Descrição de chapéu Obituário Ondina Ramos Bollonhi (1937 - 2024)

Mortes: Bilheteira de teatro poderia ser inspiração para roteiro de cinema

Diná trabalhou nos lendários festivais da Record e vendeu ingressos para peças de Antonio Fagundes, Marco Nanini e Ney Latorraca

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São Paulo

Ondina Ramos Bollonhi passou boa parte da vida envolvida com o teatro. Mas sua história daria era um bom roteiro de cinema, daqueles com vários pontos de virada na trama, que de tempos em tempos passam na televisão e os assistimos como da primeira vez.

Paulistana com sotaque dos palavrões, Diná nasceu em uma casa que existe até hoje na avenida Brigadeiro Luís Antônio, na Bela Vista, centro de São Paulo.

O grande conflito do roteirista seria começar a escrever a história, pois ela pouco sabia de seus pais e passou a vida acreditando ter sido abandonada por eles quando tinha cerca de 5 anos.

Uma idosa sorridente está sentada em uma cadeira de rodas, segurando uma guitarra elétrica preta e branca. Ela usa uma camiseta cinza com um desenho de uma boca com a língua para fora. Ao fundo, há uma bateria e um teclado Roland.
Ondina Ramos Bollonhi, conhecida como Diná (1937 - 2024) - Arquivo pessoal

A dificuldade daquele início tempestuoso a obrigou a trabalhar cedo, inclusive, em casas de família para pagar a moradia no orfanato.

Mas a menina tinha brilho no olhar, e na sua segunda virada, o drama se tornou, digamos, um cinema de arte, literalmente.

No fim dos anos 1960, em plena efervescência cultural brasileira, arrumou emprego como bilheteira nos lendários festivais de música popular da TV Record.

Depois, por 26 anos, vendeu ingressos para as peças do Cultura Artística, teatro junto à praça Franklin Roosevelt, reduto da vida boêmia na região central paulistana.

No Cultura Artística se aproximou das estrelas de teatro, que iam à bilheteria abraçá-la carinhosamente. "Eram relacionamentos de temporada, com artistas que iam e voltavam com peças no teatro", afirma Edson Barth, bilheteiro que trabalhou com ela por dez anos.

Diná estava lá quando Marco Nanini e Ney Latorraca bateram recordes de longevidade com a peça "O Mistério de Irma Vap".

A menina "esquecida" no orfanato na infância frequentou festas na casa de Jô Soares. Anos depois, Denise Fraga se emocionou quando reconheceu a bilheteira aposentada no fim de uma peça no Teatro Sérgio Cardoso.

Foi graças à generosidade do ator Antonio Fagundes, que chegou a dividir parte do lucro de suas peças com os funcionários do teatro, que Diná comprou uma casa de campo em Bofete, no interior paulista, lembra Nilmar Cavalcanti, companheiro durante quase meio século, que conheceu em 1978 em uma festa no apartamento de um amigo em comum e com quem teve a filha Tatiana.

Irreverente, gostava de tomar cerveja e de comer peixe cru. Quando saía com Nilmar, que só bebe guaraná, se divertia quando o garçom errava e lhe entregava o refrigerante. Ela apenas invertia os copos.

Na sua diversidade, nos dois anos em que morou em Campinas (SP), quando trabalhou na loja Museu do Disco, tinha uma babá trans para ajudar a cuidar da sua bebê.

Nas poucas referências que tinha dos pais, havia a citação em certidão de nascimento de ser filha de mãe chilena e pai húngaro. Buscando algum traço de sua origem que nunca lhe contaram, Diná cruzou o rio Danúbio, da famosa valsa de Johann Strauss 2º, em Budapeste, na inesquecível viagem que fez à Europa em família.

O inconformismo pelo abandono da mãe quando criança fez a jornalista Tatiana mergulhar em cartórios para descobrir que sua avó havia fugido da violência do avô, que escondeu a menina. Nessa fuga, ela se casou de novo.

A palmeirense Diná, ruiva com um olho verde e outro azul, descobriu já na velhice que teve mais oito irmãos, negros, como o segundo marido de sua mãe, moradores em Itaquera, reduto corintiano da zona leste paulistana.

Era o final surpreendente daquele roteiro, que começou com as portas de um orfanato sendo fechadas.

Ondina Ramos Bollonhi morreu em 23 de junho, aos 87 anos. Deixa o companheiro Nilmar, a filha Tatiana e a neta Olívia, que leva o nome de sua mãe, talvez para dar continuidade àquela história que, de tempos em tempos, poderia passar na TV.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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