Descrição de chapéu Caso Marielle

Fliperama, bingo, fuzis e codorna na brasa: os negócios listados por Ronnie Lessa em delação

Ex-PM descreveu manter uma série de atividades ao longo da colaboração em que assumiu ter matado Marielle Franco, mas negou ser 'matador de aluguel'

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Rio de Janeiro

O ex-policial militar Ronnie Lessa descreveu em sua delação premiada com a Polícia Federal uma série de atividades que mantinha como fonte de renda. Elas vão desde prosaicas barracas de lanches em áreas de milícia à montagem de fuzis para revenda no mercado negro do Rio de Janeiro.

Os negócios são descritos, na maior parte das vezes, de forma pontual. As falas compõem o cenário no qual Lessa tentou se distanciar da imagem de "matador de aluguel". A morte da vereadora Marielle Franco (PSOL), que ele assumiu ser o responsável, seria, segundo ele, o início de uma nova atividade: "dono de milícia".

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O ex-policial militar Ronnie Lessa presta depoimento no âmbito de seu acordo de colaboração premiada sobre a morte de vereadora Marielle Franco (PSOL) na Superintendência da PF em Campo Grande (MS) - Reprodução

Lessa firmou um acordo de colaboração premiada no qual apontou os irmãos Domigos e Chiquinho Brazão como os mandantes do homicídio contra a vereadora —a dupla nega envolvimento no crime.

Ele também falou sobre outras ações penais as quais responde na Justiça.

Ao longo dos depoimentos, Lessa descreveu ter participação em barracas de lanche, de cachorro-quente, gatonet, máquinas de música e fliperamas em áreas de milícia. Ele descreveu esses negócios quando explicou aos investigadores porque "empurrava com a barriga" o assassinato de Regina Céli, presidente da escola de samba do Salgueiro.

"Eu tinha barracas de lanche legais, que me davam R$ 30 mil por mês. Então o cara que ganha R$ 50 mil por mês, no mínimo, não precisa estar se enfiando numa coisa tão arriscada para ganhar R$ 100 mil. É uma coisa perigosa, muito arriscada", disse ele.

Outra fonte de renda descrita por Lessa era ter autorizado o bicheiro Bernardo Bello a usar seu nome como uma das pessoas ligadas à sua quadrilha. Ele afirmou que recebia cerca de R$ 17 mil por mês pelo "não serviço".

"O próprio Bernardo queria, na verdade, que o meu nome estivesse vinculado a ele. Só meu nome. Eu percebi isso. 'Não, é só para dizer que você trabalha para ele'. Interessante isso, porque uma pessoa ganhar para não trabalhar, só para usar o seu nome. Eu falei: 'Se for assim. tá alguma coisa bem interessante."

Após alguns meses sem funções, Lessa foi acionado para preparar o homicídio de Celi. O ex-PM, porém, diz que buscou postergar a morte da ex-presidente do Salgueiro porque via potencial financeiro maior no assassinato de Marielle.

"Continuamos empurrando um pouco com a barriga e não levava [ao fim]. Por quê? Porque a questão é: por mais que eu não soubesse quem ainda é Marielle, mas eu sabia que tinha uma coisa para ficar rico. Eu não vou me queimar por besteira, se tem uma coisa para ficar rico", disse ele aos investigadores.

Lessa também disse que chegou a ganhar cerca R$ 100 mil por mês com a academia que mantinha em Rio das Pedras. Ele apontou o rendimento como uma das razões para não se envolver com a grilagem de terras na favela, quando convidado por uma advogada.

"Ela me daria um pedaço da terra. Mas eu falei: não, o meu negócio é a academia. Eu tinha 1.300 alunos, não precisava me envolver nisso, tá? Eu tava ganhando R$ 100 mil por mês ali fácil, 2013, 2014. Eu não ia entrar num problema."

Apesar das ponderações, Lessa não se furtou a matar em 2014, segundo confessou, um miliciano que decidiu cobrar uma participação nos lucros de máquinas de fliperama que mantinha em Gardênia Azul.

"Eu fui importunado pelo nacional André falecido por um motivo. [...] Ele me mandou alguns recados através da pessoa que recolhia lá as moedas, que eram moedas de R$ 1. Ele disse que queria uma parte do lucro das máquinas, e eu, na verdade, resisti e não queria pagar. Mandei um recado mal criado para ele, dizendo que não ia pagar, e acabei não pagando."

Segundo o ex-PM, ele decidiu matar o ex-PM André Henrique da Silva Souza, conhecido como André Zóio, após desconfiar de que ele poderia se tornar alvo do rival.

Lessa também confessou que montava fuzis para venda no mercado negro. Ele apontou que recebia ajuda de um policial militar para o comércio, que lhe gerava R$ 20 mil por unidade.

O ex-PM atuava também em áreas nas quais tinha pouco conhecimento. Ele afirmou que se tornou sócio do ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel, numa rede de fibra ótica clandestina (gatonet). O negócio rendia ao menos R$ 15 mil por mês. O delator descreveu sua participação no negócio aos investigadores.

"Mal sei ligar televisão na minha casa. O que eu fazia era me apresentar. Toda hora tinha um problema: alguém vinha com fio não sei de onde e passava por cima do fio do outro, uma confusão. E eu representava como policial, porque sempre tem um policial com alguém de antena. Então eu representava para o Suel porque, querendo ou não, o Suel ele era bombeiro. E as pessoas não respeitavam muito e eu botava a cara pra ele. Essa era a minha função principal."

De acordo com ele, essas atividades eram a fonte de suas economias guardadas numa apartamento no Pechincha, junto com peças de armas descartadas no mar —entre elas, o silenciador utilizado na morte de Marielle. O ex-PM afirma que havia, no local, R$ 495 mil em dinheiro vivo.

Lessa também tentou auferir renda com um bingo associado, segundo ele, ao bicheiro Rogério Andrade. A atividade ilegal, porém, foi uma opção a outra menos arriscada, descartada posteriormente.

"Eu decidi colocar um restaurante especializado em codorna na brasa. [...] O Cadu trouxe a ideia de, ao invés de colocar uma codorna na brasa, de explorar um bingo", contou ele.

O bingo acabou sendo fechado no dia da inauguração pela polícia. O ex-PM depois recuperou as máquinas, segundo ele, com o pagamento de propina a policiais e delegados.

Lessa também descreveu planos de negócios para o futuro. Afirmou que pretendia construir dez bangalôs num terreno que havia adquirido em Angra dos Reis. Outro plano era invadir uma área na avenida Ayrton Sena, próximo à favela Gardênia Azul, no qual teria direito a 40 terrenos junto com Suel.

O negócio futuro mais rentável, segundo Lessa, seria o prometido pelos Brazão pela morte de Marielle. Ele estimou em US$ 20 milhões a receita com o loteamento que chamou de "Nova Medellín".

"Eu não fui contratado para matar. Eu não sou um matador de aluguel. Eu fui contratado para ser sócio e para ocupar a área", afirmou ele.

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