumpriu pena imposta pela Justiça e que promoção seguiu requisitos legais

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São Paulo

Era noite quando o artesão Paulino Siqueira Borges Filho, 44, teve a casa invadida por um grupo de policiais militares de Ribeirão Preto (SP). Um tenente à paisana, líder do grupo, sem justificativa, passou a agredi-lo na frente da mulher e dos filhos —causando ferimentos que, conforme conta, quase o levaram à morte.

"Ele entrou correndo dando porrada, me jogou no chão. Me quebrou. Pisou na minha boca, nas costelas. Foi terrível. Não morri por pouco. Me espancaram muito, dentro da minha casa. Eu desmaiei e só fui acordar na delegacia. Cortou meu baço, quebrou minha mandíbula em quatro lugares", disse à Folha.

Só depois Borges Filho ficou sabendo o motivo da agressão: havia discutido momentos antes com uma vendedora, em uma feira de artesanato, onde ambos trabalhavam, e a mulher era amiga do então tenente Cleotheos Sabino de Souza Filho, que, de folga, foi acionado para resolver a questão.

Esse caso de violência, que comoveu parte da população de Ribeirão e se tornou assunto por semanas nos jornais em maio de 1999, levaria à condenação do PM a dois anos de reclusão em regime aberto.

O coronel Cleotheos Sabino de Souza Filho (esq.), promovido pela gestão Tarcísio de Freitas, posa em foto com o comandante-geral da PM, coronel Cássio Araújo de Freitas - Reprodução

No início deste mês, o mesmo Sabino, nome de guerra do oficial, voltou a ser um dos principais assuntos dentro da corporação.

Contrariando o desejo dos próprios colegas de farda, segundo a Folha apurou, o agora tenente-coronel Sabino foi promovido pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) ao posto mais alto da Polícia Militar, o de coronel, lugar em tese destinado aos policiais mais capacitados da corporação e donos de currículos irretocáveis.

Procurada, a Polícia Militar afirma que Sabino está quite com a Justiça. "Em relação ao episódio ocorrido em 1999, a instituição adotou as medidas administrativas cabíveis, e o policial cumpriu a pena imposta pelo Poder Judiciário."

Além do histórico do oficial, onde há outros registros de envolvimento em casos suspeitos de violência, a promoção deixou coronéis revoltados porque teria ocorrido, segundo eles, sem a indicação do Alto Comando da PM, como previsto em legislação, e feita diretamente pelo gabinete do secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite.

Procurada, a Polícia Militar não negou que a promoção de Sabino tenha sido organizada no gabinete do secretário. Disse apenas que "a promoção do oficial seguiu todos os critérios técnicos e legais estabelecidos pela Polícia Militar para a progressão de carreira".

Policiais ouvidos pela reportagem dizem que o PM foi promovido em razão da suposta proximidade com o chefe de gabinete de Derrite, Paulo Maurício Maculevicius Ferreira. Os dois teriam sido aspirantes juntos em 1996 e ambos têm passagem pelo Corpo de Bombeiros. O processo de promoção teria sido feito por Ferreira, com anuência de Derrite, e enviado diretamente ao Palácio dos Bandeirantes.

Conforme policiais e especialistas ouvidos pela reportagem, a promoção de oficiais na PM paulista ocorre por antiguidade ou por merecimento. No caso específico de coronéis, as promoções só ocorrem da segunda forma: o tenente-coronel não é promovido se a cúpula da PM e o governador não o considerarem merecedor.

Os candidatos a serem promovidos a coronel precisam, primeiro, participar do CSP (Curso Superior de Polícia). Depois há uma votação realizada por integrantes do Alto Comando, que decidem pela indicação ou não de determinado candidato. Recentemente, por questões internas, o número de votantes foi ampliado dos 21 coronéis da cúpula para os 63 coronéis.

Segundo os oficiais, a votação é secreta e ocorre após informações prestadas pelo Corregedor-Geral e pelo chefe do CIPM (Centro de Inteligência da Polícia Militar) sobre cada candidato —o chefe da inteligência tem, por exemplo, o histórico do PM (notícias confirmadas ou não), documento confidencial apelidado de "jaqueta".

Coronéis ouvidos pela reportagem afirmam que Sabino chegou a ser submetido a uma dessas votações por superiores em dezembro de 2022. Ele estava em uma lista de cerca de 70 candidatos, todos aspirantes de 1996. Dos 63 votos possíveis, teria tido apenas um voto.

O Governador Tarcísio de Freitas inaugurou a Sede própria da Companhia de Força Tática do 7° Batalhão de Polícia Militar. A medida vai reforçar a segurança na região do Centro velho de São Paulo.nas imagens, o Secretário da Segurança Pública Guilherme Derrite e PMs pertencentes ao Batalhão. Nesta quinta-feira (1)
O governador Tarcísio e o secretário da Segurança, Guilherme Derrite, participam de inauguração de sede da PM - Ronaldo Silva/Ato Press/Agência O Globo

Já o tenente-coronel Rodrigo Custodio Garcia, por outro lado, ainda segundo os colegas ouvidos, considerado um dos mais preparados oficiais da PM paulista, teve quase 50 votos, mas foi retirado de uma lista de promoções pelo secretário Derrite. Dias depois, Garcia pediria para ir à inatividade.

Após a votação dos coronéis, um parecer é produzido pela CPO (Comissão de Promoção Oficiais) com a indicação dos nomes mais votados para eventual promoção, documento que é enviado para a secretaria, que geralmente dá um aval praticamente protocolar e encaminha os nomes ao governador.

"A lei exige parecer da CPO, mas este parecer não vincula o governador, que é soberano para promover quem quiser ao posto de coronel, desde que preencha os requisitos objetivos. Ou seja: tem de ser tenente-coronel e não possuir impedimentos legais", diz o especialista em direito militar Abelardo Júlio da Rocha.

O especialista não fala do caso específico, mas de como são as regras do jogo. Para ele, a falta de um parecer produzido pela CPO, como pode ter ocorrido no caso de Sabino, coloca a promoção de Sabino como possível alvo de contestações.

Na nota enviada ao jornal, a PM não diz se a promoção foi feita sem parecer da CPO. A reportagem tentou contato com Sabino por meio de mensagens no celular, mas não obteve retorno.

Ainda em nota, o governo paulista diz que, desde o início do ano, "as forças de segurança de São Paulo têm realizado promoções por mérito e movimentações de rotina a fim de aprimorar a atuação policial no estado, com foco no combate ao crime organizado e na proteção da população".

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